Brasileiros foram visitas ilustres em 15 países

PARTE -3
Nas duas partes anteriores (1 e 2) desta série de reportagens, resumimos a biografia do ex-paranavaiense Mário Fava e a missão para a qual ele e seus outros dois companheiros foram convidados para estabelecer um traçado para a futura Rodovia Pan-Americana ou Carretera Panamericana. Hoje continuamos a descrever a extraordinária aventura iniciada em 16 de abril de 1928 no Rio de Janeiro e que durou 10 anos.  

A VIAGEM
Henry Ford já era um dos homens mais ricos e famosos do mundo quando, em junho de 1937, fez uma proposta a Leônidas Borges de Oliveira, um paulista de Descalvado, tenente do Exército brasileiro.
O pioneiro da indústria automobilística queria guardar em seu museu em Detroit os dois carros fabricados pela Ford que haviam transportado até os Estados Unidos não só Oliveira como seus dois companheiros brasileiros – o observador Francisco Lopes da Cruz e o mecânico Mário Fava que, depois da aventura, veio morar em Paranavaí. E pagaria por eles o valor que fosse.
Apesar da oferta tentadora, o diplomático Oliveira se mostrou irredutível. O negócio não seria possível. Era seu dever, como comandante da Expedição Automobilística Brasileira pela Estrada Pan-Americana, levar de volta a seu país os dois automóveis modelo T que haviam desbravado 27.631 quilômetros de estradas, picadas, matas, rios e riachos de 15 países nas três Américas, incluindo partes da Cordilheira dos Andes e da Floresta Amazônica.
A aventura começara mais de nove anos antes, em 16 de abril de 1928, quando o trio partiu do Rio de Janeiro rumo aos Estados Unidos. Oliveira era o chefe da expedição, Lopes da Cruz, o responsável pelos equipamentos de navegação e Fava o responsável pelo funcionamento dos dois Fords de quatro portas, batizados com os nomes de Brasil e São Paulo.
Imbuídos do ideal do Panamericanismo, em voga na época, e estimulados pela política do então presidente Washington Luís, cujo lema era “Governar é abrir estradas”, os três conquistadores tinham como missão descobrir, projetar e abrir a rota onde futuramente seria construída uma rodovia para interligar as Américas.
“Nenhum dos três tinha noção da distância e das dificuldades que enfrentariam nesse período, mas acabaram fazendo o maior projeto de engenharia do século 20”, resume, entusiasmado, José Roberto Faraco Braga, o Beto Braga, empresário brasileiro que descobriu a saga dos expedicionários por acaso em Santa Cruz de la Sierra (na Bolívia), e lançou em 2011 o livro “O Brasil Através das Três Américas” (Canal 6 Projetos Editorais). O nome do livro foi o mesmo dado por Oliveira a seu diário.
A partida é descrita pelo comandante da seguinte maneira: “As rodas do automóvel rodaram pela terra e nós, sobre o frágil aparato, nos revestimos com a seriedade de três conquistadores, pois assim chegaram à América nossos avós a bordo de caravelas, vencendo o mar adverso e superando as calamidades do coração”.
Boa parte do caminho foi aberta a pás, picaretas e bananas de dinamite. Oliveira saiu do Brasil com cartas de recomendação do embaixador dos Estados Unidos, Edwin Morgan, e do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Octávio Mangabeira. Ao chegar a um novo país, o trio costumava ir até o quartel local recrutar mão de obra. Militares, policiais e civis ajudavam a abrir caminhos – alguns por vontade própria, outros recrutados pelos exércitos locais.
“Todos os cidadãos tinham de contribuir com três dias por ano para a conservação dos caminhos. Os soldados não só colaboravam, como também recrutavam civis para trabalhar. Em alguns locais foram formados verdadeiros batalhões, com dezenas de homens”, conta Braga. Trilhas incas e rotas desbravadas no passado por colonizadores espanhóis eram anexadas ao traçado.
Pelos 15 países por onde passaram, os expedicionários foram tratados como visitas ilustres. Como jornais costumavam avisar de sua chegada com dias de antecedência e apregoavam com entusiasmo o progresso que a rodovia poderia trazer, uma multidão costumava recepcioná-los.
Assim, o trio que entre uma cidade e outra enfrentava todo tipo de percalço – de frio a acidentes, de mosquitos a ataques de índios e animais, de doenças a falta de combustível, pneus e peças – adotava por alguns dias roupa social, charutos e pose de celebridade em coquetéis e jantares oferecidos pelos presidentes locais e por várias outras autoridades. Neles, muitas vezes também recebiam ofertas de dinheiro e de apoio logístico, sobretudo manutenção para o carro e serviços de correio, telégrafo e confecção de mapas.
“Num momento atacados por mosquitos, malária, paludismo, eles tinham certeza de que não sobreviveriam; no outro, eram aclamados. Todos queriam que a rodovia chegasse à sua cidade, tinham ideia do progresso que o automóvel traria”, explica Braga.
E como eles conseguiam os ternos para os encontros com autoridades? “Essa é uma verdadeira incógnita”, continua o escritor. “Impossível terem ternos em bom estado depois de cada etapa de viagem. As cidades dificilmente também teriam lojas com ternos prontos. O mecânico Mário Fava me contou que o terno que ele usou em Lima no Peru foi presente do embaixador brasileiro Vasco Leitão da Cunha. Pode ser que em outros países também tenham recebido trajes presenteados pelos diplomatas brasileiros.”
Em Washington, ponto final da expedição, Oliveira, Fava e Lopes da Cruz foram recebidos por ninguém menos que Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, a quem mostraram o mapa da Estrada Pan-Americana e apresentaram um plano para viabilizá-la financeiramente. Dele, receberam uma carta de reconhecimento à expedição. A foto do registro do encontro na Casa Branca até hoje pode ser acessada no site da biblioteca do Congresso americano.
Os brasileiros também se reuniram e posaram para fotos com os ministros Cordel Hull (Estado), Harry Woodring (Defesa) e várias outras autoridades pelo país. Em Cleveland, conseguiram uma autorização especial para dirigir assinada pelo “intocável” Eliot Ness, o agente que perseguiu o mafioso Al Capone. Na Ford Motor Company, além de receberem o tentador cheque em branco de Henry Ford e contarem em detalhes as aventuras da expedição, puderam conhecer em primeira mão a moderna linha de montagem do automóvel V8, um sucesso na época. (Texto: SB)
(Na próxima edição – Fava, um herói da expedição Pan-Americana)