Uniões entre iguais não tira perfil mestiço do país

Dados do Censo 2010 divulgados nesta semana mostram que cerca de 70% das pessoas que viviam em união conjugal no país tinham como parceiro uma pessoa da mesma cor. Um índice que chama a atenção num país mestiço como o Brasil, que tem 43,1% da população que se declara parda. Para o antropólogo Peter Fry, os 30% de uniões inter-raciais já são suficientes para que, ao longo das décadas, o número de pardos cresça. Segundo ele, nos Estados Unidos essas uniões são apenas 15% do total. Para especialistas, é importante compreender o processo histórico de miscigenação, iniciado com a chegada dos portugueses, no século 16. Segundo eles, como a maioria dos imigrantes portugueses eram homens, não havia mulheres brancas em número suficiente para que eles se relacionassem apenas entre si. Com isso, tiveram início as relações inter-raciais. O perfil dos colonizadores também contribuiu para a mistura. "Os portugueses aceitaram a miscigenação porque são um povo também miscigenado, que conviveu por séculos com a invasão árabe", diz a socióloga Lúcia Lippi, da FGV. Segundo ela, ao passo que os imigrantes europeus foram prosperando, começaram a se casar com filhas de imigrantes ou a trazer jovens da Europa, restringindo mais as relações ao mesmo grupo. Para Manolo Florentino, professor do Departamento de História da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a miscigenação ocorreu, sobretudo, numa faixa de renda mais baixa.
"O segredo da miscigenação no Brasil é a pobreza. As mulheres saíam da escravidão e procuravam se casar com homens brancos como forma de ascensão social". Ao mesmo tempo, diz, os imigrantes portugueses mais pobres se uniam a negras e índias. Houve ainda uma forma de mistura menos estudada: a de negros e índios. Atualmente, a classe mais alta, predominantemente branca, continua se casando na maioria das vezes dentro do mesmo grupo de cor. Segundo o Censo 2010, 75,3% das parceiras dos homens brancos eram também brancas. Ao mesmo tempo, 69% dos pardos estavam com pardas e 39,9% dos pretos, com mulheres da mesma cor. "Cada grupo racial tem suas estratégias de reprodução. E o branco, que é o grupo valorizado, da elite econômica e acadêmica, tem a estratégia de casar internamente", diz o pesquisador José Luis Petruccelli, do IBGE, para quem a sociedade brasileira segrega sem nunca ter tido uma legislação segregacionista. Ele diz que, se os pares fossem formados de forma aleatória, sem influência da cor, o percentual de uniões "entre iguais" seria de apenas 42%, em vez dos 69,3% atuais. O cálculo é do IBGE.