Citricultura saudável

CURITIBA – De uma forma geral, os citricultores paranaenses estão de parabéns, pois diversos especialistas das áreas de sanidade e produção são unânimes em afirmar que a atividade no Estado vive um novo momento na sua história.
Nos últimos anos, atuando de maneira organizada e consciente e utilizando as ferramentas disponíveis para garantir o bom manejo dos pomares, os produtores ganharam produtividade e, consequentemente, elevaram a renda.
Não à toa que o Paraná saltou de quarto maior produtor brasileiro de laranja para a terceira colocação, com uma safra histórica da fruta na temporada 2017/18. E as perspectivas vão além, com projeção de colher mais de um milhão de toneladas na safra atual.
A produtividade dos pomares paranaenses dá um banho no resto do país. Enquanto a média nacional é de 553 caixas (de 40,8 quilos) por hectare, no Paraná essa média é de 923 caixas/ha.
Na verdade, nos últimos anos, Paraná e Bahia vêm se alternando na disputa pelo terceiro lugar do ranking brasileiro da laranja. No
entanto, enquanto nosso Estado dispõe de 25 mil hectares para os pomares, os baianos dispõem de 75 mil ha – três vezes mais.
SANIDADE – A qualidade e a produtividade dos frutos paranaenses têm ligação direta com a sanidade dos pomares e – por consequência – do nível de conscientização dos citricultores. Neste processo houve um elemento catalizador que funcionou como um divisor de águas na atividade, a doença Huanglongbing (HLB), popularmente conhecida como greening.
Na opinião do coordenador de Sanidade da Citricultura da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), José Croce Filho, “o greening funcionou como se fosse uma peneira na atividade.
Quem passou por ele, é quem seguiu a legislação, adotou as técnicas de manejo corretas para combater a doença. Enfim mostrou que era um citricultor. Quem não conseguiu passar por essa peneira, não é citricultor, nunca foi, era só um plantador de laranja”, observa.
Esta é a mesma visão do citricultor João Pasquali, de Alto Paraná, na região Noroeste. “Há uns quatro, cinco anos estava bagunçado. O vizinho tinha greening e não cuidava. Aí a Adapar pegou no pé do povo e eles foram arrancando. Agora ficou na atividade só quem cuida mesmo do pomar”, avalia.
Segundo a legislação vigente, até 28% de contaminação do pomar elimina-se apenas a árvore doente. Acima deste percentual, todo pomar deve ser erradicado. Por isso a dificuldade de engajamento de muitos produtores, que preferem esconder das autoridades a moléstia, aproveitando a pouca produtividade que os pés apresentarão até se tornarem completamente improdutivos, e, consequentemente, tornando-se mais um foco de contaminação para ele mesmo e os citricultores vizinhos.
Com 240 mil pés da fruta Pasquali chegou a desanimar há alguns anos por conta do greening, que o obrigou a erradicar 18 mil árvores infectadas. “Aí fui para os Estados Unidos com a cooperativa Cocamar ver a laranja. Prestei atenção que lá o povo perdeu toda laranja porque os vizinhos abandonavam o pomar e não arrancavam [as árvores doentes]”, conta.
Com isso, o produtor constatou que é necessário cuidar não só do próprio pomar, mas observar se outros produtores também estão no mesmo caminho. “Os vizinhos que eram ‘meia-boca’ saíram fora da atividade. Só ficou quem cuida de tudo certinho”, observa Pasquali, que renovou suas expectativas com a atividade e, até o próximo ano pretende expandir seu pomar em 100 mil novos pés de laranja.
FORÇA COLETIVA – A necessidade de que todos atuem conjuntamente para combater o greening é fundamental para o sucesso desta empreitada. A doença é considerada a mais destrutiva do mundo para os citrus, responsável pela derrocada da produção citrícola da Flórida, nos Estados Unidos, que registrou nas recentes safras o pior desempenho dos últimos 50 anos. Não há cura ou tratamento para a doença, trata-se de uma sentença de morte para a planta.
A transmissão do greening funciona de maneira semelhante a dengue nos seres humanos. O psilídeo (Diaphorina citri), inseto vetor da doença, suga a seiva de uma árvore infectada e passa a carregar a bactéria fatal. Ao picar uma árvore sadia, transmite a enfermidade. Dessa forma, a melhor estratégia de prevenção é atacar o vetor.
No Paraná, um conjunto de medidas está dando suporte para os citricultores protegerem sua atividade. Uma delas é o uso de pulverizações coordenadas de inseticidas nos pomares. Por meio do alerta fitossanitário desenvolvido pelo Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), os produtores monitoram a população de psilídeo nos pomares por meio da instalação e monitoramento de armadilhas.
Quando o número de insetos adultos chega a um determinado nível de controle, um alerta via celular é emitido para todos os produtores da região, que realizam então uma pulverização sincronizada.

Controle biológico

Outra estratégia para enfrentar o greening é o controle biológico. Desde 2016 o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) produz um parasitóide que ataca o psilídeo na sua fase jovem, contribuindo para a redução da população deste inseto. Em uma unidade de produção em Londrina são “fabricadas” pequenas vespas da espécie Tamarixia radiata, inimiga natural do vetor do greening. “A tamarixia deposita seu ovo na parte central da ninfa do psilídeo. Depois ela emerge por meio de um orifício, matando a ninfa”, explica a pesquisadora do Iapar e entomologista, Ana Maria Meneguin.
Segundo a especialista, a unidade do Iapar produz mensalmente cerca de 100 mil vespinhas, que são soltas de forma coordenada em áreas próximas aos pomares comerciais, de modo a reduzir a população de psilídeos na região. “Não adiantaria soltar diretamente nos pomares comerciais, pois as pulverizações acabariam atingindo as Tamarixias também”, observa Meneguin.  Com isso, a estratégia é soltar as vespinhas em pomares abandonados e áreas urbanas próximas onde existem árvores de citrus e/ou murta, uma planta decorativa que funciona como hospedeira do psilídeo. Ainda segundo Meneguin, desde que começou a produção de Tamarixias pelo Iapar, já foram liberadas mais de 1,6 milhão de vespinhas, principalmente nas regiões Norte e Noroeste do Estado, onde se concentra a citricultura paranaense.
A estratégia de controle biológico tem como parceiros a cooperativa Cocamar e a Citri Agroindustrial, mas diversos produtores e empresas se beneficiam da medida. Segundo Robson Luiz Ferreira, engenheiro agrônomo e coordenador técnico de culturas perenes da Cocamar, a medida vem dando resultado. Com 300 cooperados citricultores, Ferreira observa como bom indicador as reformas realizadas nos pomares. “Se o produtor tem um pomar de 20 anos e está renovando, é porque a atividade é rentável”, afirma.

Regras sanitárias

Para isso é preciso seguir à risca as regras sanitárias. “Nos pomares comerciais o produtor tem que estar atento, fazer inspeções trimestrais e erradicar as plantas doentes. Quanto mais precoce ele detectar e eliminar, mais longevo será o pomar”, observa Ferreira, acrescentando que faz bem olhar além da cerca da propriedade.
“Também é preciso fazer ações junto à vizinhança. Muitos produtores vão nos vizinhos, observam se tem planta de citrus e pedem para erradicar para eliminar possíveis focos de greening”, diz.
Essa mesma estratégia é mencionada pelo analista de custo da empresa Prat’s, que produz suco de laranja em Paranavaí, na região Noroeste, Júnior César Janunzzi.
Com uma produção aproximada de 2 milhões de caixas de laranja por safra, o profissional conta que o controle sanitário é feito não apenas nos pomares e áreas arrendadas, mas também nas propriedades ao redor. “Fizemos este trabalho há cerca de um ano e meio.
Se encontrasse um pé infectado, pedíamos autorização do proprietário para cortar esse pé. Aqui na região cortamos muitos”, afirma.
A empresa também utiliza as pulverizações coordenadas e o controle biológico do psilídeo. Assim como outros especialistas ouvidos pela reportagem, Janunzzi é categórico ao afirmar que as estratégias para combater o greening “só vão dar certo se forem realizadas em conjunto”.

NÚMEROS

923
caixas/ha
Essa é a média de produtividade no
Paraná, enquanto a nacional fica
na casa dos 553 caixas/ha

1,6 milhão
de vespinhas já foi solta pelo Iapar
em pomares do Paraná para ajudar no
controle biológico do greening