Deputados e governo discutem alternativa para o fator previdenciário

BRASÍLIA – Treze anos depois de entrar em vigor em meio a muita polêmica, o fator previdenciário pode estar chegando ao fim. Deputados e governo buscam um acordo que permita votar, após as eleições municipais, o projeto (PL 3299/08) que acaba com o mecanismo usado na concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
O acordo se encaminha para a aprovação da fórmula proposta pelo deputado licenciado Pepe Vargas (PT-RS), atual ministro do Desenvolvimento Agrário, chamada de “regra 95/85”.
A regra estabelece que o trabalhador poderá se aposentar quando o somatório da idade e do tempo de contribuição for de 95 para homens e 85 para mulheres. Por exemplo, o homem poderá requerer a aposentadoria quando tiver 60 anos de idade e 35 de contribuição.
Atualmente, para evitar que o fator reduza a aposentadoria, um homem de 60 anos precisa ter 40 anos de contribuição ao INSS. A fórmula integra o substitutivo que Vargas apresentou ao PL 3299 na Comissão de Finanças e Tributação e que nunca foi votado.
O governo informou aos líderes da base aliada, em junho, que concorda com o fim do fator, mas em troca quer a aprovação de uma idade mínima para requerer aposentadoria e não concorda com a retroatividade do fim do fator.
Ou seja, os que se aposentaram com as regras atuais não se beneficiariam com a sua extinção. As mudanças nas regras previdenciárias seriam feitas por meio de uma emenda substitutiva durante a votação do projeto no Plenário da Câmara. Segundo o Executivo, a emenda reduziria o impacto fiscal provocado pelo fim do fator previdenciário.
DÚVIDAS – Para os parlamentares, a regra 95/85 é a que obteve o maior consenso até agora entre as dezenas de projetos que tramitam na Câmara e no Senado sobre o fim do fator, e por isso tem maior chance de ser aprovada. Mas ainda restam algumas dúvidas.
Por exemplo, o substitutivo do deputado Pepe Vargas estabelece que o valor da aposentadoria, uma vez cumprida a fórmula 95/85, será calculado pela média simples de 70% das maiores remunerações do trabalhador. Atualmente, o valor é dado sobre a média de 80% das maiores remunerações.
A diferença é significativa. Um percentual maior dilui os salários do contribuinte durante a vida laboral, fazendo com que a média final seja menor. Não é por outro motivo que o movimento de aposentados defende a restauração do cálculo que havia antes da entrada em vigor da lei do fator (9.876/99), quando a aposentadoria era definida pela média dos 36 últimos salários.
Também não está claro se haverá algum mecanismo para alterar, ao longo do tempo, a soma 95/85, incorporando o aumento da expectativa de vida da população.
“O fator é uma crueldade com o aposentado”, reclama o deputado Chico Alencar (Psol-RJ). Segundo ele, a fórmula proposta por Pepe Vargas, ainda que não seja a ideal, “é mais do que razoável”.
O senador Paulo Paim (PT-RS) também concorda com a regra 95/85. Ele é autor do primeiro projeto que originou a discussão do fim do fator no Congresso, em 2000, quando ainda era deputado. O texto original apenas extinguia a aplicação do fator e acabou arquivado na Câmara (PL 3746/00).
Segundo o senador, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva também concordava com a substituição do fator pela regra 95/85, mas o debate não teria avançado no seu governo porque as centrais sindicais eram contra o mecanismo discutido na Câmara.
Hoje, a situação seria diferente. “Todas as centrais e federações estão entendo que este é o caminho viável. Espero que neste ano, de uma vez por todas, a gente destrua esse maldito fator, que é um crime contra o trabalhador”.
VETO – O fim do fator previdenciário já foi aprovado pelo Congresso em 2010. Durante a votação da Medida Provisória 475/09, que reajustava as aposentadorias (transformada na Lei 12.254/10), os parlamentares aprovaram uma emenda que acabava com o fator a partir de 1º de janeiro de 2011. O dispositivo, no entanto,  foi vetado pelo então presidente Lula.

FATOR PREVIDENCIÁRIO
Valor utilizado para definir os benefícios das aposentadorias do INSS. A fórmula para cálculo do fator previdenciário leva em conta a alíquota de contribuição, a idade do trabalhador, o tempo de contribuição à Previdência Social e a expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria (conforme tabela do IBGE). Quanto mais cedo o trabalhador pedir a aposentadoria, menor será o valor do benefício. O fator foi instituído pela Lei 9.876/99 após a Reforma Previdenciária de 1998.

Parlamentares criticam regressividade do fator previdenciário
A principal crítica dos parlamentares ao fator previdenciário diz respeito à “regressividade” do mecanismo, que afeta os trabalhadores pobres, negros ou menos especializados. Isso ocorre porque estes trabalhadores, além de entrarem mais cedo no mercado, não conseguem manter uma contribuição regular para a Previdência, um dos elementos levados em consideração na definição do fator – os outros são a idade do segurado e a expectativa de vida do brasileiro no momento da aposentadoria.
Pela fórmula do fator, quanto menor a contribuição, maior é a redução da aposentadoria. Assim, estes trabalhadores, que representam a parcela mais frágil do mercado de trabalho, se aposentam ao final da vida com uma remuneração menor do que recebiam durante a vida laboral.
“O fator é drástico para os trabalhadores”, critica o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Álvaro Sólon de França. Segundo ele, a aplicação do coeficiente reduz o valor das aposentadorias em 40% para os homens e 30% para as mulheres.
“O objetivo inicial do fator previdenciário, que era eliminar as aposentadorias precoces, não está sendo atingido. Hoje as pessoas se aposentam e continuam trabalhando. O que advogamos é idade mínima somada ao tempo de contribuição”, afirma Sólon.
Para ele, aumentar a idade mínima para se aposentar não resolve. “Isso não seria justo para aquelas pessoas que começam a trabalhar mais cedo”.
Sólon também alerta para a necessidade de discutir se é justo as pessoas se aposentarem e continuarem trabalhando. “Um dos benefícios gerados pela aposentadoria é criar postos de trabalho. Se as pessoas podem se aposentar e continuar trabalhando, você também causa um problema para aqueles jovens que tentam entrar no mercado de trabalho”.

Decisão do TCU e reconhecimento do governo reforçam apelo para fim do fator
O debate na Câmara sobre o fim do fator previdenciário (PL 3299/08) ganhou dois reforços neste ano. O primeiro veio do reconhecimento, feito pelo próprio governo, de que o mecanismo não cumpriu seu objetivo principal de postergar a aposentadoria dos trabalhadores do INSS.
O segundo partiu do Tribunal de Contas da União (TCU), que em um acórdão publicado no início de agosto afirmou que a melhoria das contas da Previdência Social depende mais de um combate à sonegação e à inadimplência do que à aplicação de mecanismos de restrição de acesso aos benefícios, como o fator previdenciário.
A perda de receita provocada pela sonegação e inadimplência chegou R$ 139,2 bilhões em 2009, ano em que a auditoria do TCU se baseia. O valor é a soma de R$ 117,6 bilhões de sonegação e R$ 21,6 bilhões de inadimplência.
Para se ter uma dimensão deste número, ele é mais do que o dobro do superávit primário do setor público obtido em 2009 (R$ 64,8 bilhões) e três vezes superior ao déficit da Previdência do trabalhador da iniciativa privada naquele mesmo ano, que foi de R$ 42,9 bilhões.
O número levou o TCU a recomendar ao Executivo a adoção de ações prioritárias de combate à sonegação e inadimplência.
Para o deputado Chico Alencar (PSol-RJ), o maior problema da Previdência está na gestão de recursos, e não em déficits. “Há um mito sobre os recursos da Previdência, que são muito mal aplicados, desviados, mal geridos”, afirma.
ESTABILIZAÇÃO – O reconhecimento do governo de que o fator pouco influenciou a idade de aposentadoria dos segurados partiu do diretor do Regime Geral do Ministério da Previdência Social, Rogério Costanzi, em audiência pública na Câmara, em março.
Segundo ele, a idade média da aposentadoria pelo INSS se estabilizou em 54 anos entre os homens e em 51 anos entre as mulheres desde 2002. O fator foi instituído em 1999 para coibir as aposentadorias precoces.
De acordo com Costanzi, os trabalhadores preferem se aposentar antes do tempo e continuar na ativa para acumular o valor da aposentadoria e do salário. Também há casos de empregados na faixa dos 50 anos de idade que não conseguem recolocação no mercado de trabalho e acabam sendo empurrados para a aposentadoria precoce.
Uma terceira explicação, apontada por deputados que participaram da audiência, é o FGTS. Os aposentados podem sacar todo o dinheiro depositado no fundo no momento da concessão do benefício. Além disso, os que retornam ao mercado de trabalho têm o direito de sacar todo mês o valor que é depositado pela empresa (8% do salário). Essa possibilidade é permitida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
“O fator nunca cumpriu o que prometeu”, diz o deputado João Dado (PDT-SP). Segundo ele, a simples constatação do governo já é motivo suficiente para acabar com esse mecanismo. O parlamentar acredita que há espaço nas contas públicas para suportar o fim do fator previdenciário.
Segundo Dado, em 1995, o governo gastava 56% da sua receita corrente líquida com pessoal. Em 2012, a previsão é gastar apenas 30%. Essa diferença poderia ser usada para, entre outras coisas, cobrir eventuais despesas provocadas pelo fim do fator. “Tem dinheiro, o que importa é a preferência: a quem importa destinar estes recursos”, afirma Dado.