CURANDO A INVEJA (1Cor 13,4-7)

95. Em seguida rejeita-se, como contrária ao amor, uma atitude expressa como zeloi (ciúme ou inveja). Significa que, no amor, não há lugar para sentir desgosto pelo bem do outro (At 7,9; 17,5).
A inveja é uma tristeza pelo bem alheio, demonstrando que não nos interessa a felicidade dos outros, porque estamos concentrados exclusivamente no nosso bem-estar.
Enquanto o amor nos faz sair de nós mesmos, a inveja leva a centrar-se em nós próprios. O verdadeiro amor aprecia os sucessos alheios, não os sente como uma ameaça, libertando-nos do sabor amargo da inveja. Aceita que cada um tenha dons distintos e caminhos diferentes na vida; e, consequentemente, procura descobrir o seu próprio caminho para ser feliz, deixando que os outros encontrem o deles.
96. Em última análise, trata-se de cumprir o que pedem os dois últimos mandamentos da Lei de Deus: “Não cobiçarás a casa do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma do que lhe pertença” (Ex 20,17). O
amor leva-nos a uma apreciação sincera de cada ser humano, reconhecendo o seu direito à felicidade. Amor aquela pessoa, vejo-a com o olhar de Deus Pai, que nos dá tudo “para nosso bom uso” (1Tm 6,17), e consequentemente aceito, no meu íntimo, que ela possa usufruir de um momento bom.
Entretanto, esta mesma raiz do amor leva-me a rejeitar a injustiça de alguns terem muito e outros não terem nada, ou induz-me a procurar que os próprios descartáveis da sociedade possam viver um pouco de alegria. Mas isto não é inveja; são anseios de equidade.
SEM SER ARROGANTE NEM SE ORGULHAR
97. Segue-se o termo perpereuetai, que indica vanglória, desejo de se mostrar superior para impressionar os outros com atitude pedante e um pouco agressiva. Quem ama não só evita falar muito de si mesmo, mas, porque está centrado nos outros, sabe manter-se no seu lugar sem pretender estar no centro.
A palavra seguinte physioutai – é muito semelhante, indicando que o amor não é arrogante. Literalmente afirma que não se “engrandece” diante dos outros; mas indica algo de mais sutil. Não se trata apenas de uma obsessão por mostrar as próprias qualidades; é pior: perde-se o sentido da realidade, a pessoa considera-se maior do que é, porque se crê mais “espiritual” ou “sábia”.
Paulo usa este verbo em outras ocasiões, para dizer, por exemplo, que “a ciência incha”, ao passo que “o amor é que constrói” (1Cor 8,1). Por outras palavras, alguns se julgam grandes, porque sabem mais do que os outros, dedicando-se a impor-lhes exigências e a controlá-los; quando, na realidade, o que nos faz grandes é o amor que compreende, cuida, integra, está atento aos fracos.
Em outro versículo, usa-o para criticar aqueles que “se encheram de presunção” (1Cor 4,18), mas, na realidade, têm mais palavreado do que verdadeiro “poder” do Espírito (1Cor 4,19).
98. É importante que os cristãos vivam isto no seu modo de tratar os familiares pouco formados na fé, frágeis ou menos firmes nas suas convicções. Às vezes, dá-se o contrário: as pessoas que, no seio da família, se consideram mais desenvolvidas, tornam-se arrogantes insuportáveis.
A atitude de humildade aparece aqui como algo que faz parte do amor, porque, para poder compreender, desculpar ou servir os outros de coração, é indispensável curar o orgulho e cultivar a humildade. Jesus lembrava aos seus discípulos que, no mundo do poder, cada um procura dominar o outro, e acrescentava: “Entre vós não deverá ser assim” (Mt 20,26). A lógica do amor cristão não é a de quem se considera superior aos outros e precisa fazer-lhes sentir o seu poder, mas a de “quem quiser ser o primeiro entre vós, seja vosso escravo” (Mt 20,27).
Na vida familiar, não pode reinar a lógica do domínio de uns sobre os outros, nem a competição para ver quem é mais inteligente ou poderoso, porque esta lógica acaba com o amor. Vale também para a família o seguinte conselho: “Revesti-vos de humildade no relacionamento mútuo, porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes” (1 Pd 5,5).

AMORIS LAETITIA
SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
PAPA FRANCISCO.