Vaticano diz não ter responsabilidade legal por casos de pedofilia cometidos por membros do clero

SÃO PAULO – O representante da Santa Sé na ONU, Silvano Tomasi, afirmou ontem que o número de casos de pedofilia na Igreja Católica vem caindo nos últimos dez anos, mas que não tem responsabilidade legal pelos delitos cometidos por membros do clero fora do Vaticano.
As declarações foram feitas em uma sessão do Comitê da ONU contra a Tortura sobre os casos de pedofilia que provocaram um escândalo na Igreja Católica. Esta é a primeira vez que o Vaticano apresenta um relatório à comissão desde que assinou a convenção que a regulamenta, em 2002.
Para Tomasi, a Santa Sé agiu de boa fé e cumpriu os preceitos da Convenção contra a Tortura ao integrar seus princípios à legislação do Vaticano. Por exercer soberania apenas sobre a cidade-estado, ele alegou que a Igreja Católica não pode ser culpada pela falta de punição legal aos padres.
"A Santa Sé deseja reiterar que as pessoas que vivem em um país estão sob a jurisdição das autoridades desse país e submetidas as suas leis nacionais. A Santa Sé, como membro da comunidade internacional, está relacionada, mas é uma entidade separada e distinta do território da Cidade do Vaticano, sobre a qual exerce soberania", sustentou.
O argumento, no entanto, foi rejeitado pela relatora do comitê, Felice Gaer. Ela comparou os religiosos aos diplomatas e, por isso, eles deveriam ser punidos pela Santa Sé. "A convenção [contra a tortura] deve se aplicada a todos os funcionários de um Estado, inclusive aos que estão no exterior, onde quer que se encontrem."
Para ela, a tentativa da Santa Sé de colocar a responsabilidade legal circunscrita apenas ao Vaticano causa preocupação e é questionável. "Nunca antes vimos uma tentativa de ratificar uma convenção só para uma parte de si mesmo, como se (o Vaticano) fosse uma província de um Estado (a Santa Sé)", criticou.
LIMPEZA – O representante do Vaticano reconheceu que a Igreja Católica "deve fazer uma limpeza na própria casa" e disse que a Santa Sé já registrou um declínio nos casos de pedofilia feitos por padres como uma resposta às medidas adotadas nos últimos dez anos. "Há resultados positivos e continuaremos nesta direção", assegurou.
No entanto, não deu números sobre essa redução. Vários grupos de defesa de vítimas e ONGs consideram que o Vaticano minimiza os abusos sexuais cometidos por padres e tenta esconder a realidade, destruir as provas, intimidar testemunhas, ao invés de destituir os responsáveis e levá-los à Justiça.
Em março, a Comissão de Direitos da Criança acusou a Santa Sé de não fazer o suficiente para conter os casos de abuso sexual cometidos por padres. Em abril, o papa Francisco nomeou uma comissão de especialistas para proteger o direito das crianças.
No último sábado (3), o grupo informou que deseja instaurar "procedimentos eficazes" na Igreja para que os padres pedófilos sejam punidos, mas não propôs medidas jurídicas vinculantes. No mês passado, Francisco pediu "perdão" em abril pelos crimes pedófilos e exigiu punições "severas".