Consumidor, segundo a Justiça, você não tem direito
Eduardo Faria de Oliveira Campos*
Um dos maiores valores que o Poder Judiciário pode passar à população é o que se chama de segurança jurídica. Trata-se da mensagem transmitida a todos segundo a qual, em casos semelhantes, as decisões serão semelhantes; seja para condenar o transgressor ou absolver o inocente.
Para fortalecer esta postura, após vários julgamentos de casos semelhantes, onde ocorrem decisões semelhantes, os Tribunais criam Enunciados ou Súmulas.
Ocorre que atualmente, tanto os Enunciados quanto a segurança jurídica estão sendo jogados pela janela no que diz respeito ao Direito do Consumidor.
Veja-se, como exemplos, as ações de “fila em banco”, as ações por “cobranças indevidas” ou por “mal atendimento pelocall center das empresas”.
A lei diz que o consumidor não pode aguardar mais de 30 minutos esperando para ser atendido pelo caixa do banco; diz que se houver cobrança indevida, quem cobrar deverá devolver em dobro aquilo que cobrou indevidamente e, por fim, que o serviço prestado deve ser adequado e eficaz.
Devido ao reiterado descumprimento destas normas, e após o julgamento de milhares de ações semelhantes, a Turma Recursal do Paraná criou Enunciados sobre os temas que dizem:
“A espera em fila de agência bancária, em tempo excessivo, caracteriza falha na prestação de serviço e enseja reparação por danos morais”;“A disponibilização e cobrança por serviços não solicitados pelo usuário caracteriza prática abusiva, comportando indenização por dano moral e, se tiver havido pagamento, restituição em dobro (…)” e “Configura dano moral a obstacularização, pela precariedade e/ou ineficiência do serviço de call center, por parte da empresa de telefonia, como estratégia para não dar o devido atendimento aos reclamos do consumidor”.
Ocorre que, há algum tempo, mesmo se o consumidor perder mais de 1 hora na malfadada fila e processar o banco, se perder horas e até dias ligando para o call center da empresa para reclamar da cobrança de um item não contratado e mesmo assim não for atendido, a chance de ser indenizado por esta postura ilegal das empresas é quase zero; e isso se deve em razão da postura do próprio Poder Judiciário.
Por óbvio não são todos os juízes que negam indenizações nestes casos, mas há um movimento que tem ganhado força, no sentido de ignorar expressamente o que diz a lei, a jurisprudência e o que se espera da tão desejada segurança jurídica.
Os termos “mero aborrecimento”, “dissabor cotidiano” e “indústria do dano moral”, são expressões exaustivamente repetidas nestas decisões, mas, em última análise, o fato é que a lei não é cumprida e os descumpridores permanecem impunes, com expressa condescendência do Judiciário.
Oras, de que forma queremos um País honesto e cumpridor da lei se aqueles que tem por ofício ordenar que as leis sejam cumpridas não as impõem ou eximem os contumazes descumpridores, das penas que lhes deveriam ser aplicadas?
Honestamente acreditam estes juízes que aguardar uma ou duas horas numa fila de banco, toda vez que se busca atendimento, é “mero aborrecimento”?; pensam que ser mensalmente furtado por uma empresa que cobra itens que não foram contratados e não conseguir resolver o problema de forma administrativa após horas e horas gastas ao telefone é “dissabor cotidiano”? Creem que milhares de consumidores buscando fazer valer o que diz lei por meio de ações judiciais é “indústria do dano moral”?
Acreditar nisso é se afastar demasiadamente da realidade, é tornar a lei efêmera, é defenestrar o bom senso e o direito do consumidor.
Concluo minha opinião chamando o Poder Judiciário à consciência e transcrevendo parte do discurso da juíza Laura Ulmann López para quem:
“Os magistrados não podem continuar despendendo seu exíguo tempo com as mesmas ações, contra os mesmos demandados e pelos mesmos motivos.(…)
Quando nós, julgadores, nos dispusermos a tratar estas operadoras de telefonia, bancos, administração pública, etc, como os vilões que efetivamente são, como delinquentes habituais, os quais estão sempre cometendo as mesmas irregularidades, os mesmos abusos, acarretando as mesmas demandas, com certeza absoluta chegaremos a um ponto em que as demandas cairão. (…)
O Judiciário não pode continuar se prestando para esta mesmice. As trapaças e os trapaceiros não mudam.”.
*Eduardo Faria de Oliveira Campos, advogado especialista em Direito do Consumidor.