Cristovam defende mais reflexão sobre futuro do país

BRASÍLIA – Em 2015, a Comissão Permanente Senado do Futuro “dirá a que veio”. A promessa é do relator da comissão, senador Cristovam Buarque (PDT-DF), para quem “valeu e vale a pena” estimular o debate sobre o tema.
Criada há pouco mais de um ano, a comissão destina-se a discutir, com a participação de especialistas, alternativas que contribuam para a melhoria das instituições e o bem-estar da população. O trabalho do colegiado foi prejudicado em 2014 pelo calendário apertado em razão da Copa do Mundo e das eleições.
“Ano passado foi o não ano. Primeiro a Copa do Mundo, depois o recesso, depois eleições. Aí depois o recesso de novo. Impossível fazer qualquer coisa”, explicou Cristovam Buarque.
Em entrevista à Agência Senado, Cristovam afirmou que discutir o tema “futuro”, quase sempre ausente dos debates rotineiros nas comissões e do Plenário, com a possibilidade de formação de pensamento estratégico e de longo prazo, é uma grande e valiosa oportunidade. Melhor ainda é poder levar o assunto ao grande público, por meio dos veículos de comunicação da Casa.
“Somos muito prisioneiros do presente, até porque o político tem que se submeter a eleições a cada quatro anos. E o político que começa a trabalhar propostas para daqui a 20 anos não ganha eleição. Um dos maiores problemas da democracia é que nós, políticos, trabalhamos com o presente e com o local, onde estão nossos eleitores, preocupados com o próximo ano. E no mundo hoje os problemas são planetários e de longo prazo”, analisou.
A criação da Comissão do Futuro foi uma iniciativa do próprio senador, inspirado por projeto semelhante do Parlamento chileno, chamada “Desafios do Futuro”. Ele falou sobre ética e política num dos eventos da comissão chilena.
A ideia logo foi encampada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Aprovado rapidamente, o colegiado foi instalado em setembro de 2013 sob a presidência do senador Luiz Henrique (PMDB-SC).
Além de querer permanecer na relatoria, Cristovam defende a recondução do atual presidente, uma escolha considerada acertada porque “Luiz Henrique tem cabeça de futuro e pensa no longo prazo”.
“Neste ano é que acho que a comissão vai dar o grande salto. Quero sugerir ao senador Luiz Henrique fazer uma série de debates sobre por que a região do Vale do Silício [EUA] se transformou no centro das maiores empresas do mundo inteiro sobre alta tecnologia”, destacou Cristovam.
A eleição para a nova presidência das comissões ocorrerá no início dos trabalhos legislativos, em fevereiro.
PACTO FEDERATIVO – A primeira audiência pública da comissão, realizada em outubro de 2013, discutiu o pacto federativo brasileiro e sugestões para aumentar a eficiência da economia e reduzir as desigualdades regionais e sociais.
Fernando Rezende, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), considerou equivocada a estratégia de reformas fatiadas, de simples repartição de recursos, e defendeu uma agenda de mudanças com base em diagnóstico abrangente sobre a divisão dos encargos entre municípios, estados e União.
No diagnóstico das causas dos atuais conflitos federativos, Rezende disse que os entes federados perderam espaço para decidir sobre o uso de recursos orçamentários. Para ele, há crescente interferência do governo federal nas finanças estaduais e municipais, com a estipulação de pisos salariais a serem pagos por estados e municípios e desonerações que reduzem as transferências constitucionais.
Segundo o professor, o novo modelo de federalismo fiscal deve recuperar a noção de um sistema tributário nacional, reconstruir a sistemática de transferências e aperfeiçoar o regime de garantias financeiras dos direitos sociais. Além disso, teria de ajudar os entes federados a recuperar a capacidade de formular e executar políticas públicas e contribuir para a adoção de uma nova política de desenvolvimento regional.
A construção do equilíbrio federativo, disse ainda Rezende, deve ser baseada na coesão entre os entes federados, na isonomia de oportunidades de ascensão social e na cooperação em formulação e gestão das políticas públicas, entre outros fatores.
PARTICIPAÇÃO POPULAR – A participação popular e o futuro da democracia também foram discutidos pelo colegiado, em novembro de 2013. Para o presidente e fundador da Associação Internacional para a Participação Pública, James Creighton, o poder público, antes de tomar uma decisão de grande impacto, deve levar em conta os valores que a sociedade julga importantes.
Ele considera fundamental haver um equilíbrio entre os aspectos técnicos e econômicos das questões e as alternativas apresentadas pela comunidade que será diretamente afetada.
O consultor defendeu um amplo processo de discussão para alcançar os melhores resultados e aumentar a confiança e o envolvimento das pessoas com a gestão pública. Na opinião de Creighton, muitas vezes é mais fácil tomar uma decisão unilateral, mas, posteriormente, as instituições precisam despender muito mais tempo para convencer os cidadãos sobre as possíveis vantagens daquela atitude.
Com a participação popular, ainda que isso seja um mecanismo informal, o público fica comprometido com a decisão, o que reduz custos e prazos e garante mais sustentabilidade aos projetos.
ENSINO SUPERIOR – Também em novembro de 2013 os desafios do ensino superior foram discutidos na comissão. Valorização dos profissionais da educação, promoção do intercâmbio de estudantes, incentivo à educação a distância, concessão de estímulos para entrada de professores estrangeiros foram algumas das sugestões apresentadas na audiência pública “O Brasil que queremos e o ensino superior: desafios e oportunidades”.
A necessidade de uma gestão mais profissional da educação, especialmente das universidades, e a permissão para que empresas possam deduzir do imposto de renda investimentos em educação e pesquisa também foram medidas apontadas para melhorar o ensino superior.

O momento do Brasil é agora

Em 2014, a Comissão Senado do Futuro promoveu, com a Comissão de Educação, debate com o sociólogo italiano Domenico De Masi. Segundo De Masi, o momento do Brasil é agora, o futuro do país já chegou e o Brasil tem ferramentas para oferecer a um “mundo desorientado” um novo e pouco conhecido modelo de vida.
De acordo com o sociólogo, o Brasil busca constantemente o conhecimento e a sabedoria, uma das boas características do “modelo brasileiro”, assim como a mestiçagem, em um mundo cheio de conflitos raciais, e a contemplação da beleza. De Masi também criticou a soberba europeia, que renega outras culturas. Cristovam, que é amigo de De Masi, afirmou que o estudioso é “otimista demais em relação ao Brasil”.
“Gostaria que fosse verdade, mas não estou tão otimista”, brincou, ao comentar a audiência pública realizada em maio. (por Elina Rodrigues Pozzebom, da Agência Senado)