Feminicídio é crime de ódio, não de amor, alerta promotora de SP
SÃO PAULO – As mortes qualificadas como feminicídio em São Paulo aumentaram 12,9% em 2018 na comparação com o ano anterior, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo.
Foram registrados 148 assassinatos no ano passado e 131 em 2017. O homicídio qualificado como feminicídio foi definido pela Lei nº 13.104 de 2015, que estabelece penas maiores para os casos em que o assassinato é motivado pelo fato da vítima ser mulher.
O feminicídio corresponde a 27% do total de homicídios dolosos de mulheres no estado de São Paulo, que somaram 548 casos em 2018. Desde que a lei foi instituída, a morte de mulheres por feminicídio tem aumentado.
Para a promotora Valéria Scarance, que coordena o Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), embora seja negativo o aumento da morte de mulheres, o enquadramento dessas mortes como feminicídio é um dado positivo, pois demonstra que a lei vem sendo incorporada pelos órgãos públicos.
“Nesse contexto de morte violenta de mulheres, o número de fatos enquadrados como feminicídio também aumentou. Ou seja, o número de mortes é um número absoluto, mas o número de feminicídio é variável porque depende da interpretação que se dá no momento de registro da ocorrência. Aumentar esses números é um aspecto positivo e que revela envolvimento e conscientização por parte das autoridades”, avaliou a promotora.
De acordo com o Anuário de Segurança de 2018, com dados de 2017, as mortes de mulheres vítimas de violência cresceram 5,9%. Antes da qualificação do homicídio em situação de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher, não era possível sistematizar esses dados.
“Isso é muito importante para possibilitar a criação de políticas públicas e medidas de prevenção”, afirmou a defensora pública Paula Sant’Anna Machado, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres.
Segundo a promotora Valéri Scarance, a informação gerada a partir da lei promove avanços importantes para enfrentar o problema. “Muitas pessoas nem sequer sabiam o que era feminicídio. Era uma categoria desconhecida no Brasil e ainda pairava a ideia de que era violência entre marido e mulher, que não justificava essa lei. Depois de três anos, não se discute mais a necessidade dela. A população conhece a lei, e as vítimas sabem o que é o sistema de Justiça também”, argumentou a promotora.
RAIO-X – A pesquisa Raio-X do Feminicídio, elaborada pelo Núcleo de Gênero do MP-SP, com base nas denúncias oferecidas pelo órgão entre março de 2016 e 2017, traça um perfil dos casos ocorridos no estado. Dos 364 casos analisados, em 66% deles, o ataque ocorreu dentro da casa da mulher e mais de 8% dos casos estavam relacionados à rotina da vítima, como local de trabalho ou o caminho percorrido.
“O feminicida pratica os crimes se prevalecendo do fato de que ele conhece a rotina da mulher e encurrala as mulheres em lugares em que a defesa é mais difícil. Esse é o padrão”, disse a promotora.
AMOR? – A promotora Valéria Scarence disse que, a partir dos dados do MP-SP, o feminicídio se mostra muito mais como atos de ódio do que de amor. Ainda é comum que se referiam a esses casos como “crime passional”. “O que motiva esses homens não é um sentimento de amor, mas de propriedade e um ódio por terem sido abandonados ou contrariados”, criticou.
A pesquisa mostra que os feminicidas usam dois ou mais instrumentos para a prática do crime, sendo que 60% utilizam arma branca (faca, facão, foice).
“Eles praticam o crime com muito ódio, com muita raiva, então, porque nós dizemos que são atos de extermínio, porque há repetição de golpes, não é simplesmente uma morte, é uma morte com dor”, afirmou a promotora. Ela cita casos em que as mulheres são mortas com dezenas de facadas, queimadas ou asfixiadas. “Em regra, é o machismo que determina a morte dessas mulheres e a conduta desses homens”, avaliou.