Eis a questão: ler e escrever para quê?

(1)Por sobrevivência
“Não há como sobreviver no mundo virtual hoje sem dominar a leitura e a escrita. E as nossas relações tem passado por essa lente”, diz Julie Fank, da Escola de Escrita. “Importante: quando a gente fala em dominar a escrita, não estou falando de ‘escrever bem’. No Twitter, por exemplo, o idioma é um, no WhatsApp, o idioma é outro – e isso não tem a ver só com correção linguística, mas com o domínio do gênero textual em que a gente está atuando no momento da fala.”

(2) Para ler melhor
“O mais importante seria perceber que ler melhora o escrever e vice-versa”, explica o escritor e professor Luís Augusto Fischer. “Quando a gente escreve é que percebe como ler melhor, e o contrário também. A dissociação entre as duas atividades é uma das causas profundas do insucesso da escola brasileira.”

(3) Porque é preciso
Para o escritor e professor Benedito Costa Neto, há vários tipos de escrita. “Algumas mais complexas e outras menos complexas. Um indivíduo com aspirações literárias terá de enfrentar toda a tradição literária que o antecede se quiser escrever algo de qualidade. Um historiador precisa escrever, assim como o sociólogo e o antropólogo. O agente do direito precisa escrever. E a pessoa comum também deveria saber escrever, pois pode precisar compor uma mera reclamação sobre um produto que comprou e não tem habilidades de escrita.”
Tenha em mente a pesquisa feita pela Columbia University com o French National Institute, noticiada pelo “Washington Post” em junho passado: 59% de todos os links compartilhados em redes sociais nunca foram clicados por ninguém. Isso significa que seis em dez pessoas compartilham textos que não leram.
“Sim, não apenas estudos, mas a prática mostra que as pessoas andam lendo pouco, mal, pela ‘superfície’, somente as chamadas, e por aí vai”, diz o professor, escritor e pesquisador Benedito Costa Neto. “Claro que existem pessoas que leem bem e em quantidade… mas o nível de leitura geral é terrível.”
Para Costa Neto, a leitura é “uma conquista que vem aos poucos”. Ler não é apenas decifrar uma escrita. “É tentar atravessá-la, resgatar o que há de sentido nela, ter um entendimento dela. Leitura e escrita são exercícios.”
Quando a edição mais recente da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil saiu há dois meses, muitos veículos se concentraram na estatística mais evidente: 44% da população brasileira não tem o hábito de ler.
Citando Costa Neto, leitura é mais exercício do que hábito. Fora isso, alguns dados escabrosos apareceram de maneira discreta na pesquisa. A pesquisa aceita que a Bíblia e gibis são “obras literárias” e considera leitor alguém que tenha lido apenas um trecho de livro nos últimos três meses. Não fosse assim, a quantidade de gente que lê no Brasil seria muito, muito menor do que os 56% apurados pelo Instituto Pró-Livro. O retrato é turvo.