80% dos crimes ocorridos em Paranavaí são impulsionados por drogas ou álcool
“O quadro, do ponto de vista criminal, é o seguinte: 80% dos crimes ocorridos em Paranavaí são impulsionados pelo uso da droga ou do álcool. Sob efeito das drogas a pessoa não tem dúvida que deve agir criminosamente. Sóbrio, mesmo pré-disposto a cometer um crime, fica na dúvida. Mas sob o efeito ou pela necessidade dela, comete o crime. E as vezes é até uma pessoa do bem, que tinha uma vida digna, trabalhador, mas a droga o impulsionou ao crime”.
A afirmação é do delegado-chefe da 8ª Subdivisão Policial de Paranavaí, Luiz Carlos Mânica, ao reafirmar sua preocupação com a falta de uma política para atender a população carcerária que não está sendo preparada para a ressocialização quando deixar a cadeia. “A pessoa que cometeu um delito sob o efeito da droga vai sair da cadeia. E daí? Vai continuar sendo um viciado? O que vamos fazer para evitar que ele retorne às drogas? Temos que discutir isso, temos que criar alternativas para este público”, defendeu ele.
Durante evento realizado na OAB de Paranavaí, dentro do Junho Paraná sem Drogas (Junho Branco), o policial abordou este problema e pediu às instituições como o Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas (Comud) que ajudem na recuperação deste estrato social.
Mânica diz que o uso da droga não é crime, mas seu efeito muda a personalidade da pessoa e lamenta que a sociedade tem visto a prisão como uma alternativa para a solução do problema. “Não é”, garante ele. “A prisão deveria ser o último recurso, mas há quem queira recorrer a ela no primeiro sinal do problema”.
“Até mesmo familiares chegam aqui e dizem: ‘graças a Deus ele foi preso, pois se ficasse solto seria morto’. Não é assim. Na prisão, a pessoa vai aprender que a droga tira o dinheiro dele. Já o roubo dá dinheiro a ele. Logo, quando sair, poderá deixar de ser um usuário de droga, mas se tornar um ladrão ou um assaltante”, explica o delegado.
Paranavaiense de nascimento, Mânica tem parentes e amigos aqui, alguns desde a infância. Deixou a cidade aos 17 anos para continuar os estudos. Desde que assumiu a chefia da 8ª SDP, em 2014, tem ido além de suas funções policiais e procurado a ajudar a comunidade usando a experiência de seus 24 anos de carreira. Embora não seja mais o diretor do presídio (os delegados-chefes de subdivisões acumulavam o cargo de diretor de mini presídios), tem demonstrado preocupação com o setor. Atualmente, estão recolhidos na cadeia pública de Paranavaí cerca de 280 pessoas – mas capacidade é para 95.
FAMÍLIA E RELIGIÃO – “A droga é o combustível para o crime”, sentencia ele, lembrando que a fase mais vulnerável é na adolescência, público para o qual costuma fazer palestras sobre o assunto.
O policial aponta os caminhos para evitar que mais jovens e adolescentes (“estão começando cada vez mais cedo”) entre no descaminho das drogas, sejam elas lícitas, (como a bebida alcoólica) ou ilícitas. “Em primeiro lugar vem a família”, diz ele. “Temos que fortalecer os laços familiares”, diz apontando que, com amor, os pais devem conversar com os filhos sobre o assunto. “Tem que saber dizer não. E mostrar que estão falando ‘não’ como um ato de amor pelo filho”, ensina.
“Em segundo lugar vem a religião”, continua Mânica, ressaltando que independentemente da igreja que frequenta e da profissão de fé de dada um, a religião tem um papel importante seja na prevenção como na recuperação.
O delegado alerta que os pais devem ficar atentos ao comportamento dos filhos. “Filho tem que ser cuidado”, assevera, acrescentando que deve haver preocupação especial com as amizades dos filhos. “Tem que ficar de olho”, aponta.
O delegado diz que é comum quando o pai ou a mãe chama a atenção do filho, a primeira reação é sempre a mesma: “por que os outros podem e eu não posso chegar tarde?”. Esta pode ser a senha para abordar o assunto, colocando a sinceridade e o amor como principais ingredientes desta conversa. Defende que “é preciso formar o caráter do adolescente para ele não se deixar levar pelas falsas e momentâneas alegrias” proporcionados pelas drogas
O posicionamento e a preocupação de Mânica se explicam: é cada vez maior o número de ocorrências policiais envolvendo pessoas que até o dia anterior eram dignas, trabalhadoras, do bem, “mas a droga as levaram para o crime”, diz o policial.
EXECUÇÕES – As consequências do uso e tráfico de drogas são extremamente danosas à sociedade e para a segurança pública. Mânica estima que 80% dos homicídios registrados na cidade têm ligação com as drogas. Geralmente são execuções de acerto de contas de traficantes, as vítimas são usuários ou parentes deles que não pagaram o traficante ou briga por pontos de vendas.
Cometido o crime, o cidadão vai pagar pelo que fez e vai retornar à sociedade. “E como vai ser este retorno?”, questiona o policial. “Acho que a sociedade, o Conselho Municipal de Políticas Públicas sobre Drogas (Comud) devem apoiar a criação de alternativas para a reinserção destes cidadãos à sociedade”. Ele defende assistência de psicólogos, psiquiatras, de outros profissionais e religioso para preparar o presidiário egresso. Para ele, estes cuidados devem começar dentro dos presídios.
Mânica diz que a sociedade tem que mudar a forma como vê o problema das drogas. O problema, na visão dele, não é policial e não será a polícia que vai dar solução. “Muitas vezes um iniciante, que poderia ser recuperado facilmente, acaba se revoltando e piorando a situação por conta da revolta da reclusão”, alerta o delegado de polícia.
Gestor do presídio confirma necessidade de melhorar serviços de apoio a egressos
As drogas estimulam a criminalidade, continuam sendo problema na cadeia e, se não houver um trabalho preventivo, continuará sendo depois do cumprimento das penas. É o que revela o gestor da cadeia pública de Paranavaí, Jean Carlo Machado Magalhães. Segundo ele, apesar de todos os cuidados e ações para disciplinar os presos, se não houver atendimento psiquiátrico, social e psicológico, a possibilidade de reincidência é grande.
A cidade possui, desde o ano passado, a Unidade de Progressão de Paranavaí (UPPAR), construído pela Conselho da Comunidade e repassado ao DEPEN (Departamento Penitenciário do Estado do Paraná), que procura dar aos presos a oportunidade de estudar e trabalhar. Mas é preciso melhorar as condições. “Nós precisamos de gabinete odontológico, consultório médico, enfermaria e uma sala multiuso para ser usada, por exemplo por assistente social, psicóloga e outros profissionais”, diz Machado Magalhães
“O Comud e a sociedade poderiam ajuda a complementar e implementar ainda mais estes programas”, defende o delegado Mânica. “Falta um ambiente adequado para os atendimentos. Não tem um espaço adequado para o atendimento religioso, embora tenha este atendimento, mas é precário, não tem um ambiente adequado para aqueles que querem buscar uma salvação religiosa”, complementa.
CADEIA – Para disciplinar a cadeia e até evitar problemas pela abstinência da droga e do álcool, todo preso passa antes por um ambiente chamado de “modular”. Ali ele fica entre 20 e 30 dias, até se adaptar às regras de presídio.
Mas este esforço quase cai por terra com a entrada de drogas no presídio, normalmente transportadas por mulheres em suas partes íntimas. A cadeia local não tem um body scan, equipamento caro, mas que permite detectar armas, drogas e celulares, levadas aos presídios por visitantes, escondidos em costuras ocultas nas roupas, em vasilhas e até nas partes íntimas. Mulheres com cavidade vaginal maior, levam entre 25 e 30 gramas de cocaína. Uma grávida pode levar ainda mais. E elas levam, mesmo sabendo que se o pacote estourar terá grandes danos ao bebê.
Os bandidos mais perigosos, os chamados faccionados, que pertencem a organizações criminosas com o PCC, não usam a droga, mas fazem dinheiro com ela. Quando o preso não paga, geralmente a cobrança é feita por um bandido que está fora da cadeia e procura e ameaça familiares do devedor. “Aí tem repercussão aqui dentro", conta Jean.
O gestor da cadeia defende que seja instalada em Paranavaí unidades prisionais adequadas para enfrentar o problema, permitindo a divisão dos presos pelas suas características e níveis de periculosidade. “O faccionado ficaria numa ala, poderíamos ter uma unidade industrial, e uma de progressão. Mas a população não quer. Então temos que enfrentar este drama”, lamenta o agente penitenciário.
SOLUÇÃO DEPENDE DE TODOS – Para o presidente do Comud, Dante Ramos Júnior, a sociedade precisa ajudar a enfrentar o problema. “Temos que estar atentos e com diversas frentes de trabalho. A questão levantada pelo delegado Mânica é muito importante. Temos que evitar a reincidência. E só vamos conseguir isso com a ajuda de toda a comunidade. Ou enfrentamos as drogas ou ela destrói na sociedade”, diz ele.
Ramos Júnior diz que vai mobilizar os órgãos que compõem o Comud para tratar do assunto. “A campanha foi no mês passado, mas o trabalho de conscientização e de combate as drogas deve ser o ano inteiro”, disse ele referindo-se ao Junho Branco.