Incluir trabalho doméstico no cálculo do PIB acaba com invisibilidade de certas atividades

BRASÍLIA – Lavar, passar, fazer comida, cuidar da casa, levar as crianças para escola e todos os detalhes diários da manutenção de uma estrutura familiar valem, em média, R$ 1,5 mil por mês, segundo três pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF). Eles concluem também que, em média, as mulheres ocupam em afazeres domésticos o dobro do tempo que os homens gastam com as mesmas tarefas.
Com base no estudo de 2001 a 2010, os professores defendem que essas atividades classificadas de “trabalho não remunerado e de invisibilidade” sejam incluídas no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. O PIB é a soma de todos os bens e serviços produzidos na economia de uma nação.
A proposta dos professores do Departamento de Economia da UFF Hildete Pereira de Melo, Claudio Monteiro Considera e Alberto Di Sabbato esbarra, porém, em resistências da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo os pesquisadores, se os afazeres forem contabilizados, revelarão o tamanho dos serviços criados pela mão de obra não remunerada. Para chegar ao valor de R$ 1,5 mil, os professores consideraram o gasto médio com a remuneração da empregada doméstica.
A conclusão dos pesquisadores, que fazem o estudo desde 2001, é que no Brasil os afazeres domésticos correspondem a cerca de 12,76% do PIB. Em 2004, por exemplo, representaram R$ 225,4 bilhões. Desse total, 82% (cerca de R$ 185 bilhões) foram gerados pelas atividades desempenhadas por mulheres.
“No mundo inteiro estão sendo feitos esses cálculos para ressaltar [o peso das atividades não remuneradas na economia]. A ideia é que, ao não se contar no PIB, esses afazeres são desvalorizados pela sociedade. Lembro que é dito que uma mulher que trabalha em casa não trabalha”, disse à Agência Brasil Claudio Considera.
Hildete Pereira de Melo, que é coordenadora de Programas de Educação e Cultura da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, defende que a inclusão dos gastos de atividades não remuneradas no cálculo do PIB contribuirá para acabar com a “invisibilidade do trabalho doméstico”.
“A iniciativa mudaria a percepção da mulher na sociedade. Não é por nada que a sociedade ignora esse tipo de trabalho. Há um certo obscurantismo nessas tarefas. Milenarmente isso ocorre. Mensurar esses gastos é mudar a percepção, é empoderar as mulheres em relação ao trabalho não remunerado”, disse Hildete Melo.
Claudio Considera e Hildete Melo ressaltam que, ao não avaliar as atividades domésticas das pessoas, reforça-se no país o conceito de “invisibilidade” que caracteriza esses afazeres e a “inferioridade do papel da mulher na sociedade”. O estudo dos pesquisadores usou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os pesquisadores destacam também que, em vários países inclusive o Brasil, mulheres optam por ficar em casa e não trabalhar devido à baixa remuneração oferecida no mercado de trabalho. Os professores acrescentam que, nos países desenvolvidos, o valor pago para afazeres domésticos é elevado e nem sempre acessível.

Mulheres reconhecem que trabalho
doméstico é desgastante e desvalorizado

As mulheres costumam dizer que cumprem jornadas duplas e triplas diariamente, pois, além da atividade profissional fora de casa, desempenham várias atividades domésticas. Em Brasília, muitas mulheres reclamam que o trabalho doméstico é desgastante e desvalorizado. Independentemente do nível econômico, da idade e da escolaridade, as queixas são semelhantes.
A vendedora de cosméticos Marcela Amaral dos Santos, de 32 anos, casada e mãe de um menino, relata que é obrigada a “fazer tudo em casa” porque não tem dinheiro para pagar uma ajudante. “Em casa, faço as tarefas todas, levo, passo, cozinho. Meu marido até ajuda, mas sou eu quem faço tudo”, disse Marcela. “É um serviço muito desvalorizado porque são várias atividades que não têm reconhecimento. [Sinceramente?] o serviço todo vale R$ 1 mil, no mínimo”.
A dona de casa Maria de Fátima Cardoso Oliveira, de 61 anos, casada e mãe de quatro filhos, disse que nunca trabalhou fora e defende que o trabalho doméstico seja reconhecido, pois ocupa “praticamente todo o tempo” de uma pessoa.
“Nunca trabalhei fora, sempre fui dona de casa. Fazia tudo, lavava, cozinhava. Tudo na casa quem faz sou eu. Meu marido era quem trabalhava, eu mesmo ficava em casa cuidando dos filhos e agora com os netos. A gente em casa faz muita coisa e é o dia inteiro cuidando disso e daquilo, a gente não tem sossego”, disse ela.
A aposentada Maria de Lourdes Bispo, de 65 anos, casada e mãe de quatro filhos, disse que quando trabalhava fora mantinha empregadas em casa, mas agora tem apenas uma diarista duas vezes por semana. “Nos outros dias, a gente vai se virando porque somos só meu marido e eu em casa. Um dia eu cozinho outro dia é ele e vamos indo assim”.
Sem obrigações domésticas fixas, a estudante Letícia Gomes Sampaio, de 23 anos, disse que, em geral, essas atividades são desempenhadas pela mãe, mas reconheceu que vez por outra colabora com ela.
“De vez em quando eu lavo a louça e faço comida”, ressaltou a estudante. “[Acho que] teria de pagar mais do que um salário mínimo, porque é muita coisa e é todo o dia. Lavar roupa, fazer comida e cuidar dos filhos. Acho que esse trabalho vale uns R$ 2 mil [por mês]”.