Há 104 anos a primeira expedição de Tibagi ao Norte do Paraná
Uma região completamente esquecida durante muitos séculos, o Norte/Noroeste do Paraná passou a ter interesse da administração pública apenas quando se intensificaram as ameaças de invasões por parte do Paraguai, no início do século 20. As explorações com interesses de colonização e catequização dos padres Jesuítas no século 16 – sob o comando do padre Antonio Ruiz de Montoya, entre 1610 e 1642 – foram deixadas de lado e priorizadas outras regiões, que ofereciam retorno mais imediato tanto à Coroa como, depois, aos Governos Republicanos. Estes iniciaram a organização da ocupação do território no início dos anos 1900, projetando a construção de caminhos ligando o Paraná e o Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul), a partir de São Paulo. O reconhecimento foi iniciativa do próprio Governo Federal, através de suas forças ou de empresas concessionárias contratadas com pagamento feito em permuta por terras, como relatam historiadores paranaenses.
Em 1910 foi organizada a primeira expedição para reconhecimento do interior do município de Tibagi, ao qual pertencia o território do Norte/Noroeste do Paraná, inclusive Paranavaí. Para este trabalho a empreiteira Colle, Weiss & Cia, contratou os serviços de Edmundo Alberto Mercer (1º/08/1878-1º/08/1938), que tinha reconhecida habilidade e conhecimentos técnicos na exploração de áreas inabitadas para medi-las e demarcá-las. A área do município de Tibagi estendia-se até o Noroeste do Paraná, da qual faz parte Paranavaí. O município de Tibagi foi criado em 18 de março de 1872 pela Lei Provincial 302 e a posse do primeiro prefeito, Antonio Barbosa de Macedo, ocorreu somente em 10 de janeiro de 1873.
Sob o comando de Edmundo Alberto Mercer, conhecido por Toca Mercer, saiu de Tibagi a primeira expedição com 30 homens para reconhecimento do município.
Muitas cidades do Paraná têm ruas com o nome de Toca Mercer, agrimensor de Tibagi que marcou a história da região com várias ações, entre elas, a expedição para reconhecimento de terras que hoje formam cidades. Em Tibagi, Edmundo Mercer é o nome da praça principal, onde está a Igreja Matriz, em frente ao Palácio do Diamante, local que também é espaço para a maior festa do município: o Carnaval.
O cidadão tibagiano foi comerciante, produtor rural e na vida política desempenhou papel de vereador, prefeito e deputado estadual. Foi ele, inclusive, quem apresentou a proposta aprovada para criação do Distrito Judiciário de Montoya, no vilarejo que foi a primeira célula do atual município de Paranavaí, em 1929. Mas foi por sua habilidade e conhecimentos técnicos na exploração de áreas inabitadas para medi-las e demarcá-las que Toca Mercer dirigiu, há exatamente 100 anos, uma diligência pelo interior do Estado.
Com base em documentos e fotos do acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior, e no livro escrito por seu outro filho, Luiz Leopoldo Mercer (Edmundo Alberto Mercer/Toca Mercer, um livro para nós, 1978), o diretor do Museu, Nery Aparecido Assunção, em parceria com Emanoelle Wisnievski, relata que a viagem iniciou em 10 de abril de 1910. “A expedição seguiu por sertões desconhecidos do Paraná, sob encomenda da empresa Colle, Weiss & Cia, para construção de estrada entre o Paraná e o Mato Grosso, a Estrada Boiadeira”, relata. Partiram rumo ao Rio do Peixe ou Ubazinho, no Rio Ivaí, onde Toca começou os primeiros estudos técnicos.
Naquele início de século, Edmundo Alberto Mercer percorreu durante dois anos as picadas em meio ao mato para efetuar o levantamento e exploração da região. Foi a primeira penetração e reconhecimento das terras do Vale do Ivaí-Piquiri até às barrancas do Rio Paraná. Com breves retornos à sua cidade, Toca enfrentou o trabalho até junho de 1912. “A seu serviço foram destemidos sertanejos tibagianos, como João Rodrigues Betim (João Páscoa), Eutício Maria Pardo, João Justino dos Santos, Justino Pontes (Aguateiro), Félix das Dores Lopes (Nhô Félix, cozinheiro), José Lacerda, Salvador Lemes, Amador Delgado e Francisco Caetano Pinto (correio). Dessa comitiva só não regressou Amador Delgado, que morreu no sertão vítima de febre”, relata Nery.
A profissão de agrimensor, que na época ainda não era registrada, surgiu com ensinamentos práticos recebidos de seu tio Frederick Mercer e amigos estrangeiros. No livro sobre a história de Toca, seu filho declara que o pai estudava de forma autodidata e tinha muito conhecimento também em medicina e farmacologia. Durante a expedição, são várias as cartas escritas pelo desbravador, que receitam remédios à sua filha adoentada. Em 16 de abril de 1910, já acampado próximo ao Salto das Ariranhas, no Rio Ivaí, “e preocupado com a saúde e a vida escolar dos filhos deixados em Tibagi, enviou por carta receita de um tônico ferruginoso para ser aviada na farmácia, por seu irmão Leopoldo, e ministrado às filhas com a recomendação de que fossem assíduas às aulas”, o que era reiterado em todas as cartas que escrevia.
Durante o trajeto, que tinha o comando de Santiago Colle, “Cavaliere Ufficiale d’Italia”, titular da firma concessionária e amigo pessoal de Toca, acabou recebendo dele a missão de coordenar a trilha. “Em 1º de maio assumiu o controle total da turma do serviço, no Km 7, rumo a Campo Mourão”, indica o historiador Nery. “Ele escrevia de todos os acampamentos cartas cheias de notícias e portadoras de mensagens de amor e saudades”, acrescenta.
Na narrativa do livro sobre Toca Mercer, a página 59 traz a notícia mais triste sobre a excursão. “A 20 de novembro faleceu em Tibagi, vítima de erisipela, sua mais nova filha Yolanda, fato que o obrigou a voltar à cidade e que o deixou muito abalado, regressando ao serviço com muita mágoa”.
Afeito à caça, acompanhado dos cães ‘Buque’ e ‘Brejeiro’, e espingarda que pertencera a seu pai, em 29 de junho Toca diz ter vivido sua grande aventura no mato. “Sinto não ser literato para contar com realidade e as cores devidas a minha primeira aventura no mato; mas, sem o ser, vou experimentar fazê-lo…”, escreveu, detalhando a caça do que disser ser um ‘tigre’, provavelmente jaguatirica típica da região.
Edmundo ainda reproduz nas cartas uma viagem a cavalo para Foz do Iguaçu, Mato Grosso, Paraguai e Argentina. “As terras são inferiores e a conclusão é lógica, pois em clima quente como esse, abundante em águas e chuvas, a floresta sendo enfezada é porque a terra não é boa… Toda a mata que atravessamos é de terra vermelha sem um grão de areia”, escreveu.
Leopoldo indica que, “finalmente, a 1º de junho de 1912, depois de dois anos de trabalho e de sofrimento físico e moral, com muita alegria e admirável precisão, Toca chegou à barranca do Rio Paraná, sua meta, de onde escreveu jubilosa carta comunicando seu encontro com os índios caiuás, semicivilizados, com quem arranjou canoa para seu uso naquele rio”.
A experiência da expedição pelos sertões do Paraná firmaram em Toca Mercer o espírito socialista. Retornou ao Sul e foi viver em Ponta Grossa com sua família. Tornou-se por fim jornalista no Diário dos Campos, colunista sob o pseudônimo ‘um Paranaense’, onde denunciava invasões de propriedades e a ‘escravidão branca’, por indústrias madeireiras. Também foi colunista do Diário da Tarde em Curitiba e do jornal A República.
Assumiu cadeira no Congresso Legislativo do Paraná em 1929, onde representava a região como deputado de Castro, Tibagi e Ponta Grossa. “Na falta de advogados do Foro da Comarca de Tiabagi, era comum Toca ser nomeado como Juiz de Direito defensor dos réus ali processados”, diz seu filho, Leopoldo. Edmundo Toca Mercer nasceu em 1º de outubro de 1878 na Fazenda Santo Antonio, elaborou o mapa de Tibagi, peça do Museu, e morreu em 3 de outubro de 1938, em colapso cardíaco dentro de sua casa.
O fotógrafo Christian Camargo conta que a morte de seu tio-bisavô, Amador Delgado, durante a expedição, está relacionada ao nome da cidade de Cruzeiro do Oeste. “Meu pai diz que quando o tio morreu, uma cruz de cedro foi colocada no local. Com o tempo, a madeira brotou e um cedro cresceu em forma de cruz, o que teria dado origem ao nome do município”, relembra. No site da Prefeitura de Cruzeiro do Oeste, no Noroeste do Estado, a versão histórica é descrita. “Há também a versão do desembargador Edmundo Mercer Júnior, em que a origem do nome Cruzeiro do Oeste estaria ligada ao fato de existir neste local uma cruz, onde fora enterrado um dos picadeiros que acompanhava a expedição que viera para demarcar a Estrada Boiadeira, chefiada por seu pai, Edmundo Mercer”, narra o texto de apresentação na página virtual www.cruzeirodooeste.pr.gov.br
Em 1910 foi organizada a primeira expedição para reconhecimento do interior do município de Tibagi, ao qual pertencia o território do Norte/Noroeste do Paraná, inclusive Paranavaí. Para este trabalho a empreiteira Colle, Weiss & Cia, contratou os serviços de Edmundo Alberto Mercer (1º/08/1878-1º/08/1938), que tinha reconhecida habilidade e conhecimentos técnicos na exploração de áreas inabitadas para medi-las e demarcá-las. A área do município de Tibagi estendia-se até o Noroeste do Paraná, da qual faz parte Paranavaí. O município de Tibagi foi criado em 18 de março de 1872 pela Lei Provincial 302 e a posse do primeiro prefeito, Antonio Barbosa de Macedo, ocorreu somente em 10 de janeiro de 1873.
Sob o comando de Edmundo Alberto Mercer, conhecido por Toca Mercer, saiu de Tibagi a primeira expedição com 30 homens para reconhecimento do município.
Muitas cidades do Paraná têm ruas com o nome de Toca Mercer, agrimensor de Tibagi que marcou a história da região com várias ações, entre elas, a expedição para reconhecimento de terras que hoje formam cidades. Em Tibagi, Edmundo Mercer é o nome da praça principal, onde está a Igreja Matriz, em frente ao Palácio do Diamante, local que também é espaço para a maior festa do município: o Carnaval.
O cidadão tibagiano foi comerciante, produtor rural e na vida política desempenhou papel de vereador, prefeito e deputado estadual. Foi ele, inclusive, quem apresentou a proposta aprovada para criação do Distrito Judiciário de Montoya, no vilarejo que foi a primeira célula do atual município de Paranavaí, em 1929. Mas foi por sua habilidade e conhecimentos técnicos na exploração de áreas inabitadas para medi-las e demarcá-las que Toca Mercer dirigiu, há exatamente 100 anos, uma diligência pelo interior do Estado.
Com base em documentos e fotos do acervo do Museu Histórico Desembargador Edmundo Mercer Júnior, e no livro escrito por seu outro filho, Luiz Leopoldo Mercer (Edmundo Alberto Mercer/Toca Mercer, um livro para nós, 1978), o diretor do Museu, Nery Aparecido Assunção, em parceria com Emanoelle Wisnievski, relata que a viagem iniciou em 10 de abril de 1910. “A expedição seguiu por sertões desconhecidos do Paraná, sob encomenda da empresa Colle, Weiss & Cia, para construção de estrada entre o Paraná e o Mato Grosso, a Estrada Boiadeira”, relata. Partiram rumo ao Rio do Peixe ou Ubazinho, no Rio Ivaí, onde Toca começou os primeiros estudos técnicos.
Naquele início de século, Edmundo Alberto Mercer percorreu durante dois anos as picadas em meio ao mato para efetuar o levantamento e exploração da região. Foi a primeira penetração e reconhecimento das terras do Vale do Ivaí-Piquiri até às barrancas do Rio Paraná. Com breves retornos à sua cidade, Toca enfrentou o trabalho até junho de 1912. “A seu serviço foram destemidos sertanejos tibagianos, como João Rodrigues Betim (João Páscoa), Eutício Maria Pardo, João Justino dos Santos, Justino Pontes (Aguateiro), Félix das Dores Lopes (Nhô Félix, cozinheiro), José Lacerda, Salvador Lemes, Amador Delgado e Francisco Caetano Pinto (correio). Dessa comitiva só não regressou Amador Delgado, que morreu no sertão vítima de febre”, relata Nery.
A profissão de agrimensor, que na época ainda não era registrada, surgiu com ensinamentos práticos recebidos de seu tio Frederick Mercer e amigos estrangeiros. No livro sobre a história de Toca, seu filho declara que o pai estudava de forma autodidata e tinha muito conhecimento também em medicina e farmacologia. Durante a expedição, são várias as cartas escritas pelo desbravador, que receitam remédios à sua filha adoentada. Em 16 de abril de 1910, já acampado próximo ao Salto das Ariranhas, no Rio Ivaí, “e preocupado com a saúde e a vida escolar dos filhos deixados em Tibagi, enviou por carta receita de um tônico ferruginoso para ser aviada na farmácia, por seu irmão Leopoldo, e ministrado às filhas com a recomendação de que fossem assíduas às aulas”, o que era reiterado em todas as cartas que escrevia.
Durante o trajeto, que tinha o comando de Santiago Colle, “Cavaliere Ufficiale d’Italia”, titular da firma concessionária e amigo pessoal de Toca, acabou recebendo dele a missão de coordenar a trilha. “Em 1º de maio assumiu o controle total da turma do serviço, no Km 7, rumo a Campo Mourão”, indica o historiador Nery. “Ele escrevia de todos os acampamentos cartas cheias de notícias e portadoras de mensagens de amor e saudades”, acrescenta.
Na narrativa do livro sobre Toca Mercer, a página 59 traz a notícia mais triste sobre a excursão. “A 20 de novembro faleceu em Tibagi, vítima de erisipela, sua mais nova filha Yolanda, fato que o obrigou a voltar à cidade e que o deixou muito abalado, regressando ao serviço com muita mágoa”.
Afeito à caça, acompanhado dos cães ‘Buque’ e ‘Brejeiro’, e espingarda que pertencera a seu pai, em 29 de junho Toca diz ter vivido sua grande aventura no mato. “Sinto não ser literato para contar com realidade e as cores devidas a minha primeira aventura no mato; mas, sem o ser, vou experimentar fazê-lo…”, escreveu, detalhando a caça do que disser ser um ‘tigre’, provavelmente jaguatirica típica da região.
Edmundo ainda reproduz nas cartas uma viagem a cavalo para Foz do Iguaçu, Mato Grosso, Paraguai e Argentina. “As terras são inferiores e a conclusão é lógica, pois em clima quente como esse, abundante em águas e chuvas, a floresta sendo enfezada é porque a terra não é boa… Toda a mata que atravessamos é de terra vermelha sem um grão de areia”, escreveu.
Leopoldo indica que, “finalmente, a 1º de junho de 1912, depois de dois anos de trabalho e de sofrimento físico e moral, com muita alegria e admirável precisão, Toca chegou à barranca do Rio Paraná, sua meta, de onde escreveu jubilosa carta comunicando seu encontro com os índios caiuás, semicivilizados, com quem arranjou canoa para seu uso naquele rio”.
A experiência da expedição pelos sertões do Paraná firmaram em Toca Mercer o espírito socialista. Retornou ao Sul e foi viver em Ponta Grossa com sua família. Tornou-se por fim jornalista no Diário dos Campos, colunista sob o pseudônimo ‘um Paranaense’, onde denunciava invasões de propriedades e a ‘escravidão branca’, por indústrias madeireiras. Também foi colunista do Diário da Tarde em Curitiba e do jornal A República.
Assumiu cadeira no Congresso Legislativo do Paraná em 1929, onde representava a região como deputado de Castro, Tibagi e Ponta Grossa. “Na falta de advogados do Foro da Comarca de Tiabagi, era comum Toca ser nomeado como Juiz de Direito defensor dos réus ali processados”, diz seu filho, Leopoldo. Edmundo Toca Mercer nasceu em 1º de outubro de 1878 na Fazenda Santo Antonio, elaborou o mapa de Tibagi, peça do Museu, e morreu em 3 de outubro de 1938, em colapso cardíaco dentro de sua casa.
O fotógrafo Christian Camargo conta que a morte de seu tio-bisavô, Amador Delgado, durante a expedição, está relacionada ao nome da cidade de Cruzeiro do Oeste. “Meu pai diz que quando o tio morreu, uma cruz de cedro foi colocada no local. Com o tempo, a madeira brotou e um cedro cresceu em forma de cruz, o que teria dado origem ao nome do município”, relembra. No site da Prefeitura de Cruzeiro do Oeste, no Noroeste do Estado, a versão histórica é descrita. “Há também a versão do desembargador Edmundo Mercer Júnior, em que a origem do nome Cruzeiro do Oeste estaria ligada ao fato de existir neste local uma cruz, onde fora enterrado um dos picadeiros que acompanhava a expedição que viera para demarcar a Estrada Boiadeira, chefiada por seu pai, Edmundo Mercer”, narra o texto de apresentação na página virtual www.cruzeirodooeste.pr.gov.br