Para especialistas, sucessão de erros provocou tragédia
Para Valdir Pignatta e Silva, professor da Poli/USP e especialista em segurança contra incêndios, houve ali uma sucessão "absurda" de erros. Ele cita a falta de sinalização para a saída de emergência e o fato de haver apenas uma porta de acesso ao local. Também afirma que o teto da boate era feito de material inflamável.
O pesquisador da Coppe/UFRJ (Coordenação de Programas em Pós-Graduação em Engenharia) Moacir Duarte diz que as pessoas foram vítimas de uma "desorganização primária".
"Um vistoria simples, de menos de duas horas, feita por um bombeiro, bastaria para vetar o local para a realização de shows", disse. "Há uma cadeia enorme da falhas e responsabilidade".
Além das falhas na estrutura, Duarte cita ainda o problema da falta de rádios para a equipe de segurança.
Sem saber o que acontecia, seguranças na porta da boate pensaram inicialmente que o tumulto havia sido causado por uma briga e barraram as pessoas para que elas não deixassem o local sem pagar a conta. Enquanto isso, outros funcionários tentavam combater as chamas em outro local.
CULTURA – Pignatta e Silva, da Poli, afirma que as pessoas precisam criar um cultura de salvaguardar sua vida em situações como a encontrada no Rio Grande do Sul.
"Infelizmente, o fato de existir uma casa com capacidade para 2.000 pessoas, em um ambiente totalmente fechado, não deu um alerta na cabeça de ninguém. Ainda mais com objetos pirotécnicos no palco", afirma.
Segundo ele, em outros países do mundo, como na Inglaterra, as pessoas têm na memória incêndios que ocorreram no século 17. "Provavelmente, nem você, nem eu, teríamos nos preocupado com um incêndio, se tivéssemos naquela boate", diz.
Fumaça tóxica mata por asfixia em até dez minutos, diz especialista
Para que haja uma morte em decorrência de uma asfixia, como aconteceu na boate Kiss, em Santa Maria (307 km de Porto Alegre), são necessários pelo menos dez minutos de exposição à fumaça tóxica. A avaliação é do pneumologista Humberto Bogossian, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo.
De acordo com o profissional, em uma situação como a que houve em Santa Maria (RS), as vítimas ficam expostas a três fases de contaminação que, em conjunto, sem cuidados médicos, vão levar à morte.
"No primeiro momento, acontece uma lesão térmica no sistema respiratório provocada pelo calor no ambiente. A temperatura pode ficar tão elevada que a proteção que temos na narina fica perdida. Acontece uma queimadura de toda a mucosa respiratória. Será possível respirar, mas com dificuldade", disse o médico.
Bogossian explica que, com o tempo, a queimadura vai provocar um inchaço e o fechamento parcial do canal onde passa o ar.
"Quando isso acontece, muitas vezes, será necessário fazer uma ventilação mecânica preventiva. Entubar o paciente e medicá-lo para evitar a piora do quadro".
Conforme o médico, o segundo momento de risco na exposição à fumaça é a diminuição do nível de oxigênio no ar, o que irá provocar a falta do elemento no sangue e o início da morte de células no cérebro.
"A falta de oxigenação no sangue vai complicar o sistema nervoso e a parte cardiológica da vítima, que fica exposta até a uma parada cardíaca. Em princípio, o que acontece é uma dificuldade de respirar e o início de uma perda de consciência".
O terceiro momento da contaminação, segundo o pneumologista, é o contato com o monóxido de carbono, que vai afetar o transporte de oxigênio pelo corpo, afetando as hemácias (células do sangue).
"A somatória desses eventos e a situação de caos dentro da boate, que vai provocar mais consumo de oxigênio ainda, vão tornar difícil uma reação do organismo. A pessoa acaba morrendo".
O médico explicou que o tempo exato de resistência à fumaça depende das características de severidade do meio, mas avalia, pelas informações que teve da boate Kiss, que naquela situação as vítimas tiveram pelo menos dez minutos de resistência. (Folhapress)