Barracão da AGF era para esperar o trem
Como vimos, independente dos projetos do Governo, voltado nos anos 50 do século passado para as rodovias, as empresas ferroviárias armavam-se de estrutura, até como força de pressão para que os trilhos continuassem sendo projetados.
Nessa época a região do Extremo Noroeste atingia o auge de sua produção de café, principal produto de exportação brasileiro até meados dos anos 70, e dependia de um transporte precário, que seguia em caminhões de Paranavaí a Maringá e, pelo trem, ia ao Porto de Paranaguá. As próprias antecessoras da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima decidiram construir extensos barracões para coletar a produção e, assim, surgiram as instalações chamadas de AGF (Armazéns Gerais Ferroviários) que ainda podem ser vistas em Paranavaí, Paraíso do Norte, São João do Caiuá, Terra Rica, Santa Isabel do Ivaí, Nova Londrina e Nova Esperança. A empresa tinha no total 39 armazéns no Paraná e São Paulo. Juntos os barracões da região podiam armazenar cerca de 68 mil sacas de café, em extensões que variavam de 1.800 a 2 mil m².
AGF EM PARANAVAÍ
Quem passa pela rua Pioneiro Simião, esquina com a rua Tupi, na Coloninha do Jardim São Jorge, ainda pode ver reformado há pouco tempo o barracão da AGF. Sobre a grande porta frontal ainda está lá a inscrição em alto relevo da “RFFSA”. O barracão está alugado atualmente para a Indemil/Yoki, para estocar farinha e fécula de mandioca.
Edmar Rotondo, 71 anos, ainda jovem iniciou como funcionário da Rede de Armazéns Gerais Ferroviários, subsidiária da Rede Ferroviária Federal S.A., em Apucarana, em 1961. Depois foi deslocado pela empresa para trabalhar em Londrina, Rolândia, Arapongas, Jaguapitã e em 1961 veio para Paranavaí como gerente regional. Nessa época eram superintendentes em Londrina, Sílvio Correa da Silva, João Plá Neto e Lorivaldo Bresani. A sede era no Edifício Fuganti.
O barracão em Paranavaí foi construído em 1959, sob a perspectiva da vinda do trem. Enquanto o trem não vinha, a companhia coletava a produção de café e fazia o transporte em caminhões – aqueles FNM (da Fábrica Nacional de Motores) e Mercedes Benz, então recém introduzidos no Brasil pela fábrica alemã. “Todos vermelhos, da própria Rede. Eram 12 a 15 por dia que saíam de Paranavaí para Maringá ou para o Porto de Paranaguá”, disse na entrevista ao Diário do Noroeste nesta semana Edmar Rotondo, lembrando com saudades da empresa e seus “rodotrens”, como eram chamados. Segundo Rotondo, o terreno para construção foi cedido pelo então proprietário de toda a área do Jardim São Jorge, deputado federal na época, Fernando Gama, através do seu administrador, Mário de La Cruz.
Rotondo lembra que o pique da safra na região aconteceu em 1968, quando giraram pelo barracão da AGF cerca de um milhão e 120 mil sacas de café e que serviu como “regulamento” da safra brasileira – o Governo retinha a produção para o excesso não provocar baixa de preço, nem nacional, nem internacional, como aconteceu em 1929, quando, por causa do excesso de produção, a Bolsa de Nova Iorque quebrou, gerando uma crise econômica mundial. A AGF tinha em Paranavaí 80 operários para carga e descarga da sacaria.
De toda a produção, o Governo retinha para si uma cota de 40%, através do IBC (Instituto Brasileiro do Café), como encargos e impostos. Os outros 60% eram embarcados nos rodotrens. Tudo era registrado manualmente nos livros TH, documentos de armazenamento. Rotondo lembra que ele e sua esposa, recém casados, passavam noites fazendo o registro.
O café de melhor bebida na região era o produzido em Terra Rica, segundo Rotondo. Era o chamado popularmente “chocolate”. Depois tinha o “duro”, o “rio” e por último o “riodo”, já de gosto mais azedo, de acordo com os provadores.
Mário Schiavo recebeu a reportagem do Diário do Noroeste em sua residência, no Jardim São Jorge, onde se dedica atualmente à horticultura num terreno ao lado de sua casa. Trabalhou desde 1965 na Rede de Armazéns Gerais Ferroviários e veio para Paranavaí em 1982, permanecendo na empresa até ser desativada em 1992. “Era um movimento muito grande de café naquele barracão”, lembra Schiavo.
Tanto Rotondo como Schiavo dizem que “a gente tinha esperança de o trem chegar a Paranavaí, embora alguns dissessem que o solo (tipo Arenito Caiuá) não favorecia a ferrovia”.
Em 1992, quando a Rede foi desativada, todos os funcionários foram convocados para o acerto. “Confesso que chorei”, lembra Rotondo. “Todos gostavam muito da AGF e a gente ainda se lembra com saudade da empresa”, frisa Schiavo.