Ações trabalhistas das domésticas devem aumentar, diz especialista

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das domésticas deve aumentar a pressão pela contratação com carteira assinada, contribuir para o aumento do número de ações trabalhistas contra as empregadoras e "irritar" a classe média.
O impacto deverá ser ainda maior entre as que atuam na informalidade, segundo José Pastore, professor da USP e especialista em relações do trabalho e recursos humanos.
Entre as patroas que já contratam com carteira assinada, o principal efeito deverá ser sentido no bolso: o aumento de despesas, principalmente com horas extras, pode levar à troca de uma empregada fixa por diarista e horista, além de mudanças na rotina das famílias.
"Os homens terão de ajudar mais em casa. As creches e outros apoios terão de aumentar. Os aparelhos domésticos terão de inovar”.
Pastore acredita que a PEC vá "irritar" a classe média. "Pode se transformar em uma verdadeira revolta das mulheres que precisam das domésticas para desenvolver suas atividades profissionais", afirma Pastore.
"Não sei quem será alvo dessa irritação ou revolta: os parlamentares ou Dilma, que pode ganhar alguns votos das domésticas, mas perder muitos das patroas".
O aumento de custos tem dois aspectos, segundo o pesquisador. Um deles é o relacionado aos novos encargos sociais – deve ser de mais 10 a 15 pontos percentuais. Exemplo: se o salário é de R$ 1.000, o encarecimento deve variar de R$ 100 a R$ 150.
O segundo, e maior deles, deverá ser com o pagamento de horas extras e obediência aos intervalos previstos na lei para a jornada de trabalho.
"Haverá despesas decorrentes de ações trabalhistas devido à dificuldade de cumprir o intervalo intrajornada [uma hora] e o intervalo interjornada [11 horas], assim como a regulação da hora extra e do horário noturno."
"Essas despesas são incalculáveis, pesam muito não só em dinheiro mas sobretudo no desgaste psicológico”.
Outro fator apontado pelo professor é que, entre os 7 milhões de domésticas do país, muitas são empregadas de um lado e patroas do outro  – contratam pessoas para tomar conta de seus filhos e de suas casas enquanto trabalham fora. A informalidade já é da ordem de 75% no setor.
"Como empregadas, uma pequena parte está formalizada. Como empregadoras, a esmagadora maioria contrata informalmente. A nova regra deve abalar esse importante segmento de mercado".
Para Pastore, a nova lei não terá força para inibir a migração que ocorre na profissão.
DORMIR NO EMPREGO – "Elas querem trilhar outros caminhos. Dormir no emprego nem pensar. São raras as que fazem isso hoje e mais raras serão depois da PEC".
A migração para outras profissões diminui a oferta de mão de obra no mercado e com isso pressiona ainda mais os salários.
"Nos últimos anos, essa categoria foi a que teve o maior aumento de salário, o dobro do INPC. E, com os novos encargos sociais, o custo para as patroas aumentará significativamente".
Se hoje são as patroas que escolhem os empregados, a tendência daqui para a frente é que elas selecionarão suas patroas.

Senado amplia direitos para doméstico
O Senado aprovou na terça-feira a proposta que amplia os direitos das empregadas domésticas de todo o país. As novas regras vão entrar em vigor a partir da promulgação da PEC (proposta de emenda constitucional), prevista para a próxima semana. Nenhum dos 66 senadores presentes votou contra.
O texto institui novos direitos para todos os empregados domésticos, como babás, caseiros, motoristas e cuidadores de idosos. Eles passam a ter benefícios como hora extra, adicional noturno e jornada máxima de trabalho.
Representantes de sindicatos e federações de empregadas domésticas dizem que, apesar de as novas regras ampliarem os gastos dos empregadores, não haverá aumento da informalidade.
"Quando conquistamos direitos na Constituição de 88, todo mundo dizia que haveria desemprego. Mas o número de empregadas cresceu. Há esse terrorismo no início, depois a poeira vai baixar", diz a presidente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas, Creuza Oliveira.
REGULAMENTAÇÃO – O consultor legislativo do Senado José Pinto da Mota Filho ressalta inúmeras dúvidas sobre a aplicação prática das mudanças previstas na PEC e sobre o aumento potencial de conflitos trabalhistas na Justiça. "A PEC é justa, mas essas situações não foram adequadamente discutidas com a sociedade", diz.
O especialista em direito trabalhista considera necessário que se regulamente direitos como hora extra, FGTS e adicional noturno para dar "segurança jurídica" ao empregador. Ele questiona, por exemplo, como vai ser feito o controle da hora.
O Ministério do Trabalho disse que será criada uma comissão para "propor a normatização dos itens que precisam de regulamentação". Ainda de acordo com o Ministério, o pagamento de hora extra não precisa ser regulamentado. Já direitos como FGTS, seguro-desemprego e adicional noturno vão depender de regulamentação.

Direitos dos trabalhadores domésticos
– Salário mínimo (há Estados que têm salário mínimo especial)
– 13º salário
– Adicional noturno
– Hora extra
– FGTS
– Indenização de 40% do saldo do FGTS na demissão sem justa causa
– Jornada de no máximo 44 horas semanais e, no máximo, 8 horas diárias
– Descanso mínimo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho
– Descanso semanal mínimo de 24 horas
– Para jornada de até 6 horas, intervalo mínimo de 15 minutos; para jornada superior a 6 horas, intervalo mínimo de uma hora
– Seguro-desemprego (na demissão sem justa causa)
– Auxílio-creche e pré-escolar para filhos e dependentes até 5 anos de idade
– Seguro contra acidentes de trabalho
– Licença-maternidade de quatro meses
– A proposta veda diferenças de salários entre domésticos do mesmo empregador e proíbe a discriminação salarial de deficientes

Perguntas e respostas sobre os direitos dos trabalhadores domésticos
 
BENEFICIADOS
Todos os funcionários que prestam serviços domésticos, incluindo jardineiros, motoristas, cuidadores de idosos e babás. Ainda há dúvidas sobre a situação de caseiros.
 
Quantos dias por semana a diarista pode trabalhar sem ser registrada?
No máximo dois dias por semana. E as diaristas só podem pleitear direitos trabalhistas perante a Justiça em condições específicas que comprovem que há relação de subordinação e dependência.

PRAZOS
A nova proposta já vale?

A lei entra em vigor a partir da publicação no "Diário Oficial". Há dúvidas sobre a necessidade de regra específica para pagamento do FGTS, seguro-desemprego, salário-família e trabalho noturno, além do trabalho de caseiro. Outros direitos já estarão em vigor.
 
Os direitos se aplicam a contratos de trabalho assinados antes da aprovação da PEC?
Sim.
 
VALOR DA REMUNERAÇÃO
Há um piso para a categoria?

O salário mínimo nacional é de R$ 678 para uma jornada de 44 horas semanais. Alguns Estados, porém, têm um piso próprio, que deve ser seguido. O mínimo em São Paulo é de R$ 755.
 
Quem paga salário maior que o mínimo registrado em carteira pode ajustá-lo para baixo e transformar parte em hora extra?
Não.
 
Como se calcula a hora extra?
Considerando que a jornada semanal é de 44 horas e a mensal de 220 horas, o valor do salário será dividido por 220, o que resultará no valor da hora normal. Esse valor deve ter acréscimo de, no mínimo, 50% no caso da hora extra.
 
O que vale para a base dos cálculos é o salário registrado em carteira?
O que vale é a remuneração, composta inclusive pelas horas extras e demais adicionais.
 
O empregador pode descontar do salário um valor referente à moradia e à alimentação?
Não.
 
Uniforme, vale-transporte e convênio médico contam como salário?
Não. O mesmo vale para os demais benefícios. Mas quanto ao vale-transporte, até 6% do valor que é gasto com o salário pode ser descontado.
 
Se o empregado trabalhar menos posso descontar do salário?
Independentemente de trabalhar menos, ele recebe o mesmo valor se for mensalista. No caso de falta sem justificativa, o empregador tem o direito de descontar o valor do salário.
 
Se a doméstica quebrar algo na casa, pode ter desconto no salário?
Isso já ocorre antes da PEC. No caso de qualquer dano causado pelo empregado, independentemente do ambiente, o empregador tem o direito de descontar o valor, limitado a cerca de 10% do salário.
 
Quais são os direitos na demissão por justa causa?
Apenas o saldo de salário e a indenização das férias não gozadas, acrescidas do terço constitucional. O empregado perde o direito de sacar o FGTS e não recebe a multa de 40% sobre o saldo do Fundo. Se optar por pedir demissão, o empregado tem o direito de receber o saldo de salário, a indenização das férias integrais não gozadas e proporcionais, acrescidas do terço constitucional e ao 13º proporcional.
 
FGTS e INSS
De quanto é o recolhimento do FGTS?

De 8% sobre a remuneração do trabalhador. Isso inclui salário, férias, 13º, horas extras, aviso-prévio, trabalho noturno e outros. Ainda há dúvidas sobre quando o empregador teria que começar a pagar o FGTS.
 
Como se recolhe o INSS? Qual é a alíquota usada?
O tributo deve ser recolhido pela GPS (Guia da Previdência Social).  A contribuição do empregador é de 12% sobre o salário do trabalhador doméstico.
 
FISCALIZAÇÃO
Quem será o responsável por fiscalizar o pagamento efetivo das horas extras e de outros direitos?

Segundo o artigo 3º da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a responsabilidade de fiscalizar é do empregador.
 
Qual a punição para quem não cumprir a PEC após a promulgação?
O empregador está sujeito a ações trabalhistas e o valor da multa dependerá da infração dos direitos, o que também depende de regulamentação.
 
JORNADA DE TRABALHO E HORA EXTRA
Como comprovar a jornada de trabalho?

O empregador precisará ter um caderno para anotar o horário de entrada e saída; o empregado deverá assiná-lo.
 
As quatro horas que eles deveriam trabalhar no fim de semana podem ser descontadas das horas extras se não forem utilizadas?
Não. A jornada é de no máximo 8 horas por dia. Nada impede que o empregador estipule uma jornada de 6 dias por semana e 7 horas e 20 minutos por dia.
 
Se a empregada está na casa, mas não está trabalhando, vale como hora extra?
Se ela não estiver a trabalho, não pode ser caracterizada como hora extra nem jornada efetiva. Ex.: se o empregado dorme no emprego, não é contado como trabalho.