BREVE DEGUSTAÇÃO VERBAL DO VINHO
Os primeiros registros oficiais sobre o vinho datam de aproximadamente 6.000 a.C. e foram encontrados no antigo Egito.
Nos templos sagrados egípcios, o vinho fazia parte das oferendas aos deuses e estava presente na maioria dos rituais. O consumo era restrito aos faraós, à nobreza e aos sacerdotes. Essa restrição não se devia ao valor material do vinho, mas sim à crença de que continha características divinas associadas principalmente ao deus Osíris e por isto devia ser consumido apenas por seres especiais que poderiam comungar com o próprio Deus.
A videira perde suas folhas no inverno, luta arduamente contra as intempéries e uma vez que já não demonstra vida, ressurge com seus brotos cheios de energia e seus frutos abundantes.
Da mesma forma, Osíris ressurge da região dos mortos como Deus que transcendeu a divindade ao lutar e vencer a própria morte, adquirindo assim, no panteão egípcio, a qualidade de divindade que “gera” e que “traz à luz”. Esta condição adquirida por Osíris era celebrada a cada ciclo de vida e morte associada às enchentes do Nilo. Igualmente, a vinha “morria” e “ressuscitava” e o produto mais perfeito das videiras, o vinho, trazia alegria, aplacava os espíritos, abençoava as colheitas e representava a própria natureza forte e regeneradora do Deus ressuscitado.
Esta analogia entre essência de vida e força regeneradora ultrapassou os séculos e se tornou ainda mais aceita com o surgimento dos ritos dionisíacos. Dionísio (ou Baco) foi um amante da cultura da uva e de seus derivados. Filho de Zeus e de uma mortal, andou pelos quatro cantos da terra tentando difundir os benefícios da “bebida" dos deuses. Infelizmente os ritos dionisíacos se tornaram degenerados com o uso abusivo do álcool, mas incialmente não era o objetivo da apreciação primordial do vinho.
Nas culturas ditas pagãs e com o surgimento do cristianismo, a associação entre o vinho e essência da vida passa a fazer parte dos dogmas religiosos.
A celebração dos rituais e a unção eucarística santifica o produto das videiras, sendo que, a representação máxima desta religiosidade foi traduzida por Cristo quando disse: “Este é o meu Corpo”, “Este é o meu Sangue” referindo-se sucessivamente ao pão e ao vinho. O vinho passa então a representar a condição material mais perfeita e sublime dentre todas as oferendas ritualísticas, pois encerra em sua essência, não apenas a vida, mas sim o “Sangue do Cordeiro de Deus", derramado para redimir os pecados do mundo.
Em verdade, o sangue de Cristo é a representação máxima da essência ou do espírito superior. É a divindade ascendida e redimida através de suas próprias dores e expiações. É a consciência liberta além dos limites da matéria e dos próprios desejos. É a redenção dos pecados e das imperfeições da alma.
Em todas as épocas e em quase todas as culturas, celebra-se a vida com vinho. Atualmente pode-se observar o poder sublime do vinho através da busca de suas nuances mais profundas nas degustações e nos estudos contínuos de enófilos e enólogos.
Na prova de um bom Merlot é possível perceber inúmeras variações frutadas e cores belíssimas; ao experimentar um Cabernet Sauvignon aromas fantásticos são apresentados ao nosso olfato e podem variar de frutas vermelhas ao cedro, anis e à oliveira. Os vinhos brancos (Sauvignon Blanc, Gewurztraminer, Chardonnay, etc.), de uma refrescância fantástica, levam nossos sentidos a perceber toda a leveza de sabores e aromas cítricos, herbáceos ou de frutas verdes.
Enfim, consumido como uma bebida comum ou nas ritualísticas modernas de degustação, o vinho continua criando o milagre da percepção e da elevação dos sentidos.
Em cada prova, em cada gole é possível perceber a riqueza de sensações maravilhosas que são despertadas. O vinho canta, o vinho exalta, o vinho aquece e quando devidamente apreciado nos aproxima de sentimentos muito característicos e em nada distantes da antiga busca pela vida e pela essência encerrada em cada taça.
Apreciar com moderação e agradecer ao milagre da transubstanciação de cada dia é o presente de Deus não só através dos frutos da vinha, mas em toda a sua criação. Cabe a nós percebermos esta benção. Saúde, bons vinhos e lembremos sempre “In vino, veritas”.
Colaboração de Edeni Mendes da Rocha