Criança solitária – Sintoma Familiar?

O que faz uma criança ou um pré-adolescente trocar a diversão com a turma pela solidão?
Há crianças que preferem se isolar e não compartilhar da algazarra geral no play, nem no corre-corre do aniversário do amigo.
Preferem, consciente ou inconscientemente, se afastarem do convívio social.
Mas, é necessário estabelecer uma diferença entre criança solitária e criança de temperamento mais quieto, introvertido, mais seletiva nas amizades.
Essas características da criança mais reservada não atrapalham em nada sua convivência com as pessoas. Brincam, se divertem, saem com os colegas só que dentro de sua forma e estilo de viver.
Em uma cultura em que predomina o “espetáculo”, onde a regra quase sempre é buscar aplausos e estar em evidência, essas crianças por vezes são “rotuladas” de problemáticas.
A preocupação, no entanto, recai sobre aquela criança sempre sozinha que prefere não sair. Aquela  que quando os amigos vão embora, fica lá, angustiada, com o coração batendo, até que vêm as lágrimas e as desculpas para si mesma: "prefiro ficar em casa".
Uma criança que passa a maior parte do tempo diante da televisão ou do computador, pode indicar problemas não só com ela, mas também com os pais.
Estes muitas vezes não se dão conta que se a criança permanece quietinha, vivendo a vida através de uma tela, pode estar expressando um problema no convívio familiar.
Muitas vezes, os pais e familiares amedrontados com a violência urbana dificultam a tarefa de introduzir a criança na realidade do dia a dia.
Acabam por confiná-la em espaços físicos restritos e imobilizantes, que fazem com que ela acabe adotando programas de adulto, carregando a reboque os medos e temores deles.
Outras vezes o clima familiar é muito tenso e estimula pouco diálogo, dificultando ainda mais a manifestação dos sentimentos das crianças.
Essa insegurança em excesso vai produzindo medo de distanciar-se de casa.
Então, em vez de ir, por exemplo, ao cinema, brincar com os amigos, fazer esporte, a criança ou o adolescente prefere ficar em seu “castelo protetor”.
Todos nós dispomos psiquicamente de recursos para nos proteger de certos conflitos, que são denominados mecanismos de defesa.
Quando uma criança diz que não quer ir a uma festa porque está com dor de cabeça e sabemos que a dor não existe de fato, está provavelmente somatizando.
O corpo somatiza (adoece) como uma estratégia de defesa.
Essa defesa é uma espécie de sistema imunológico psíquico que entra em cena na hora que a nossa mente capta algum perigo.
É natural e todos nós lançamos mão dela eventualmente.
O problema está em repeti-lo frequentemente e nunca ter coragem para enfrentar as situações conflitantes.
Além do fato de que um dia essa angústia não consegue mais ficar presa e explode em forma de algum sintoma mais explícito, como choros frequentes, irritação, rebeldia ou a recusa de qualquer saída, inclusive de ir à escola.
É nesse momento que os pais começam a romaria aos consultórios dos mais variados especialistas para tratar a criança ou o jovem.
Porém, antes de antecipar que a criança é doente e precisa de tratamento psicológico e medicamentoso, os pais precisam refletir sobre essa situação com calma e, repensar a quantas anda o relacionamento familiar.
A criança frequentemente reflete as tensões de seu ambiente familiar, como também os conflitos dos pais, sejam estes casados ou separados.
Em muitas situações quem “explode” está sendo porta voz de um sintoma familiar e, portanto, é mais prudente não colocar a criança tão rápido no lugar de doente, antes de reavaliar essa situação.
Na maioria das vezes a doença está na família, não na criança.
Dessa forma, tentar tratar a criança deixando os pais de “fora”, poderá mascarar a situação.
Há portanto, todo um caminho de reflexão a percorrer, que apesar de árduo, é uma ótima oportunidade para que a família, como um todo, possa se reestruturar e vislumbrar uma nova forma de convivência.
Certamente optar pela solidão não é desejo de crianças nem de jovens, no entanto, pode ser uma opção de chamar a atenção para o isolamento afetivo dentro da família e a anemia dos vínculos afetivos.
Essa forma de olhar o sintoma infantil, pode melhorar a qualidade do convívio familiar e tornar não só a criança mas, todos na casa mais fortalecidos. 


Colaboração de
Márcia Spada