Em reação à maioridade, governo quer reforçar ensino a infratores

BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – João (nome fictício), 18, retira a apostila que guarda com cuidado debaixo do colchão do beliche onde dorme.
Há sete meses, ele voltou a frequentar o 6º ano de uma escola pública no Distrito Federal. Antes, passou três anos longe da sala de aula. "Fiquei aprontando e parei de estudar", conta ele.
Detido em uma unidade de internação provisória, o rapaz agora voltou aos livros. "Me deram outra chance", diz ele, que não foi autorizado a falar com a reportagem sobre o delito que cometeu.
Diante do avanço da medida que reduz a maioridade penal, em discussão no Congresso (leia nesta página), o governo acelerou os estudos para ampliar o acesso de jovens infratores à educação.
Uma proposta do CNE (Conselho Nacional de Educação), elaborada a pedido do Executivo, visa definir diretrizes nacionais para o ensino desses adolescentes.
A intenção é aprovar, ainda neste ano, um plano para reorganizar o currículo, formar professores que atendam a esse público e melhorar a infraestrutura das salas de aula nesses locais.
Uma das principais apostas é a adoção do ensino integral nas unidades – hoje, a avaliação é que os adolescentes infratores têm pouca educação no sistema que, por definição, é "socioeducativo".
"O menino fica 45 dias sem sentença, em internação provisória. Quando volta para a escola, perdeu 45 dias. Como fazer com que a educação não se perca?", questiona o coordenador do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), Cláudio Vieira.
O documento, finalizado neste mês, ficará em consulta pública por 40 dias, segundo despacho do conselho.
Hoje, 20.317 jovens estudam em turmas dentro das unidades de internação ou em escolas vinculadas.
O próprio relatório do CNE, porém, elenca problemas. Entre eles estão a falta de estrutura das salas de aula, dificuldade em selecionar professores e a resistência de algumas escolas em matricular e manter o sigilo sobre alunos que estão em semiliberdade.
Em São Paulo, Estado com o maior número de adolescentes em medida socioeducativa no país, 92% dos alunos estão em séries que não correspondem à idade, segundo a Fundação Casa.
Em todo o país, a defasagem escolar desses jovens é de 88% nos anos finais do ensino fundamental, segundo dados do Ministério da Educação. Nas turmas regulares, abrange 27% dos alunos.
Além do ensino integral, a superintendente pedagógica da Fundação Casa, Marisa Fortunato, defende a adoção de uma metodologia específica de ensino para esse jovem.
Para a gerente de educação em direitos humanos do Distrito Federal, Daniela Gomes, é preciso uma abordagem que considere a individualidade desses alunos. "Devemos começar o trabalho a partir do que ele traz, e não a partir de uma definição curricular".
Após o retorno aos estudos, João faz planos. Neste ano, além da escola, iniciou um estágio e um curso à distância. "Quero continuar trabalhando e fazer faculdade".