Diário de Viagem dos Expedicionários da Carretera Panamericana
Nesta parte da saga dos três brasileiros da Carretera Panamericana, focalizamos o Diário da Expedição, que foi objeto da reportagem da jornalista Luciana Garbin para o jornal O estado de S. Paulo. O que diz o diário da expedição:
BRASIL – 16/04/1928 – 02/02/1929 – 2.652 km: Diante de uma pequena multidão e ao som de banda marcial, Leônidas Borges de Oliveira, Francisco Lopes da Cruz e Giuseppe Mario Fava partem em 16 de abril de 1928 da frente do jornal O Globo, no Rio, com um Ford T 1918.
A primeira parada é em Petrópolis, onde são recebidos pelo presidente Washington Luís. Em São Paulo, ganham uma caminhonete Ford T do Jornal do Comércio. Em Bauru, o primeiro contratempo: dinheiro, fotos e documentos são roubados. Já no Pantanal, outro perigo: uma onça ataca Fava e é morta por Lopes da Cruz.
PARAGUAI – 02/02/1929 – 10/06/1929 – 1.402 km: Os expedicionários entram no Paraguai por Pedro Juan Caballero, passam pelo Salto del Guayrá, hoje submerso pelo lago de Itaipu, e enfrentam uma tempestade amedrontadora no nordeste do país, na qual parte do rancho onde dormiam foi levada pelo vendaval.
Após dois meses na mata, chegam a Villa Rica com infecção intestinal e febre. Três dias mais tarde, partem para Assunção, onde o presidente paraguaio José Gugiari os declara “hóspedes de honra”.
ARGENTINA – 10/06/1929 –16/09/1929 – 3.836 km: “Hóspedes oficiais” do país, vivem três meses de tranquilidade em terras portenhas. Em expansão econômica, a Argentina já tem boas rodovias e se mostra muito interessada em completar sua malha rodoviária e ligar Buenos Aires à Carretera Panamericana. Decidem não visitar o Chile, pois concluem que lá o traçado da estrada já havia sido definido pelos índios e conquistadores espanhóis.
BOLÍVIA – 16/09/1929 – 13/10/1929 – 1.035 km: Deslumbram-se com a Cordilheira dos Andes e a fauna da região. Com a ajuda dos cães da expedição, caçam coelhos para comer. Na falta de álcool, abastecem os Fords T com uma mistura de querosene e chicha – bebida alcoólica indígena. Para evitar o ressecamento do motor, Mario Fava usa banha derretida de lhamas e porcos. A quase 4 mil metros de altitude, esvazia os radiadores dos carros à noite para evitar congelamento e, de manhã, derrete o gelo para abastecê-los novamente.
PERU – 13/10/1929 – 07/08/1930 – 3.446 km: Levam quatro meses para atravessar os Andes. Mario Fava escapa duas vezes da morte. Em 21 de outubro de 1929, o carro São Paulo cai num abismo e o mecânico só sobrevive porque o automóvel fica preso a uma árvore. Oito dias depois, o cabo de aço que prendia o São Paulo ao Brasil se rompe e o carro escorrega por um desfiladeiro. Fava escapa por pouco outra vez. No país, Oliveira e Lopes da Cruz também pegam enterite. O trio sobe a 5 mil metros de altitude e percorre 450 km em quatro meses e meio de deserto de gelo. Em junho de 1930, eles chegam a Lima, onde são recebidos pelo presidente peruano Augusto Leguia.
EQUADOR – 07/08/1930 – 16/02/1931 – 1.159 km: São recebidos como heróis na cidade de Loja, onde participam como membros honorários do Congreso de Vialidad del Equador. Em Azuay, sofrem novo acidente e Mario Fava mais uma vez escapa. No acidente, morre o cão Tudor, que foi um dos mascotes da expedição. Em 8 de janeiro de 1931, são recebidos em Quito pelo presidente Isidro Cueva. Após seis meses de viagem e de visitas a vulcões como o Sangay e o Cotopaxi, despedem-se do país.
COLÔMBIA – 10/02/1931 – 12/05/1932 – 2.469 km: Passam quatro meses perdidos na selva. Abrindo picadas a machadadas, viram presas fáceis de mosquitos. Debilitados, conseguem escapar da floresta e da malária com ajuda de índios. Perto de Cali, após ter os pneus enchidos de capim, o automóvel Brasil capota de novo e quase esmaga Mario Fava. Em Bogotá, reúnem-se com o presidente Enrique Herrera. Em Medellín, são homenageados por um cortejo formado por todos os automóveis da cidade. Na Selva de Urabá, têm de cruzar rios com os carros desmontados sobre balsas improvisadas.
PANAMÁ – 12/05/1932 – 02/01/1933 – 970 km: Entram com os dois automóveis desmontados por Puerto Obaldía. Conta o Leônidas Borges de Oliveira em seu diário: “Na região Del Atrato é tão pantanoso o terreno que, no seio da selva milenar, o chão pode tragar um automóvel inteiro”. O trio gasta quase um mês para recompor os dois Ford T e contornar a Cordilheira del Darién. A maior parte da rota é de picadas e montanhas. Em Colón, visitam o Canal do Panamá e encontram atletas brasileiros que seguiam para a Olimpíada de 1932, em Los Angeles. Na capital do país, o presidente Ricardo Jované lhes oferece tratamento de honra.
COSTA RICA – 02/01/1933 – 09/12/1933 – 560 km: Expedicionários ficam impressionados com as riquezas naturais do país. “É uma floresta paradisíaca, amada pelas brisas, que com doces murmúrios a acariciam e a beijam, vestindo-a igual a uma rainha soberana”, diz o diário da expedição. Em 30 de julho de 1933, se reúnem com o presidente Ricardo Oreamuno, que sanciona lei dando ajuda financeira à expedição.
NICARÁGUA – 09/12/1933 – 23/03/1934 – 501 km: Ovacionados pela população, são declarados hóspedes oficiais. Em 19 de fevereiro de 1934, reúnem-se com Augusto Sandino, que lutava contra a ditadura da família de Anastásio Garcia. Dois dias depois, Sandino e os companheiros são fuzilados numa emboscada. Brasileiros presenciam a morte do irmão dele. Em 29 de fevereiro, são recebidos pelo presidente Juan Batista Sacasa, que lhes oferece apoio financeiro e serviços de correio, telégrafo e telefone.
HONDURAS – 23/03/1934 – 01/04/1934 – 187 km: Em apenas oito dias, os expedicionários percorrem os 187 km do trecho hondurenho que faria parte da Carretera Panamericana. Não passam pela capital, Tegucigalpa, que estava fora da rota da futura rodovia, mas recebem apoio do presidente.
EL SALVADOR – 01/04/1934 – 27/05/1934 – 187 km: Os três brasileiros encontram pronto o traçado da Carretera Panamericana no país. O trabalho dos expedicionários é apenas anexar aos estudos da futura rodovia projetos do engenheiro Manuel Harrison, sob as ordens do presidente Maximiliano Martinez, que os recebe em 17 de maio de 1934 em San Salvador.
GUATEMALA – 27/05/1934 – 26/09/1934 – 504 km: Expedicionários prestam homenagem ao general Justo Rufino Barrios, que presidiu a Guatemala de 1873 a 1885. Expedicionários se surpreendem com a beleza da Guatemala, onde passam quase dois meses, anexam 504 km de estradas já prontas ao traçado da Carretera Panamericana e recebem grande apoio popular e de autoridades. Ganham ajuda para consertar os dois carros e confeccionar mapas, além de dinheiro, combustível e franquia telefônica.
MÉXICO – 26/09/1934 – 13/10/1936 – 2.753 km: Expedição chega a Tuxtla Chico, México. Recepção aos expedicionários em Tapachula. Expedição cruza rio do México, com auxílio de moradores locais. Em alguns pontos da viagem, carros tiveram de ser desmontados. Visitam ruínas de Mitla, zona arqueológica de Oaxaca, México, em 1935. Carta do general Plutarco Elías Calles, ex-presidente do México, enaltecendo a importância da expedição brasileira, de 1º de junho de 1935. Chegada da expedição à Cidade do México, em 1936. Expedicionários passam por Pachuca, México, Puerto de Tampico, Monterrey e Torreón. Em várias cidades são recebidos como hóspedes de honra, com bailes, recepções, homenagens e noites em hotéis de luxo. Entre uma localidade e outra, no entanto, enfrentam vários perigos. Em San Jerônimo, Leônidas Oliveira quase morre por infecção intestinal. Na Cordilheira de Oaxaca, o trajeto é aberto à força. A falta de alimento obriga os expedicionários a beber água e comer totopo, uma bolacha indígena. Cruzam vários rios, algumas vezes em cima de balsas. Na Cidade do México, são recebidos por autoridades e recebem franquia postal e telegráfica, além de ajuda com mapas e carros.
ESTADOS UNIDOS – 13/10/1936 – 05/05/1938 – 5.859 km: Visita da expedição à Goodyear Tire Rubber Company, em 22 de setembro de 1937, à National Geographic Society, a August Busch Jr., presidente da Anheuser-Busch, fabricante da cerveja Budweiser, em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, em 1937 a Harry Hines Woodring, ministro da Guerra americano, em Washington, 1938, visita à General Tire & Rubber Company, ao embaixador brasileiro Oswaldo Aranha na Pan American Union, recebem Carta do presidente americano Franklin Delano Roosevelt em 3 de março de 1938. Cidade após cidade, são recebidos como paladinos do desenvolvimento e defensores do sonho pan-americano por representantes de indústrias, revendedoras de automóveis, câmaras de comércio, universidades e autoridades. Em Detroit, se encontram com Henry Ford. O empresário tenta comprar os dois carros, mas Leônidas Oliveira não aceita. Em Cleveland, recebem permissão para dirigir do “intocável” Eliot Ness. Em 3 de março de 1938, são recebidos na Casa Branca pelo presidente Franklin Delano Roosevelt. (Texto: SB)
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