O papel da madeira na história de Paranavaí
O artista plástico Antonio de Menezes Barbosa desembarcou com a família no Ponto Azul, o primeiro ponto rodoviário de Paranavaí, em 1951, quando a mata nativa ainda envolvia o distrito emancipado no dia 14 de dezembro do mesmo ano. “Esse lugar foi privilegiado pela quantidade de madeira que o ser humano poderia utilizar. Jequitibá, pau-marfim, amendoim, guatambu, espeteiro, guaiçara, cedro, óleo-pardo, canafístula, gurucaia, pau d’alho, jatobá, canelão, canelinha e canjerana. Havia muitas espécies de árvores que rendiam muita madeira. Mas a peroba sobrepujou todas. Foi a preferida e continua sendo até hoje”, afirma.
A imponência e a beleza da peroba com seu tronco esguio era o que cativava madeireiros e “tiradores de toras” a irem para o mato na década de 1950. Normalmente a equipe era formada por cinco ou seis pessoas, homens experientes remunerados por metro cúbico de madeira. “Meu pai nos sustentou tirando peroba da mata. Fui trabalhar com ele em 1958. Lembro que quando algum tirador ia pro mato e não via peroba, era comum descartar a derrubada de árvore. Ganhava-se um dinheiro bom porque não era todo mundo que sabia fazer isso”, relata. A valorização também tinha relação com o risco, já que não era raro alguém se ferir ou até mesmo morrer na derrubada de árvores.
Antonio de Menezes cita o caso de um rapaz que morreu esmagado por uma tora no momento de descarregar. Para quem não conhece o trabalho na prática, pode parecer falta de atenção alguém morrer derrubando ou descarregando árvores e toras. No entanto, não era tão simples evitar uma tragédia. “Uma leve corrente de ar repentina ou um cipozinho de dois centímetros poderia alterar a direção da queda de uma árvore. Meu pai, que pouco estudou, era procurado por agrônomos e engenheiros pra ir pro mato fazer previsões dos riscos da derrubada de árvores e também da quantidade e da qualidade da madeira. Fez isso de 1952 a 1975”, destaca.
As serrarias normalmente compravam a madeira direto do proprietário de uma área que se tornaria uma fazenda. Contratava-se um tirador de toras e pedia-se que fizesse a avaliação da área: “Falava-se em avaliação de área ‘a olho’. A negociação tinha que ser feita rapidamente porque o fazendeiro quase sempre tinha a intenção de investir na formação de café o mais rápido possível.”
Augusto de Mendonça Barbosa, pai de Antonio, usava dois tipos de traçadores – o normal e o americano. O instrumento era operado por duas pessoas e exigia pelo menos duas horas de serviço por árvore. Para afiar principalmente o segundo era preciso conhecimento específico. “As equipes eram pequenas. Só aumentava quando o objetivo era derrubar mato, não árvores. Aí, iam os peões fazer a roçada primeiro e depois os tiradores derrubavam as árvores com machado e traçador”, informa.
Na década de 1950, a madeira era muito usada na construção de casas de tábuas de peroba. Raro era encontrar uma casa que não fosse de madeira. Esse era o padrão dos bairros mais antigos de Paranavaí. Um dos contrastes nesse cenário era a residência do juiz Sinval Reis. “Mas porque o próprio Estado que fez. Não era costume”, justifica Antonio de Menezes Barbosa, acrescentando que com a escassez da peroba a canafístula se tornou uma boa alternativa.
A derrubada de árvores começava assim que o sol raiava e se estendia até escurecer. O almoço era às 10h e sob a sombra da próxima vítima. Por dezenas de quilômetros havia uma quantidade hoje inimaginável de madeira. Já na década de 1960, a necessidade obrigou os tiradores de toras a irem mais longe, se afastando cada vez mais de Paranavaí. “A madeira permitiu que famílias que já tinham uma boa condição financeira enriquecessem, se tornassem mais abastadas. Muita madeira era enviada para São Paulo. Isso se deve principalmente à exploração da peroba, que era facilmente encontrada em qualquer lugar de Paranavaí”, garante.
Já o pau-marfim era destinado à fabricação de móveis, assim como a canjerana às lascas de cerca; e o amendoim e o ipê às carrocerias de caminhão. Nos anos 1950 e 1960, Antonio de Menezes conheceu cinco serrarias, depois prestando serviços exclusivos por dez anos para uma madeireira que ajudou a fundar. “Era o auge. Havia madeireira até em frente ao fórum e também onde construíram o Centro de Eventos Armando Trindade Fonseca. No final dos anos 1960, quando já não havia tanta madeira em Paranavaí, houve uma busca nos cafezais por toras abandonadas nos tempos da colonização. A retirada era feita com um guincho manual ou com um guincho improvisado com trator”, revela.
Com o tempo, as árvores nativas foram desaparecendo. Hoje é como se várias espécies jamais tivessem existido em Paranavaí. Antonio de Menezes Barbosa vê isso como uma consequência da derrubada indiscriminada. “Não havia nenhum tipo de controle ou consciência. Não se acham mais essas árvores que citei. São raridades. É uma pena porque essas árvores tiveram um papel muito importante na história da cidade; na construção não só de casas, mas do comércio também. Lembro que no nosso tempo as crianças eram incentivadas a conhecerem as árvores, as espécies. Hoje, se você fala em guaiçara, por exemplo, a maioria não sabe o que é”, lamenta. (Por David Arioch)