Registros de casos de compartilhamento de fotos íntimas aumentam 120% em um ano
A prática, entretanto, se tornou um perigo para muitos jovens que, na maior parte das vezes, não medem os riscos dessa exposição. Entre os exemplos mais comuns e que fazem mais vítimas está o sexting – divulgação de mensagens, fotos ou gravações de conteúdo erótico ou sensual por meio eletrônico, principalmente, celulares.
Um levantamento da organização não governamental (ONG) Safernet, que há oito anos tem um serviço de denúncias online, aponta que, em 2014, foram registrados 224 casos de sexting – um aumento de 120% em relação a 2013 – quando foram registrados 101 casos.
Em 2012, a instituição inaugurou um serviço de ajuda em tempo real. Por meio do Helpline, os adolescentes têm a possibilidade de conversar e explicar a sua situação por meio de um chat.
A instituição tem realizado várias campanhas de alerta com depoimentos de jovens que foram vítimas de sexting. Os relatos, em geral, envolvem ameaças, sofrimento e o medo da reação de outras pessoas.
Meninos e meninas produzem e compartilham imagens íntimas, mas as mulheres são as que mais sofrem, segundo a psicóloga e coordenadora do canal de ajuda da Safernet, Juliana Cunha. Em 2014, 81% das pessoas que pediram ajuda à ONG eram mulheres.
“Nos últimos anos, a gente percebeu um aumento significativo de denúncias de meninas que tiveram fotos íntimas expostas na internet, o que nos fez perceber que esse tema é muito importante e sensível, porque o sofrimento é muito grande. Há dois anos tivemos um caso, que foi amplamente noticiado, de duas meninas que não suportaram a pressão e cometeram suicídio”, lembra.
Na opinião de Juliana Cunha, os jovens estão mais expostos a esse tipo de problema porque estão vivenciando suas primeiras experiências sexuais. Os adolescentes de hoje namoram pela internet, usam a webcam e as novas tecnologias para trocar mensagens e fotos – algumas delas de conteúdo íntimo.
Ela explica que, ao receber uma denúncia, a central da Safernet envia os dados para o Ministério Público Estadual e Federal e para a Polícia Federal que fazem a investigação. “É bom lembrar que, no ano passado, foram feitas mais de oito operações no enfrentamento e combate à pornografia infantil na internet pela Polícia Federal. Foi um crescimento no número de pessoas identificadas e que estão respondendo na Justiça”, ressalta.
Segundo a advogada especialista em direito digital e idealizadora do Movimento Família Mais Segura na Internet, Patricia Peck, apesar do aumento no número de denúncias, os casos de sexting ainda são subnotificados. “Apesar do aumento da denúncia, ela representa menos de 20% dos episódios. Em 80% dos casos, as pessoas têm vergonha do que aconteceu”.
Ela alerta que, ao ser vítima de vazamento de fotos íntimas, a pessoa “sofrerá” por muito tempo. “Antigamente, mudava de escola, de cidade. Hoje em dia faz o quê? Não adianta mudar de escola, de cidade aquele conteúdo vai atrás da família aonde ela for”.
O movimento idealizado pela advogada conta com 20 mil voluntários que ensinam ética e segurança na internet em comunidades, igrejas e escolas de todo o país. Eles defendem que o tema se torne disciplina obrigatória.
“A gente está com uma lacuna de formação, de algo que pode ser ensinado nas escolas, nas associações de pais e mestres, além da realização de campanhas de esclarecimento que envolvam até empresas de telefonia, já que hoje praticamento todo mundo tem um celular”, defende Patrícia.
As denúncias de violações também podem ser feitas pelo Disque Direitos Humanos (Disque 100) e pelo aplicativo Proteja Brasil que pode ser utilizado em tablets e smartphones e mostra onde encontrar serviços de proteção integral dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Adolescentes não podem ser “abandonados” no mundo virtual, dizem especialistas
Muitos pais ensinam os filhos a não conversarem com estranhos na rua e a não dizer o nome nem o endereço. No entanto, o mesmo cuidado não é tomado em relação ao mundo virtual.
O promotor de Justiça Thiago Pierobon, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ressalta que a criança não pode ser “abandonada” no mundo virtual. “É muito importante que os pais, os professores, as pessoas que têm a guarda das crianças e dos adolescentes estejam mais envolvidas no sentido de não deixarem essas crianças abandonadas no mundo virtual, que elas estejam sob supervisão”.
Segundo ele, as novas mídias sociais, como o Facebook e, mais recentemente, o Whatsapp, associadas ao aumento do número de aparelhos celulares com acesso à internet potencializam as relações sociais exigindo uma maior atenção por parte dos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes.
Permitir que eles utilizem tablets e computadores com acesso à internet sem supervisão aumenta o risco de que um adulto mal intencionado obtenha fotos e gravações e acabe compartilhando esse conteúdo na rede, diz o promotor.
Os especialistas são unânimes em relação à importância da informação no combate às novas formas de violação sexual praticadas pela internet, mídias sociais e pelo compartilhamento de fotos íntimas.
A professora Gina Vieira Ponte Albuquerque diz que percebeu, em sala de aula, que falta informação para os adolescentes e que muitos não têm noção do que estão fazendo quando se expõem em fotos provocantes ou de apelo sexual. “Se vai ou não postar um selfie com conotação sexual é importante que eles sejam conscientizados sobre os desdobramentos, a gente pensa que isso é óbvio, mas não é”, destaca.
Para Juliana Cunha, da organização não-governamental Safernet, as crianças e os jovens têm que aprender a ser responsáveis. “O desafio da nova geração é vivenciar os contatos e namoros na internet com responsabilidade. A partir do momento que você envia uma imagem, você perde o controle sobre ela”.
Os conselhos sobre os perigos das ruas devem valer também para o mundo virtual, na opinião da advogada e idealizadora do Movimento Família Mais Segura, Patricia Peck. Ela alerta que a segurança das crianças e dos jovens começa pela informação.
“Coisas simples. O pai ou a mãe olhar de vez em quando o computador do filho, fazer uma busca no Google colocando o nome do filho, sentar do lado para ver quem são os amigos digitais e que fotos estão sendo tiradas e compartilhadas”, exemplifica.
“Se fechamos a porta da rua de nossa casa todos os dias para evitar os perigos do mundo que nos cerca, devemos também fechar a outra porta, a do mundo digital”, avalia.
Além de zelar pela segurança dos filhos, os pais devem saber como funcionam os recursos que fornecem às crianças. “É como um brinquedo que você procura saber se é seguro, se está na idade adequada, lê as instruções para explicar as regras. O mesmo acontece na internet, os pais devem aprender a utilizar as mídias sociais, ler o termo de uso antes de permitir o acesso dos filhos”, defende Patrícia.
Segundo ela, a idade mínima para entrar no Facebook e no Instagram, de acordo com o termo de uso, é 13 anos. Para o aplicativo Whatsapp, 16 anos e para o Youtube, somente aos 18 anos.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, além da prevenção é preciso também quebrar as barreiras que impedem que esse tipo de violação venha à tona, ou seja, é preciso denunciar. Para eles, o silêncio é aliado da violência esteja ela no mundo real ou virtual.
Caso a criança ou o adolescente seja vítima de alguma violação por meio da internet, é preciso agir rápido, dizem os especialistas. É necessário procurar uma delegacia e um órgão especializado em crime na internet e evitar deletar posts ou mensagens para não comprometer as provas.
O presidente da Comissão de Informática e Direitos Eletrônicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais, Luiz Felipe Freire, ressalta que o Marco Civil da Internet ajudou a combater os delitos na rede e a diminuir os danos. A norma estabeleceu regras para punir o autor do crime, ou seja, a internet é uma terra com leis.
No Brasil alguns estados, como o Rio de Janeiro, têm grupos especializados no combate a crimes cibernéticos.
“A partir das informações que nós obtemos de crimes praticados pela internet nós buscamos os dados dos usuários que fizeram a publicação e rastreamos os responsáveis tentando identificar o autor do crime”, explica o procurador Rafael Antônio Barreto, destacando que o avanço na legislação permite que as investigações sejam feitas de modo eficiente.
Segundo o promotor Thiago Pierobom, o desafio hoje não é mais a legislação e sim, a prevenção. “O nosso grande desafio hoje é aparelhar o Estado e realizar campanhas educativas adequadas para a prevenção desse tipo de violação de direitos”, destacou.