Caminho de Rato e o Miolo de Pote

Renato Benvindo Frata

Todo mundo sabe que rato não anda em linha reta e que adota o ziguezague quando caminha, cheirando aqui e ali. É um vencedor, um conquistador de vontades; e consegue levar para sua toca tudo aquilo que imagina ser de bom proveito, como um pedaço de papel com o qual possa fazer seu ninho ou afofar o ninho de seus filhotes, ou uma porção de comida com quem divide com a prole.

Não fosse a pestilência que carrega nas entranhas, especialmente disseminada pela urina, até que poderia ser um cara legal para se ter por companhia, a exemplo dos passarinhos, gatos e cachorros. Mas não, em se tratando de ratos a maioria de nós os quer à distância.

Lembro-me, do tempo dos pés nos chão e canelas lanhadas de espinhos, de um menino que não conseguia andar em linha reta e ziguezagueava feito bêbado pelas ruas. Talvez esse problema fosse efeito de alguma disfunção neurológica que lhe tirou o senso de direção e o deixou meio abestalhado.

Nas aulas de linha em que a professora insistia em mantê-lo firme sobre o risco na areia fina treinando o equilíbrio ele era um desastre, mostrando-se incapaz de desempenhar o domínio corporal, concentração e esforço muscular como as outras crianças que andavam com desenvoltura sobre trilhos, cercas e muros da redondeza.

Portador dessa e de outras síndromes cujos nomes não eu saberia dizer, esse menino tinha mais defeitos: era avoado, peralta e completamente isento de responsabilidade, por isso lhe deram o apelido de Miolo de Pote, comparando-o ao vazio do utensílio de barro tão comum àquela época, ao que ele respondia com seu sorriso estranho e seus dentes desalinhados. Deve ter gostado do apelido.

Miolo de Pote assim cresceu, ganhou corpo, ficou cruel e mandão e, precisando trabalhar, por influência de padrinhos arranjou emprego público no cargo de fiscal de obras. – A terapia laboral vai lhe fazer bem – disse alguém para justificar o despropósito da contratação, pois era sabida sua incapacidade e conhecida a sua mania de mandar como se a cidade fosse de sua propriedade.

Como em administração pública vale tudo quando esta serve ao privado ali ficou com seus desmandos, até que um dia, extrapolando direitos, agrediu subalternos que se contrapunham às suas ordens insanas. Chamado às falas e ganhando uma grande carraspana pela burrada feita, saiu-se com essa: – Eu mando e tenho que ser obedecido, quando não sou meto a guasca! Assim é que é… – Nem se poderia esperar melhor resposta de uma pessoa com tantos problemas.

Com o “Massacre Richa” do dia 29 de abril que resultou na agressão a milhares de professores e cidadãos e que feriu mais de duzentas pessoas, vem-me à memória, ainda que vagamente, a figura do Miolo de Pote com sua mania atabalhoada de mandar.

Compará-lo à figura do governador – com o respeito que o cargo merece – mas que mandou descer o porrete sem medir consequências, não devo, aquele menino era problemático por questões neurológicas.

Resta torcer para que o governo que hoje segue em ziguezague sem conseguir os objetivos e afugenta pessoas boas de sua convivência, como faz o rato quando invade a sala, retrate-se pelo mal feito assumindo o erro, desfaça o que fez por impulso e se preserve, para que no futuro não se sujeite ganhar um apelido como o menino da minha infância…..