Pronunciamentos exaltados marcam audiência sobre reforma do Código Penal

CURITIBA – Pelo menos num ponto os participantes da audiência pública realizada na manhã de ontem, na Assembleia Legislativa, para discutir a reforma do Código Penal Brasileiro, foram unânimes: não é possível tratar de questão tão fundamental em prazo tão pequeno.
De acordo com o Regimento Interno do Senado, a Comissão Especial constituída para analisar o PLS nº 236/2012 deveria apresentar seu relatório até o mês de dezembro.
Nem mesmo o senador paranaense Sérgio Souza (PMDB), que representou no evento o presidente da comissão, senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), concorda com essa tramitação a toque de caixa. Ele informou que os membros da Comissão Especial estão buscando mecanismos regimentais que permitam o alongamento desses prazos, de modo a permitir um amplo e profundo debate com os mais variados segmentos da sociedade.
Ele admitiu também que o projeto precisa de alterações: “Não é porque foi produzido por uma equipe de juristas que está adequado ao momento que vivemos ou aos anseios da população brasileira”, admitiu.
O encontro, que contou com a presença do deputado federal André Zacharow (PMDB), da secretaria geral do Movimento Nacional Brasil Sem Aborto, Damares Alves, do promotor de Justiça Fabio André Guaragni, representando o procurador geral de Justiça Gilberto Giacoia, e de Eduardo Sanz de Oliveira e Silva, representando o presidente da OAB-PR, José Lúcio Glomb, e do presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas, Elias Mattar Assad, aconteceu no Plenarinho da Assembleia Legislativa, por iniciativa do deputado Gilson de Souza (PSC).
PRECIPITAÇÃO – O deputado Gilson de Souza abriu os trabalhos manifestando sua preocupação em relação aos inúmeros pontos polêmicos do projeto e defendendo a ampliação do prazo para sua análise pelo Parlamento e pela sociedade brasileira.
Damares da Silva falou em seguida do senador Sérgio Souza e fez um dos pronunciamentos mais incisivos, levantando dúvidas quanto à pressa na discussão e votação da matéria. Apontou incoerências no texto, que prevê punição mais severa para adulteração de produto cosmético do que para assédio sexual, para destruição de ninho de passarinho do que para autoridade que priva criança de sua liberdade, para comércio ou porte de penas de pássaro do que para abandono de idoso, entre outras proposições consideradas absurdas.
Bater em cachorro, por exemplo, pode ser ato punido com quatro anos de prisão, enquanto produzir lesão corporal em outra pessoa está sujeito a pena de reclusão de seis meses, segundo Damares.
O promotor Fabio Guaragni concordou com as críticas, mas chamou a atenção para o texto referente à Parte Geral do Código, onde vê retrocesso em relação ao atual. Segundo ele, não é mais possível estabelecer grandes códigos como ocorria no passado. A complexidade de certos temas, principalmente aqueles decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos e das mudanças nos costumes ao longo das últimas décadas são melhor definidas e representadas em microssistemas, que podem evitar a adoção de linhas dogmáticas.
Enfático foi também o discurso do representante da OAB, que pregou a mobilização da sociedade para bloquear a tramitação de um projeto que não consulta as necessidades e aspirações do país: “Uma sociedade responsável, que sabe o que quer, não reforma um Código Penal em sete meses. Nem no tempo da ditadura militar tivemos um projeto tão antidemocrático como esse, cuja parte geral não confere segurança jurídica aos seus cidadãos. Seu texto não tem técnica legislativa nem mostra domínio da língua portuguesa.
Os Códigos de Angola e de Cabo Verde são infinitamente melhores. Não é possível discutir apressadamente um texto que representa o que o Brasil tem de pior”, condenou. Para ele, emendas não serão suficientes para corrigir tantos defeitos: “Será melhor começar do zero, e começar do jeito certo”.
Também foi nessa linha o criminalista Mattar Assad, que emprestou do jurista Miguel Realle Júnior a expressão “obsceno” para caracterizar o texto ora em discussão. Mostrando as dificuldades criadas para a caracterização de dolo eventual e de culpa, disse que a proposta engloba teses defendidas por alguns dos onze notáveis convidados para sua elaboração e não uma visão estratégica do Brasil, gerando assim uma completa falta de sintonia com a realidade.
Manifestaram-se ainda os deputados Zacharow, Cantora Mara Lima (PSDB) e Edson Praczyk (PRB), e a assessora jurídica da Mitra da Arquidiocese de Curitiba, Cynthia Glowacki Ferreira, todos em defesa de um debate amplo, aberto à participação dos cidadãos e dos segmentos organizados da sociedade. E, sobretudo, pautado pela reflexão e pela prudência, sem a urgência que se quer impor a sua tramitação, sob pena de produzir uma legislação pior do que aquela que se quer reformar por obsoleta.