Onde foram parar os carros da histórica viagem?

Ninguém sabe como o protagonista de uma das mais espetaculares aventuras do automobilismo no século 20 foi parar no meio de bondes e ônibus antigos num galpão na zona norte de São Paulo.
Fabricado em 1918, o Ford T batizado de Brasil pelos expedicionários está hoje guardado no Museu dos Transportes Públicos Gaetano Ferolla, antigo Museu da CMTC (Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos).
Mantém a capota que ganhou durante a passagem pelo México e alguns dos decalques de automóveis-clube de cidades americanas, como os de Michigan, Illinois, Washington e Cleveland. Mas só tem a carcaça do motor, sem as peças para funcionar, diz reportagem da jornalista Luciana Garbin.
Já do segundo Ford, batizado de São Paulo na expedição, não se sabe o destino. Moradores tradicionais do Ipiranga, como Laerte Losacco Toporcov, se lembram de que ele e o outro automóvel ficavam expostos num galpão externo nos fundos da instituição, perto do também histórico hidroavião Jahú.
A última exposição pública dos dois teria sido em 1954, na inauguração do Parque do Ibirapuera. “O mecânico Mario Fava me contou que eles foram colocados debaixo das asas do hidroavião”, afirma o escritor Beto Braga.
Segundo o médico Erland de Oliveira Gonzales, filho de Leônidas Borges de Oliveira, os dois automóveis foram doados ao Museu Paulista meses depois de os três expedicionários voltarem ao Brasil. “Lembro de nos anos 1980 ter ido ao museu e visto a assinatura do meu pai num documento de doação ao museu. E, juntamente com os carros, ele deve ter doado outras coisas.”
O que aconteceu nos últimos anos, porém, é uma incógnita. Em nota assinada pela diretora, Solange Ferraz de Lima, o Museu Paulista informou que “não há registro em toda a documentação pesquisada até hoje de que os referidos veículos Ford T tenham pertencido ao acervo do Museu Paulista e nem mesmo que tenham sido expostos aqui”.
“Apenas temos notícias por relatos orais de pessoas ligadas ao bairro do Ipiranga de que, em 1938, foram expostos temporariamente no museu trabalhos científicos e documentação histórica sobre uma ‘Expedição Automobilística Brasileira’ que percorreu de 1928 a 1938 o trajeto que se planejava para uma Estrada Pan-Americana”, diz o texto.
No acervo do Museu Paulista há dois quadros sobre a expedição. O primeiro anuncia a inauguração de uma sala da Estrada Pan-Americana, “onde serão apresentados todos os trabalhos científicos da Expedição e a importante documentação da histórica viagem”.
Traz o título “Expedição Automobilística Brasileira que traçou a grande estrada de rodagem”. Após mencionar os nomes dos três participantes, diz que eles, “numa verdadeira apoteose, foram os mensageiros da fraternidade brasileira aos povos do Continente Americano; e de lá trouxeram para o povo do Brasil a maior saudação e o maior abraço sincero de irmão e amigo”.
O segundo cartaz emoldurado parece ser a apresentação do conteúdo da sala. Debaixo das datas “1928 – 1938”, explica, mantida a grafia: “Trabalho da Expedição Brasileira durante dez annos de viagem através das três Américas, cruzando 15 Repúblicas; cobiçados pelas feras e pelos índios selvagens; sofrendo os rigores do frio, do calor, da sede e da fome; tudo para engrandecer o Brasil demonstrando o verdadeiro traçado da maior Rodovia do Mundo, ligando Rio de Janeiro com Nova York (26.000 kilometros).
Os três expedicionários cruzaram selvas milenárias, rios fantásticos e caudalosos, assim como pântanos profundos e por quatro vezes a Cordilheira Real dos Andes, preparando o caminho com picareta e dinamite.
Os três brasileiros demonstraram ao mundo a página mais gloriosa do Brasil e de seu povo e por isso foram delirantemente aplaudidos por todos os povos irmãos do Novo Continente e pelo grande povo de Norte-América.”
Responsável pelo Museu dos Transportes Públicos Gaetano Ferolla, a São Paulo Transporte (SPTrans) informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o Ford em exposição no local foi cedido à instituição da zona norte “entre 1986 e 1987”, proveniente justamente do Museu Paulista, “em acordo verbal entre as partes”.
Ele é hoje a única peça originalmente de transporte privado do museu de veículos públicos.
“Acho tudo isso uma tristeza, um descaso com a história. Meu pai fez questão de trazer o carro de volta ao Brasil, não quis vendê-lo para o Henry Ford colocar no museu. E tudo para quê? Para ele provavelmente ter sido roubado ou virado sucata.”
O Ford da foto ainda está no museu, mas parcialmente deteriorado pelo tempo. (Texto: SB)
(Próxima edição: Carretera de 28 mil km em dois valentes calhambeques)