Primeiro medalhista olímpico do país fala de quando judô “era” vale-tudo
Responsável pela primeira medalha olímpica do judô brasileiro, Chiaki Ishii, 74, resgatou detalhes dos primórdios do esporte no país com o livro "Os Pioneiros do Judô no Brasil" (240 páginas, Editora Generale).
Poucos sabem, por exemplo, que para disseminar o esporte no Brasil os pioneiros japoneses atravessavam o país no século passado executando demonstrações.
Ao chegar a uma cidade, os judocas desafiavam praticantes de outras formas de luta, como o boxe, caratê ou luta-livre, para mostrar a eficiência do judô. Em alguns casos, chegavam a enfrentar, em sequência, vários rivais.
Essa estratégia fora adotada também por japoneses nos EUA, onde desafiaram praticantes da luta livre.
Anos depois, para cavar espaço para o jiu-jítsu brasileiro, a família Gracie, que aparece em várias passagens do livro, adotou a mesma tática.
O livro relata também que no Japão antigo eram travadas brigas entre praticantes e invasões de academias de estilos diferentes de judô, em que os perdedores não raro terminavam aleijados. Fenômeno parecido se repetiria no Rio nos famigerados duelos entre jiu-jítsu e luta livre.
Ishii também lembra que, como as competições dos primórdios do UFC, não havia distinção entre categorias de peso no início do judô.
Como foi no início do vale-tudo, que mais tarde se transformaria no MMA.
O próprio Ishii faz uma comparação entre o judô atual e o vale-tudo do início do UFC. "Aquela determinação de aplicar o ippon [pontuação máxima do judô] a qualquer custo acabou se perdendo [no judô]. É por isso que os fãs do judô, frustrados com [as regras do] judô atual, estão correndo para algo como o vale-tudo do jiu-jítsu dos Gracie", dispara.
Em seu trabalho de "arqueologia", Ishii aponta que na corte de dom Pedro 2º havia um japonês que ensinava técnicas de judô e jiu-jítsu, bem antes da vinda do primeiro navio de imigrantes, o Kasato Maru, em 1908.
Seus relatos passam pelo período da Segunda Guerra, quando a Confederação Brasileira de Judô recebeu do governo brasileiro ordem de dissolução. Chegam até era dos campeões olímpicos Aurélio Miguel e Rogério Sampaio, quando o dinheiro para a preparação de atletas não vinha da Lei Piva, mas da venda de churrascos de sardinha e sushis, preparados pelos próprios familiares dos atletas.
O próprio Ishii é um coadjuvante nessa história do judô. Ora aparece como personagem ora suas divagações "contaminam" a narrativa.
Apesar de contar com personagens e passagens bastante interessantes, o livro funciona mais como um documento histórico, dirigido ao estudioso sério do esporte, do que como entretenimento para passar o tempo.
Quem pesquisa a influência da cultura japonesa no Brasil tampouco se decepcionará. Há referências de como os pioneiros viviam e a marcos como o orfanato Kodomo no Sono, e ao movimento Shindo Renmei, cujos membros se recusavam a crer que o Japão perdera a Segunda Guerra Mundial.
O tema foi abordado no livro "Corações Sujos" e pelo filme homônimo, ao "Jornal Paulista" (onde trabalhei, dirigido à comunidade japonesa, escrito parcialmente em kanji), ao hotel e cinema Niterói, na Liberdade, etc.