Sem conhecer os três desbravadores, outros agora conhecem a Panamericana

Depois de trabalharem por dez anos no mercado financeiro, o administrador de empresas Leonardo Spencer e a economista Rachel Paganotto pediram demissão, casaram e começaram uma viagem pelo mundo pela Estrada Panamericana.
De São Paulo, o casal foi para Ushuaia, na Argentina, e de lá seguiu até a Califórnia, nos Estados Unidos. Em um ano, percorreram 45 mil quilômetros e passaram por 16 países.
Leonardo, de 32 anos, e Rachel, de 31, contam que tem crescido o número de pessoas viajando pela Pan-Americana. “Quando começamos a viagem, tinha um ou outro. Agora tem muita gente se aventurando por lá. Acho que os brasileiros estão começando a dar mais valor. Também há muitos estrangeiros pelo caminho. Tem desde americano que desce o continente rumo à Argentina quanto europeus que mandam o carro para a América do Sul e vão subindo. Entre eles a cultura de viajar de carro é muito forte”, explica Rachel.
Depois das Américas, os dois seguiram para Europa, África, Ásia e Oceania. No total, percorreram 78 países e lançaram três livros na estrada – o quarto está a caminho. Após 130 mil quilômetros de carro e 96 mil de avião, voltaram a São Paulo e passaram três meses dando palestras e divulgando o último livro do projeto “Viajo, logo Existo”.
O casal nunca tinha ouvido falar de Leônidas Borges de Oliveira, Francisco Lopes da Cruz e Mário Fava, mas confirmou a bordo de seu Land Rover Defender algumas descobertas feitas pelos expedicionários há nove décadas.
Como a de que é impossível passar de carro pelo Estreito de Darién, na fronteira entre Colômbia e Panamá – a solução foi pôr o carro num contêiner em Cartagena e pegá-lo de volta no Panamá. Em todos os outros lugares, se viraram com uma barraca em cima do carro e uma cozinha adaptada – o fogão de duas bocas fica numa das portas.
Rachel conta que antes da viagem eles passaram um ano planejando o roteiro e avaliando custos, lugares e detalhes, como preço do petróleo em cada país e migrações de animais.
No meio do caminho, acabaram fazendo algumas mudanças. Inicialmente, haviam excluído a Colômbia da rota por razões de segurança. Mas americanos que haviam acabado de cruzar o país lhe garantiram que era seguro e eles não se arrependeram. O único país que cruzaram sem parar foi Honduras.
Assim como Leonardo e Rachel, o casal Luis Fernando Kolinger e Letícia Basso também nunca tinha ouvido falar dos três expedicionários brasileiros que mapearam a Estrada Pan-Americana.
Em 19 de janeiro de 2016, uma semana depois de casarem, eles saíram de Porto Alegre e foram da Argentina até a Colômbia, passando por Chile, Bolívia, Peru e Equador.
“Não seguimos para a América Central pelo fato de a estrada acabar na Colômbia e recomeçar no Panamá. O custo de fazer esse trajeto se tornou impagável para nós”, explica Luis Fernando.
Ele conta que sonhava em fazer essa viagem desde os 15 anos. “Ainda no colégio, tinha vontade de ir de moto até os Estados Unidos. Brincava que era a minha crise de 40 anos já programada. Aconteceu que me desiludi com o trabalho um pouco antes, em 2013, aos 27 anos, e resolvi que queria cair no mundo. Eu e minha esposa, na época minha namorada, já guardávamos dinheiro para algum projeto pessoal e a partir daí começamos a economizar cada centavo e a planejar a viagem. Como passamos a ser dois, trocamos a moto por um carro e passamos a estudar onde ir, quanto íamos precisar e como poderíamos fazer para que o sonho saísse do papel. No final, acabamos transformando essa aventura em uma grande e louca lua de mel.”
Alguns detalhes da viagem estão no blog Road Sweet Home, que também tem páginas no Facebook e no Instagram. Postam no YouTube vídeos de todos os lugares por onde passaram. Como não conseguiram patrocínio para o projeto, eles continuaram trabalhando com frilas durante a viagem.
Publicitário, ele era diretor de arte antes de sair de viagem. Hoje faz trabalhos freelancer de design gráfico a distância. Letícia é designer de moda e desenvolve estampas para marcas de roupa. E como é trabalhar viajando pelo mundo?
“Viajamos a baixo custo e internet é luxo. Isso complicou mais as coisas do que imaginávamos. No Peru, onde a internet é muito ruim, acabei perdendo alguns trabalhos importantes, mas os que fiz ajudaram a tornar o projeto possível apesar da falta de patrocínio.”
Luis Fernando Kolinger conta que a Pan-Americana foi a “coluna vertical” da subida até a Colômbia, mas em muitos momentos eles se desviaram para ir a lugares por onde ela não passava, como parte dos Andes peruanos.
Pelo caminho, encontraram outros viajantes percorrendo a Pan-Americana, como o casal argentino do projeto Pateando América, que seguiu para o Alasca num Renault Kangoo e dançava tango nas cidades onde passavam a fim de financiar a viagem.
Também se depararam com alguns perigos. Como numa caminhada na Patagônia, em que cruzaram com um puma selvagem. “Foi uma emoção, uma mistura de medo e felicidade. Ficamos parados olhando, ela nos olhou, e seguiu caminho.”
Em fevereiro, após 13 meses na estrada, Letícia e Luis Fernando terminaram a viagem em Porto Alegre. Já com planos de percorrer as Américas Central e do Norte, se de carro, de carona ou de moto. Antes, porém, querem desbravar os Estados brasileiros, que agora conhecem menos do que o restante da América do Sul. (Texto: SB)
(Próxima edição: Autor do livro refez caminho dos desbravadores da Carretera)