Carretera de 28 mil km em dois valentes calhambeques
Robusto, resistente e de mecânica simples, o Ford modelo T era um calhambeque dos mais valentes. Simples de dirigir, carregava até cinco ocupantes.
Equipado com um motor de quatro cilindros, com 20 cavalos de força, tinha duas marchas para a frente e uma a ré e conseguia atingir 75 km/h. Foi criado para enfrentar a precariedade das estradas da época e revolucionou a indústria.
Lançado nos Estados Unidos em outubro de 1908, deixou de ser fabricado em maio de 1927, após a venda de 15.458.781 de unidades. Já no primeiro ano foram 10.660, um recorde. No fim de 1913, metade dos automóveis comercializados no Brasil era do modelo T.
No início, havia cinco cores disponíveis: preto, azul, vermelho, verde ou cinza. No final, com a necessidade de aumentar a produção e reduzir custos, sobrou só uma opção, detalhada na frase célebre de Henry Ford: “Pode-se escolher qualquer cor desde que seja preto”.
Quando a Expedição Brasileira da Estrada Pan-Americana começou, o carro batizado de Brasil já havia circulado por dez anos pelo Rio de Janeiro. Propriedade do jornal O Globo, era usado para distribuir notícias matutinas e vespertinas e foi doado aos expedicionários pelo então diretor-redator-chefe, Eurycles de Mattos.
“Em seus primeiros dez anos, o Ford distribuiu notícias; nos dez anos seguintes, foi ele próprio a notícia”, lembra o escritor Beto Braga.
Com a doação, O Globo passou a ser o patrocinador oficial da empreitada e foi diante da sede do jornal que a expedição partiu, às 13 horas do dia 16 de abril de 1928, uma segunda-feira, em meio a uma pequena multidão e ao som de composições musicais tocadas pela Banda Marcial.
A edição das 19 horas do jornal, impressa no mesmo dia, trazia na primeira página a imagem de uma multidão cercando o Ford T e a seguinte manchete: “Iniciando o brilhante “raid” de automovel Rio-Nova York”.
Logo abaixo, três linhas de texto explicavam: “A gravura acima é uma reprodução fiel da hora da partida para o raid Rio-Nova York do tenente Leonidas Borges de Oliveira e seus companheiros. Vê-se o povo em massa cercando o carro Ford, que vae fazer o raid e onde, de pé, está o apaixonado excursionista, que foi muito acclamado”.
Adornado com as bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos, o valente Ford T tomou o rumo de São Paulo impulsionado pelo motor de número 3099101. Ao chegar à capital paulista, ganhou o apoio de uma caminhonete, também da linha T da Ford.
Doado pelo Jornal do Comércio, o veículo batizado com o nome de São Paulo havia sido fabricado em 1925 e levava no motor a numeração 13177717. A parada seguinte da expedição ocorreu três horas e meia depois, em Petrópolis, onde foram recepcionados no Palácio Rio Negro pelo presidente Washington Luís. (Texto: SB)
(Próxima edição: Sem conhecer os três desbravadores, outros agora conhecem a Panamericana)