200 milhões de reféns do caminhão

Dirceu Cardoso Gonçalves*
 
Mais uma vez, os caminhoneiros pararam o país. Sentindo-se enganados em 2014, quando o governo lhes prometeu atendê-los e não cumpriu, agora vieram mais exigentes.
Garantiram só reabrir o tráfego de mercadorias pelas estradas depois que suas reivindicações forem atendidas e publicadas no Diário Oficial. Ainda não sabemos quais os níveis de aceitação ao acordo firmado quinta-feira com o governo, que vai subsidiar o combustível, pois existem parcelas insatisfeitas e radicalizadas entre os grevistas.
Faltam o próprio diesel, etanol e gasolina, alimentos e até remédios. Menos de uma semana de caminhões parados nos trouxe a essa situação.
E o pior é que a crise – se é que foi resolvida – terá de ser renegociada a cada 30 dias, podendo tudo se repetir em caso de desacordo.
O governo tem o dever de exigir a desmobilização imediata do movimento paredista, pois já ofereceu a alternativa possível. Agora tem de exercer o seu papel garantidor do direito de ir e vir da população e o acesso aos insumos de que necessitamos para o dia-a-dia.
Por mais que tenham razões em suas reivindicações, não é lícito aos transportadores travar a vida de todos os brasileiros. O que as autoridades não conseguirem pelo diálogo, terá de ser pela força, para evitar o mal maior.
E os radicais que tentam levar o movimento ao impasse e até forçar a intervenção militar, precisam considerar que esse pode ser um remédio muito amargo. É melhor que a solução se dê entre os poderes constituídos.
A carga tributária brasileira é escandalosa e precisa ser reduzida. Mas isso não é coisa recente e não se resolve num passe de mágica. O país depende de ampla reforma tributária e administrativa e o governo, que arrecada dos impostos, precisa reduzir seus gastos (muitos deles abusivos) para que as despesas não continuem ultrapassando o valor da receita.
Os combustíveis, cujo consumo impacta os preços dos transportes e de toda a economia nacional, realmente, deveriam ter carga tributária menor, como ocorre nos países vizinhos, que importam do Brasil os derivados do petróleo e os vendem à população pela metade do preço cobrado aqui.
O que temos hoje é o resultado de décadas de imprevidência e abandono. O desenvolvimento nacional foi construído em boa parte através dos trilhos das ferrovias.
No começo dos anos 50 do século passado, quando a população brasileira era de apenas 50 milhões de habitantes, chegamos a ter 34.207 quilômetros de estradas de ferro ativos com o transporte de cargas e passageiros.
A falta de investimentos na ferrovia e a entrada da indústria automobilística, fez a malha ferroviária encolher para os atuais 30.129 quilômetros, a maior parte abandonada ou subutilizada.
Os caminhões, que em qualquer país sério e organizado fazem apenas a ponta do transporte – entre o terminal ferroviário, aéreo ou aquaviário e o destinatário – hoje respondem com 60% de todo o transporte no país de mais de 200 milhões de habitantes. A raiz do problema está aí e o resto todo é consequência…

*Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo