Comunidade Católica de Paranavaí reverencia o Santo Protetor
A comunidade católica de Paranavaí reverencia na data de 20 de janeiro São Sebastião, adotado como seu protetor e padroeiro da sua primeira e maior Paróquia. São Sebastião (que viveu entre os anos 256 e 286 da Era Cristã) era natural de Narbonne (França), e cidadão de Milão (Itália), foi morto durante a perseguição aos cristãos levada a cabo pelo imperador romano Diocleciano. O seu nome deriva do grego sebastós, que significa divino, venerável (que seguia a beatitude da cidade suprema e da glória altíssima). Como santo, seu nome tem sido invocado ao longo do tempo e venerado como o padroeiro contra a peste, fome e guerra. As cidades de Milão, em 1575, e Lisboa, em 1599, acometidas por pestes epidêmicas, viram-se livres desses males após atos públicos suplicando a intercessão deste grande santo.
A fé cristã elegeu São Sebastião protetor de Paranavaí ainda nos tempos da Fazenda Brasileira, no início da formação da comunidade, e seu nome foi escolhido como padroeiro da primeira Paróquia por força da tradição e do clamor popular, impregnado pelo sentimento tradicional decorrente de acontecimentos relacionados a determinadas situações vividas no período de pioneirismo. Não bastassem as invasões perpetradas por quadrilheiros, que condenavam e executavam sumariamente os contrários na colonização, ainda havia as epidemias: tifo, febre amarela, leichmaniose (também chamada “úlcera de Bauru” ou calabar), que dizimava a população, doenças comuns a cães e humanos, contagiados por “mosquitos palha” ou “mosquitos birigui”.
Tais epidemias levavam a população a aprofundar-se na sua fé religiosa e nas crendices populares, apegando-se aos santos e aos deuses das suas crenças como último recurso diante da inexistência de conhecimentos científicos e de atendimento médico profissional. População pioneira eminentemente católica, apegou-se ao santo protetor contra as pestes, a fome e as guerras: São Sebastião. Assim, quando instalada a Paróquia, em 1951, a crença em São Sebastião já estava instalada entre a população local há muito tempo, ainda perdurando e festejada com fé em Paranavaí, que está entre as 144 cidades brasileiras ou paróquias que elegeram São Sebastião como padroeiro e protetor.
Até receber os primeiros padres e ser criado oficialmente o município, em 14 de novembro de 1951, Paranavaí viveu e sofreu toda sorte de acontecimentos que caracterizam a história da colonização e do pioneirismo. Foram marcantes o êxodo de 1929 e as epidemias, mormente a de 1944. Em todas elas a população pedia a proteção de Deus, Jesus Cristo e a Virgem Maria, bem como a proteção do padroeiro contra as epidemias.
Ao longo do tempo o Diário do Noroeste tem publicado entrevistas com pioneiros de Paranavaí. Numa dessas, publicada em 14/12/1977, o pioneiro João da Silva Franco (*13/05/1903) relatou o grande surto de Leichmaniose ou “doença de Bauru”, ou “calabar”, que quase dizimou o povoado em 1945. Franco chegou à Fazenda Brasileira um ano antes, em 1944. No seu relato ao Diário do Noroeste, dizia: “Aqui não havia médico nem farmácia. Era uma ilha isolada na mata virgem. A ferida era uma epidemia. Mandaram fazer um levantamento das pessoas feridentas para levar a Curitiba. No primeiro caminhão saíram noventa e tantas. Muitos morreram por lá, outros voltaram. Eu resisti – disse – lavava as feridas com água de peroba, água de guaiçara e fui melhorando. Mas chegaram a ameaçar. Quem não quisesse ir para Curitiba seria despejado daqui para fora. Fiquei porque não tinha com quem deixar a mulher e os filhos”.
A região foi assolada também pela varíola, no ano anterior, como lembrava em outra entrevista o administrador da Companhia de Terras, Hugo Doubeck, que havia se instalado aqui para colonizar a Fazenda Brasileira. Doubeck era marceneiro, mas nos cinco anos em que aqui permaneceu, acabou se tornando administrador, conselheiro, médico, farmacêutico, enfim, fez de tudo, porque aqui não havia quase nada. Doubeck relatou que o primeiro morto por varíola foi levado para Londrina, porque aqui não havia cemitério. Recebeu uma reprimenda, porque a doença era temida, devido à possibilidade de contaminação. O delegado de Polícia de Londrina, então tenente Acchiles Pimpão Ferreira, que tinha jurisdição sobre toda esta região, de Londrina a Guaíra, mandou enterrar o corpo e determinou que fosse feito um cemitério para que os mortos fossem enterrados aqui mesmo. As constantes epidemias levaram o Governo a enviar ajuda para a Fazenda Brasileira: o enfermeiro Eurico Hummig era guarda-sanitário em Curitiba, depois o médico Pedro Vicentine, que pediu demissão e foi substituído pelo médico Aguilar Arantes. Hugo Doubeck contava em seu depoimento que a epidemia de Leichmaniose ou “úlcera de Bauru” ou “calabar” matou muita gente e deixou muita gente marcada para o resto da vida: homem, mulher, criança…Muitos ficaram com as orelhas e os narizes deformados. Todos os dias eles atendiam “mais de 50 pessoas, e o médico foi experimentando os remédios que havia, até o tratamento começar a dar resultado”, relatava Doubeck.
Quando foi construída a primeira capela, São Sebastião já era muito popular por aqui, mercê das epidemias, das mortes motivadas pela disputa de terras, pelas crises econômicas, como a de 1929, pela inconstância da colonização, ora nas mãos de empresas particulares, ora nas mãos do Governo, e pela guerra mundial, dos anos 1939-1945. O santo foi adotado como protetor da população da Fazenda Brasileira com naturalidade, e ficou.
Quando chegou a Paranavaí em 1951, frei Ulrico Goevert, o primeiro pároco, fez consultas para escolher um padroeiro. Concluiu que a população já havia feito a escolha e aceitou, segundo disse numa das entrevistas ao Diário do Noroeste.
(Texto: SAUL BOGONI, jornalista, professor, mestre em Letras/UEM)