Por que São Sebastião foi eleito Padroeiro de Paranavaí

O mártir São Sebastião, natural da França, foi eleito padroeiro e protetor de Paranavaí pela vontade natural da população, já no alvorecer da colonização da região. O santo já era reverenciado dessa forma muito antes da Paróquia de Paranavaí ser criada em 30 de novembro de 1949, desmembrada da Paróquia de Mandaguari por ato do bispo dom Geraldo de Proença Sigaud, da Diocese de Jacarezinho, à qual as igrejas da região Norte do Paraná eram jurisdicionadas. A Paróquia foi instalada dois anos depois, em 29 de agosto de 1951, e entregue à Ordem dos Carmelitas Descalços, com a posse do seu primeiro vigário da ordem, mas o terceiro pároco, o alemão frei Ulrico Goevert. O ato foi comemorado na Santa Missa de domingo, 2 de setembro de 1951, e oficializado pelo padre provincial dos Josefinos, em nome do bispo diocesano. Nesse tempo a cidade tinha 1.874 habitantes, mas o total do município era de 25.520 habitantes (92,7% viviam na zona rural).
Desde o início do século XX tinham-se notícias da plantação de cafezais e, portanto, havia habitantes pouco identificados na região onde se situa hoje Paranavaí. A partir de 1926, entretanto, já havia comunidade organizada na Gleba que pertencia à Comarca de Tibagi. Em 1929 foi criado o Distrito na Vila  Montoya, Gleba Pirapó, depois Fazenda Brasileira e finalmente Paranavaí. Como era característica da época, a densidade populacional da região teve  altos e baixos, picos de crescimento e quase extinção. Não bastassem as invasões perpetradas por quadrilheiros, que condenavam e executavam sumariamente os colonos, ainda havia as epidemias: tifo, febre amarela, leichmaniose (também chamada “úlcera de Bauru” ou calabar), que dizimavam a população, doenças comuns a animais como porcos, cães e humanos, contagiados por “mosquitos palha” ou “mosquitos birigui”.
Tais epidemias levavam a população a aprofundar-se na sua fé religiosa e nas crendices populares, apegando-se aos santos e aos deuses das suas crenças. População eminentemente católica, apegou-se ao santo protetor contra as pestes, a fome e às guerras: São Sebastião. Assim, quando instalada a Paróquia, a crença em São Sebastião já estava instalada entre a população local há muito tempo, ainda perdurando e festejada com fé em Paranavaí.
Ao longo do tempo Paranavaí viveu e sofreu toda sorte de acontecimentos que caracterizam a história da colonização e do pioneirismo. Foram marcantes o êxodo de 1929 e as epidemias, mormente a de 1944. Em todas elas a população pedia a proteção de Deus, Jesus Cristo e a Virgem Maria, bem como a proteção do padroeiro contra a peste, fome e guerra, São Sebastião.
Ao longo do tempo o Diário do Noroeste tem publicado entrevistas com pioneiros de Paranavaí. Numa dessas entrevistas, publicada em 14/12/1977, o pioneiro João da Silva Franco relatou o grande surto de Leichmaniose ou “úlcera de Bauru”, ou “calabar”, que quase dizimou o povoado em 1945. João da Silva Franco veio para Paranavaí em 1944 e dizia no seu relato publicado naquela edição: “Aqui não havia médico nem farmácia. Era uma ilha isolada na mata virgem. A ferida era uma epidemia. Mandaram fazer um levantamento das pessoas feridentas para levar a Curitiba. No primeiro caminhão saíram noventa e tantas. Muitos morreram por lá, outras voltaram. Eu resisti – disse – lavava as feridas com água de peroba, água de guaiçara e fui melhorando. Mas chegaram a ameaçar. Quem não quisesse ir para Curitiba seria despejado daqui para fora. Fiquei porque não tinha com quem deixar a mulher e os filhos”.
A região foi assolada também pela varíola, no ano anterior, como lembrava em outra entrevista o administrador da Companhia de Terras, Hugo Doubeck, que havia se instalado aqui para colonizar a Fazenda Brasileira. Doubeck era marceneiro, mas nos cinco anos em que aqui permaneceu, acabou se tornando administrador, conselheiro, médico, farmacêutico, enfim, fez de tudo, porque aqui não havia quase nada. Doubeck relata que o primeiro morto por varíola foi levado para Londrina, porque aqui não havia cemitério. Recebeu uma reprimenda, porque a doença era temida, devido à possibilidade de contaminação. O delegado de Londrina, Aquiles Pimpão, mandou enterrar o corpo e determinou que fosse feito um cemitério para que os mortos fossem enterrados aqui mesmo. As constantes epidemias levaram o Governo a enviar ajuda para a Fazenda Brasileira: o enfermeiro Eurico Hummig era guarda-sanitário em Curitiba, depois o médico Pedro Vicentine, que pediu demissão e foi substituído pelo médico Aguilar Arantes. Hugo Doubeck contava em seu depoimento que a epidemia de Leichmaniose ou “úlcera de Bauru” matou muita gente e deixou muita gente marcada para o resto da vida: homem, mulher, criança…Muitos ficaram com as orelhas e os narizes deformados. Todos os dias eles atendiam “mais de 50 pessoas, e o médico foi experimentando os remédios que havia, até o tratamento começar a dar resultado”, relatava Doubeck.
Quando foi construída a primeira capela, São Sebastião já era muito popular por aqui, mercê das epidemias, das mortes motivadas pela disputa de terras, pelas crises econômicas, como a de 1929, pela inconstância da colonização, ora nas mãos de empresas particulares, ora nas mãos do Governo, e pela guerra mundial, dos anos 1939-1945. O santo foi adotado como protetor da população da Fazenda Brasileira com naturalidade e ficou.
No livro “História e Memórias de Paranavaí”, cujo resumo foi publicado no Diário do Noroeste de 14/12/2002, frei Ulrico Goevert, que foi o terceiro pároco, conta que, quando chegou, os pioneiros já professavam a fé cristã, já veneravam São Sebastião como padroeiro, mas não tinham a coordenação sacerdotal antes de 1944, apesar das insistências junto às autoridades eclesiásticas. Somente em 14 de agosto de 1944 foi rezada a primeira missa, pelo padre palotino de origem alemã, Carlos Propst, que era vigário em Mandaguari. Pouco mais de um mês depois – em 17 de setembro de 1944 – veio designado o padre João Guerra, que se tornou carmelita descalço, que rezava missa a cada 15 ou 20 dias, e encabeçou a construção da primeira capela. Reunidos os fiéis, foi fincado o Cruzeiro na esquina das atuais Avenida Distrito Federal e Rua Paraíba. Em entrevista com José Ferreira de Araújo, o Palhacinho, republicada no Diário do Noroeste de 14/12/2002, ele relatava: “Fizemos o primeiro leilão da Igreja Católica na Fazenda Brasileira. Ganhamos a madeira do José Ebiner. O José Tereziano Barros, com o Nenê, fez a construção. Era pequena, que mal cabia o padre e um ou dois santos”. A capela foi inaugurada com a Santa Missa de Natal em 1944, com os cânticos em alemão, dos catarinenses recém-chegados. Logo concluíram que seria melhor a escolha de um local mais alto e a próxima construção se deu em frente à atual Igreja Matriz de São Sebastião, demolida na década de 60, depois da construção da Igreja maior, na Rua Antonio Felippe, também demolida após a construção da atual Matriz, e que deu lugar ao Centro Catequético. Já com a atual denominação, Paranavaí recebeu o primeiro padre vigário nomeado oficialmente em definitivo: Joaquim Loureiro foi pároco de 1949 a 1951, substituído por Carlos Ferrer em 1951 e frei Ulrico Goevert, entre 1951 e 1965, responsável pela construção da atual Igreja Matriz, ao lado de Frei Alberto Foerst, que depois foi promovido a bispo da Diocese de Dourados (Mato Grosso do Sul) e ao se aposentar em 2 de fevereiro de 2009, voltou para a sua terra natal, na Alemanha.
(*SAUL BOGONI, jornalista, professor, mestre em Letras/UEM)