A geada de 1975 e a desocupação em colombo
Quinze dias passados, a polícia cumpriu ordem judicial e retirou centenas de famílias que haviam ocupado terreno em fundo de vale, no Parque do Lago, em Colombo. As que não se valeram de casas de parentes, a maioria, foram abrigadas em ginásio de esporte naquele município paranaense.
Mas o que tem a geada de 17 de julho de 1975 com a retirada daquela gente que agora vagueia sem rumo?
Tem muito a ver. Mas muito mesmo.
Até 1970, a macrorregião do Noroeste do Paraná compreendida pelos municípios polarizados pelas cidades de Paranavaí, Umuarama, Maringá e Campo Mourão, abrigava 3.560.065 milhões de pessoas, representando 51,3 por cento de toda a população paranaense que era de 6.936.743 habitantes. (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística).
O Noroeste paranaense teve sua colonização iniciada na década de 30, século passado, e a cafeicultura, permeada por uma penca de intercalares – feijão, milho, mamona, amendoim, além de melancia, abóbora, mais frutíferas como laranja, limão, abacate, transformaram-no em Eldorado para o qual afluíram migrantes de quase todos os outros estados do Brasil.
Colonizadores, donos de glebas ou grilos, eram celebrados e endeusados pelo esparrame de cidades nascidas da noite para o dia nas cristas dos terrenos.
O desmatamento necessário ao povoamento era seguido do loteamento rural traçado verticalmente, partindo do dorso dos sítios em direção aos talvegues, onde corriam as aguadas.
Matas virgens alimentavam dezenas de serrarias e as clareiras abertas deram lugar a extensos cafezais, uma cultura que aceitava a convivência com outros plantios, como o do feijão, do milho, da mamona, do arroz de sequeiro, do algodão, da melancia, da batata-doce, da mandioca, do amendoim, do algodão, do arroz. Nas entre ruas se plantava também laranjeiras, limoeiros, abacateiros, goiabeiras e abacaxizeiros.
Em 1970, a macrorregião do Noroeste do Paraná, composta por 130 municípios polarizados pelas cidades-sedes de Paranavaí, Umuarama, Maringá e Campo Mourão, abrigava 51% de toda a população do Estado do Paraná.
Mas o enfraquecimento do solo provocado pela erosão – laminar, eólica e de sulcos, mais o surgimento de pragas como a broca do café – o nematoide, que exigiram o aumento do custeio por causa da necessidade da aplicação de agrotóxicos e de adubos – a chamada guerra química, seguidas do confisco cambial imposto pelo governo da Ditadura – de cada 3 sacas colhidas, uma era arrebanhada pela milicagem, desestimulavam os cafeicultores.
Queiram ou não, a caderneta de poupança e o programa de conjuntos habitacionais contribuíram para o abandono do campo e a busca da cidade.
Mas o golpe de misericórdia foi a geada negra de julho de 1975 que empobreceu toda aquela gente, da noite para o dia.
Ao ato da Natureza, a infelicidade maior. Ao contrário do estabelecimento duma política de revitalização da cafeicultura – revitalização do solo, linha de crédito para aquisição de mudas de qualidade e para custeio, se preferiu a solução menos laboriosa, a erradicação dos troncos secos dos cafeeiros.
Matou-se o doente ao contrário de tentar salvá-lo.
No corredor da década anterior à geada, era comum o cidadão vender o seu sítio onde cultivava alguns milhares de pés de café, tinha o seu pomarzinho, o seu chiqueirinho, o seu galinheiro, suas duas vaquinhas de leite, comprar casa popular na cidade e depositar o restante na tal caderneta que em pouco tempo era corroído pela inflação.
Não eram poucos os antes donos de roças que procuravam serviços braçais nas suas prefeituras ou se submetiam à prestação de trabalhos temporários, como diaristas, por exemplo.
Descapitalizados, rumaram para os cinturões das capitais, das grandes e médias cidades, os que não buscaram outros estados e até o vizinho Paraguai.
Em 2006, o IBGE nos mostra um quadro totalmente diferente ao de 1970. O Noroeste com apenas 1.223.222 almas – 8,38 por cento da população do Paraná que era de 10.261.856 moradores. Dos nossos 3.560.065 vizinhos de 1970, 2.336.843 nos deixaram para buscar vida melhor (?) nas cidades grandes ou nas suas regiões metropolitanas.
Assim, Iporã, microrregião de Umuarama, que tinha em 1970, cerca de 72.115 habitantes, viu sua população despencar para 16.445 em 2010; Maria Helena, na mesma região, abrigava 41.270 moradores que se reduziram a 6.384 nesse último censo. Mamborê, já na região de Campo Mourão, em 70, era habitada por 34.277. Hoje, pouco mais de 15 mil pessoas vivem naquele município. Por outro lado, no mesmo período, Almirante Tamandaré, RM de Curitiba, viu sua população saltar de 15.299 para 88.277 nestes 40 anos, sextuplicando esse seu índice. São José dos Pinhais saltou de 34.124 em 1970 para 204.316, também multiplicando por seis, a sua gente. Campo Mourão cresceu dos seus 34.405 para 80.476 moradores; Maringá de 121.374 subiu para 288.653.
Finalmente chegamos a Colombo, o derradeiro cenário de desocupação de área por força judicial/policial, que tinha 19.258 – 1.091 na cidade e 18.167 na área rural em 1970. Em 1980, a população colombense simplesmente triplicou, subindo para 62.882, números dobrados em 1990 – 117.767. Em 2010, o IBGE registrou em seu censo demográfico de 2010, 183.329 habitantes, dos quais 174.962 domiciliados na cidade e somente 8.367 na área rural.
O campo se mecaniza e se esvazia, as cidades crescem – ou incham (?). Se incham, os problemas sociais se avolumam, os prefeitos se veem doidos na obrigação da oferta dos serviços públicos: escolas, postos de saúde, creches, saneamento básico, e cadeias, muitas cadeias.
O que tem a ver a geada de 17 de julho de 1975 e a desocupação de centenas de famílias da beira dum rio em Colombo?
Pergunta feita. Resposta dada. A maioria das pessoas, sem eira nem beira, são filhos ou netos das famílias que optaram deixar a miséria relativa na roça para viver a miséria absoluta da cidade, conforme escreveu o saudoso economista Joelmir Beting em 1983, em artigo abordando justamente os efeitos do êxodo rural.
“Meu filho dormiu num saco de lixo”, disse uma neta da geada negra de 1975.
*Parreiras Rodrigues, jornalista e ambientalista. Pesquisador do cultivo do coco no Noroeste paranaense
Mas o que tem a geada de 17 de julho de 1975 com a retirada daquela gente que agora vagueia sem rumo?
Tem muito a ver. Mas muito mesmo.
Até 1970, a macrorregião do Noroeste do Paraná compreendida pelos municípios polarizados pelas cidades de Paranavaí, Umuarama, Maringá e Campo Mourão, abrigava 3.560.065 milhões de pessoas, representando 51,3 por cento de toda a população paranaense que era de 6.936.743 habitantes. (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística).
O Noroeste paranaense teve sua colonização iniciada na década de 30, século passado, e a cafeicultura, permeada por uma penca de intercalares – feijão, milho, mamona, amendoim, além de melancia, abóbora, mais frutíferas como laranja, limão, abacate, transformaram-no em Eldorado para o qual afluíram migrantes de quase todos os outros estados do Brasil.
Colonizadores, donos de glebas ou grilos, eram celebrados e endeusados pelo esparrame de cidades nascidas da noite para o dia nas cristas dos terrenos.
O desmatamento necessário ao povoamento era seguido do loteamento rural traçado verticalmente, partindo do dorso dos sítios em direção aos talvegues, onde corriam as aguadas.
Matas virgens alimentavam dezenas de serrarias e as clareiras abertas deram lugar a extensos cafezais, uma cultura que aceitava a convivência com outros plantios, como o do feijão, do milho, da mamona, do arroz de sequeiro, do algodão, da melancia, da batata-doce, da mandioca, do amendoim, do algodão, do arroz. Nas entre ruas se plantava também laranjeiras, limoeiros, abacateiros, goiabeiras e abacaxizeiros.
Em 1970, a macrorregião do Noroeste do Paraná, composta por 130 municípios polarizados pelas cidades-sedes de Paranavaí, Umuarama, Maringá e Campo Mourão, abrigava 51% de toda a população do Estado do Paraná.
Mas o enfraquecimento do solo provocado pela erosão – laminar, eólica e de sulcos, mais o surgimento de pragas como a broca do café – o nematoide, que exigiram o aumento do custeio por causa da necessidade da aplicação de agrotóxicos e de adubos – a chamada guerra química, seguidas do confisco cambial imposto pelo governo da Ditadura – de cada 3 sacas colhidas, uma era arrebanhada pela milicagem, desestimulavam os cafeicultores.
Queiram ou não, a caderneta de poupança e o programa de conjuntos habitacionais contribuíram para o abandono do campo e a busca da cidade.
Mas o golpe de misericórdia foi a geada negra de julho de 1975 que empobreceu toda aquela gente, da noite para o dia.
Ao ato da Natureza, a infelicidade maior. Ao contrário do estabelecimento duma política de revitalização da cafeicultura – revitalização do solo, linha de crédito para aquisição de mudas de qualidade e para custeio, se preferiu a solução menos laboriosa, a erradicação dos troncos secos dos cafeeiros.
Matou-se o doente ao contrário de tentar salvá-lo.
No corredor da década anterior à geada, era comum o cidadão vender o seu sítio onde cultivava alguns milhares de pés de café, tinha o seu pomarzinho, o seu chiqueirinho, o seu galinheiro, suas duas vaquinhas de leite, comprar casa popular na cidade e depositar o restante na tal caderneta que em pouco tempo era corroído pela inflação.
Não eram poucos os antes donos de roças que procuravam serviços braçais nas suas prefeituras ou se submetiam à prestação de trabalhos temporários, como diaristas, por exemplo.
Descapitalizados, rumaram para os cinturões das capitais, das grandes e médias cidades, os que não buscaram outros estados e até o vizinho Paraguai.
Em 2006, o IBGE nos mostra um quadro totalmente diferente ao de 1970. O Noroeste com apenas 1.223.222 almas – 8,38 por cento da população do Paraná que era de 10.261.856 moradores. Dos nossos 3.560.065 vizinhos de 1970, 2.336.843 nos deixaram para buscar vida melhor (?) nas cidades grandes ou nas suas regiões metropolitanas.
Assim, Iporã, microrregião de Umuarama, que tinha em 1970, cerca de 72.115 habitantes, viu sua população despencar para 16.445 em 2010; Maria Helena, na mesma região, abrigava 41.270 moradores que se reduziram a 6.384 nesse último censo. Mamborê, já na região de Campo Mourão, em 70, era habitada por 34.277. Hoje, pouco mais de 15 mil pessoas vivem naquele município. Por outro lado, no mesmo período, Almirante Tamandaré, RM de Curitiba, viu sua população saltar de 15.299 para 88.277 nestes 40 anos, sextuplicando esse seu índice. São José dos Pinhais saltou de 34.124 em 1970 para 204.316, também multiplicando por seis, a sua gente. Campo Mourão cresceu dos seus 34.405 para 80.476 moradores; Maringá de 121.374 subiu para 288.653.
Finalmente chegamos a Colombo, o derradeiro cenário de desocupação de área por força judicial/policial, que tinha 19.258 – 1.091 na cidade e 18.167 na área rural em 1970. Em 1980, a população colombense simplesmente triplicou, subindo para 62.882, números dobrados em 1990 – 117.767. Em 2010, o IBGE registrou em seu censo demográfico de 2010, 183.329 habitantes, dos quais 174.962 domiciliados na cidade e somente 8.367 na área rural.
O campo se mecaniza e se esvazia, as cidades crescem – ou incham (?). Se incham, os problemas sociais se avolumam, os prefeitos se veem doidos na obrigação da oferta dos serviços públicos: escolas, postos de saúde, creches, saneamento básico, e cadeias, muitas cadeias.
O que tem a ver a geada de 17 de julho de 1975 e a desocupação de centenas de famílias da beira dum rio em Colombo?
Pergunta feita. Resposta dada. A maioria das pessoas, sem eira nem beira, são filhos ou netos das famílias que optaram deixar a miséria relativa na roça para viver a miséria absoluta da cidade, conforme escreveu o saudoso economista Joelmir Beting em 1983, em artigo abordando justamente os efeitos do êxodo rural.
“Meu filho dormiu num saco de lixo”, disse uma neta da geada negra de 1975.
*Parreiras Rodrigues, jornalista e ambientalista. Pesquisador do cultivo do coco no Noroeste paranaense