Advogado de policiais irrita-se com juiz, deixa plenário e julgamento é suspenso

SÃO PAULO (ABr) – O advogado Celso Vendramini, que defende os 15 policiais que estão sendo julgados pela morte de oito detentos que ocupavam o quarto pavimento do Pavilhão 9 da extinta Casa de Detenção do Carandiru (SP), ficou irritado com o juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo e deixou o plenário por volta das 16h, enquanto um dos réus estava sendo interrogado pelos promotores.
Vendramini reclamou de não estar recebendo do juiz tratamento idêntico ao que era dado aos dois promotores, Márcio Friggi de Carvalho e Eduardo Olavo Canto Neto.
Segundo o Tribunal de Justiça, após a saída do advogado do plenário, o julgamento foi suspenso e será agora marcada uma nova data para que tenha continuidade.
A terceira etapa do julgamento do Carandiru teve início na manhã de anteontem, quando sete jurados foram escolhidos para compor o Conselho de Sentença. À tarde, duas testemunhas de acusação foram ouvidas, o perito Osvaldo Negrini Neto e o ex-diretor de Segurança da Casa de Detenção Moacir dos Santos. Durante o julgamento de Moacir dos Santos, já havia ocorrido uma pequena discussão entre os promotores e o advogado, que foram advertidos pelo juiz.
Na manhã de ontem, foram ouvidas duas testemunhas de defesa, o ex-secretário de Segurança Pública Pedro Franco Campo e o ex-agente penitenciário e chefe de plantão dos agentes Francisco Carlos Leme.
No momento em que o advogado abandonou o plenário, estava sendo interrogado o primeiro réu, coronel Arivaldo Sérgio Salgado, que era capitão na época do massacre e comandava a tropa do Comando de Operações Especiais (COE) no dia em que houve a chacina.
Vendramini interrompeu o interrogatório do coronel pelo promotor Canto Neto e questionou o juiz sobre a conduta do promotor, que lia um trecho de um antigo depoimento dado por Salgado sobre o caso.
Como o juiz considerou que não havia problemas no procedimento de Canto Neto e na leitura do depoimento, determinou que o interrogatório prosseguisse. Irritado, o advogado reclamou que o juiz estava valorizando o Ministério Público, tirou sua toga e deixou o local do julgamento. Na saída, teve sua conduta elogiada por alguns policiais que aguardavam do lado de fora do plenário.
“O procedimento do Ministério Público é fazer perguntas à testemunha. O que o Ministério Público estava fazendo era ler depoimento do réu, longo, e no final ele perguntava o que bem entendia. O correto, em um tribunal de júri, é fazer perguntas. Ontem (anteontem), inclusive, no final, fui chamado de mal-educado pelo juiz”, reclamou o advogado, na saída do fórum. “Estou percebendo que, para o Ministério Público, tudo, e para a defesa, nada”, disse ele.
Para o advogado, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) precisa tomar alguma atitude no caso. Vendramini disse que pretende continuar defendendo os policiais, mas ressaltou que o ideal é que o juiz Rodrigo Tellini não presida o próximo julgamento do Carandiru. “Vamos ver se conseguimos achar um juiz que presida o julgamento de forma imparcial. E eu vou achar”, afirmou.
Já os promotores reclamaram da atitude do advogado e disseram que a suspensão do julgamento causa, inclusive, prejuízo financeiro público. “Calculem o prejuízo para o Estado, que teve que montar este julgamento, as despesas, o prejuízo com os jurados, que tiveram de deixar suas casas para vir para cá. É lamentável que isso aconteça”, destacou Carvalho.
“Lamentamos profundamente. Isso foi uma surpresa para nós, um absurdo. O que foi feito hoje foi realmente uma afronta, um desrespeito à lei e à sociedade em geral”, disse Canto Neto.
Os promotores disseram também que é preciso haver algum procedimento para impedir que atitudes como essa de Vendramini se repitam. “É hora de pensar em uma alguma punição mais efetiva para o profissional que tome esse tipo de comportamento. Nem o juiz nem o promotor de Justiça têm qualquer ferramenta para impedir isso”, disse Carvalho.
Esta não foi a primeira vez em que Vendramini deixou o plenário durante um julgamento. Em 2011, quando estavam sendo julgados quatro policiais militares acusados da morte de dois jovens, ele  abandonou o plenário como protesto porque havia no local pessoas usando camisetas com fotos das vítimas.

Em depoimento, policial diz que houve confronto com presos no Carandiru
Antes da terceira etapa do julgamento do Carandiru ter sido dissolvida, o coronel da Polícia Militar Arivaldo Sérgio Salgado, que comandava a tropa do Comando de Operações Especiais (COE) no dia em que houve o massacre na Casa de Detenção, foi interrogado pelos promotores  Márcio Friggi de Carvalho e Eduardo Olavo Canto Neto.
O coronel foi o primeiro réu a ser ouvido no julgamento, antes que seu advogado, Celso Vendramini, decidisse abandonar o plenário, provocando a suspensão do julgamento. Salgado é um dos 15 réus acusados pela morte de oito detentos que ocupavam o quarto pavimento (terceiro andar) do Pavilhão 9, da extinta Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. No dia 2 de outubro de 1992, 111 detentos foram mortos durante uma operação da Polícia Militar para reprimir uma briga que ocorria no Pavilhão.
Enquanto era interrogado, o policial disse que houve confronto entre policiais e detentos no local. Segundo ele, enquanto sua tropa adentrava no pavilhão, “encontrou resistência em cada corredor” pelo qual passou.
Salgado contou que, naquele dia, sua tropa, composta por 16 homens (um deles morreu e por isso não é réu no processo) chegou ao local e ficou parada em frente a um portão de ferro que dava acesso ao Pavilhão 9.
Antes que os policiais entrassem no local, tendo o batalhão da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) à frente, houve, segundo ele, uma tentativa de negociação com os presos, sem sucesso.
Salgado disse que o coronel Luiz Nakaharada, que comandava o Terceiro Batalhão de Choque na época do massacre, pegou um megafone e gritou para os detentos: “Gente, calma. A Tropa de Choque está aqui. Vamos tentar negociar”. Mas em resposta, disse Salgado, houve gritos e vaias.
Com isso, disse, os policiais entraram no local. “No térreo, já tinham alguns corpos [de detentos, mortos pelos próprios detentos]”, falou.
Durante a subida para os pavimentos, os policiais encontraram barricadas feitas pelos presos. Na escada que levava ao quarto pavimento, onde sua tropa atuou, ele disse que dispararam contra os policias. “E aí teve o revide para a gente conseguir chegar ao quarto pavimento”, disse. Salgado contou ter feito, naquela ocasião, cinco disparos de um revólver calibre 38.
Indagado pelo promotor se, logo que entrou no Pavilhão 9 ele teria visto mais de 50 corpos estendidos no pátio, Salgado negou, dizendo ter visto somente cerca de “cinco ou seis corpos”.
Isso trouxe uma contradição ao depoimento prestado na manhã de ontem pelo ex-agente penitenciário Francisco Carlos Leme, arrolado como testemunha de acusação, que contou ter visto 75 corpos estendidos no chão antes da entrada da Polícia Militar.
Logo após Salgado negar ter visto os corpos, seu advogado interrompeu o interrogatório que era conduzido pelos promotores, reclamando da conduta do juiz e anunciando sua saída do plenário.