SUPERAR A CRISE DE IDENTIDADE… JO 21,1-14
O capítulo 21 foi acrescentado mais tarde ao evangelho de João. Depois de Jesus, Simão Pedro é a figura mais importante nesse capítulo, e parece que aí reside um dos motivos pelos quais a comunidade do Discípulo Amado acrescentou este capítulo ao evangelho. De fato, desde o início Simão Pedro recebeu de Jesus um nome novo (Cefas, 1,42), sinal de que está em constante busca de identidade (para o povo da Bíblia o nome era como que a carteira de identidade da pessoa). Será que Simão Pedro vai “SE ENCONTRAR”? Além disso, esse capítulo ajuda a aprofundar o tema da missão; quer ainda desfazer o mal-entendido acerca do discípulo amado, pois, segundo alguns, ele não deveria morrer. A BUSCA DE IDENTIDADE NA MISSÃO – Na Bíblia, a pesca é muitas vezes sinônimo de missão. A pesca do capítulo 21 acontece no mar de Tiberíades, também chamado de lago de Genesaré ou mar da Galileia. Ao chamá-lo de “mar de Tiberíades” o evangelho de João já aponta para a missão junto aos pagãos. De fato, Tiberíades era uma cidade pagã construída em homenagem do imperador Tibério. Parece que tenha nascido sobre um antigo cemitério, lugar considerado impuro pelos judeus. Todas essas indicações apontam para a missão da comunidade cristã. Todos os discípulos de Jesus estão em missão (o número 7 é simbólico e representa a totalidade dos seguidores de Jesus). Mas trabalham inutilmente, pois a noite, tempo favorável para a pesca, foi completamente estéril. É a crise de identidade da comunidade. A noite, por contraste com o dia, recorda a ausência de Jesus ou do Espírito (9,45; 15,5). COMO SAIR DA CRISE? Esperar que aparecesse “a luz”. De fato, “quando amanheceu Jesus estava na margem. Mas os discípulos não sabiam que era Jesus” (21,4). O que está faltando à comunidade? Sem amor que leva à fé só produzimos esterilidade. A palavra de Jesus ressuscitado muda a situação. “Então Jesus disse: ‘Joguem a rede do lado direito da barca, e vocês acharão peixe’. Eles jogaram a rede e não conseguiam puxá-la para fora, de tanto peixe que pegaram” (21,6). Lançando a rede à direita da barca, os discípulos apanham grande “multidão” de peixes. A palavra “multidão” “aparece somente aqui e em 5,3, onde fala da multidão” de doentes que jazem como vivos-mortos à espera de alguém. Isso nos leva à seguinte conclusão: jogar a rede do lado direito da barca significa optar pela multidão de empobrecidos do mundo inteiro. Assim fazendo, sob a ordem de Jesus, a missão se torna extremamente fecunda. A consciência disso nasce do amor, pois o discípulo amado é o único capaz de perceber que a comunidade desenvolverá sua missão em abundância quando fizer sua opção por Jesus que manda jogar a rede “do lado direito da barca”, ou seja, quando se interessar pela “multidão de enfermos”. O discípulo amado descobre quem é que deu essa ordem: “É o Senhor” (21,7a).
SIMÃO PEDRO COMEÇA A “SE ENCONTRAR” – Identificada a raiz da crise, as atenções se voltam para Simão Pedro. Quando o discípulo amado mostra que é o Senhor quem manda jogar a rede do lado direito, ele veste a roupa e pula no mar. Não podemos esquecer o detalhe. Se Simão estava nu, por que se veste a fim de cair n’água? O fato deve ser entendido simbolicamente. A “roupa” que Simão veste é o “avental” do serviço por amor, à semelhança de Jesus ao lavar os pés dos discípulos (13,4-5). E pular na água significa mergulhar na missão com as disposições de Jesus: servir até dar a vida. De fato, mais adiante Jesus mostrará como Simão Pedro irá dar a vida por amor. É assim que Simão Pedro começa a “se encontrar”. Chegam à praia também os outros discípulos. A primeira coisa que veem são os sinais do amor que Jesus lhes tem: brasa, peixe e pão (20,9). Eles veem o sinal daquilo que Jesus lhes preparou. Mas ele pede algo que seja fruto do trabalho deles. É assim que se estabelece comunhão entre Deus e as pessoas. É assim que nos alimentamos na missão: com o dom de Deus e com o fruto do nosso esforço. Já reconciliado com Jesus, Simão Pedro sobe sozinho à barca e arrasta a rede para a terra (21,11a). De onde lhe vem tanta energia para arrastar sozinho o que antes era feito por todos com grande dificuldade? É que subir à barca é a consequência imediata de atirar-se ao mar (21,7). É a força do serviço que ama até o fim. Simão faz tudo sozinho porque Jesus também agiu assim, dando vida livremente. O texto salienta o resultado da pesca-missão: 153 peixes grandes. O biblista Jerônimo recorda que os zoólogos gregos haviam classificado 153 espécies de peixes. O sentido, portanto, é este: se usar o “avental”, a comunidade será capaz de reunir todos os povos em torno de Jesus, sem sofrer rachaduras ou cismas (a rede que não se rasga recorda a túnica sem costuras de Jesus, (19,23-24). Simão Pedro, convertido ao serviço, arrasta a rede sem que se rompa (21,11b. e ficamos com uma certeza inquietante: as rachaduras entre os seguidores de Jesus não aconteceram por causa do “avental”, e sim por causa da luta pelo poder.
(Como ler o evangelho de João – José Bortolini – páginas 198 a 201)