Especialistas condenam palmada, mas dizem que lei não resolve o problema

BRASÍLIA – O hábito de agredir fisicamente uma criança como forma de punição pode provocar sentimentos de inferioridade, baixa autoestima e submissão e não deve ser tolerado.
Entretanto, sancionar uma lei que proíbe a agressão não resolve o problema, na avaliação de especialistas ouvidos pela Agência Brasil. A Lei da Palmada foi aprovada esta semana no Senado Federal
“Entendemos que não é necessária uma lei para dizer que os pais precisam dar limites para os filhos. Bater na criança nunca é a melhor opção. O melhor é orientar, dizer quais são as regras, entendendo que todas as crianças precisam de limites. A Lei da Palmada não é para a criança fazer o que ela quer. Os pais continuam sendo a referência”, avaliou a presidenta da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Luciana Barros de Almeida.
Para ela, no lugar de bater, os pais devem impor autoridade e dar ordens claras. A ideia, de acordo com a pedagoga, é educar as crianças para que não seja necessário puni-las como adultos. A imposição de limites, segundo ela, deve surgir ainda na infância.
“Muitas vezes, os pais vão deixar de bater, mas vão continuar gritando, xingando e isso também é uma contravenção”, disse. “Corremos o sério risco de haver distorções [de interpretação da lei] e os pais acharem que não podem mais dizer não para a criança. E, nessa educação diária, o não é necessário. A criança precisa aprender a conviver com isso para aprender a respeitar o outro, a ter tolerância à frustração”, explicou.
A diretora da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, Liana Rosa Elias, lembrou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já conta com dispositivos legais que regulam a agressão física contra crianças e adolescentes. A necessidade agora, segundo ela, é ampliar a discussão de forma intersetorial, envolvendo, por exemplo, as escolas e a rede de assistência social.
“Quando você diz que não pode fazer isso e que se fizer vai ser punido, gera uma série de efeitos colaterais. Um deles é o de não ensinar uma alternativa. Seria interessante que o Estado centrasse esforços na promoção de diferentes práticas”, disse, ao destacar que é preciso tratar a questão da palmada como algo cultural.
“É louvável a iniciativa de se lutar contra a violência, mas temos que pensar aspectos mais amplos, como por que se usa a violência, por que ela acontece tanto? Traria mais efeitos do que simplesmente sancionar uma lei. Afinal, será que só punir resolve? As pessoas deixam de bater apenas quando passa o agente social na porta de casa?”, questiona.
O plenário do Senado aprovou na última quarta-feira (4) o projeto de lei que pune famílias que usem violência física na educação dos filhos. Conhecida como Lei da Palmada, a proposta segue para análise da presidenta Dilma Rousseff, que terá até 15 dias úteis para vetar eventuais trechos ou sancionar integralmente o texto.

Lei da Palmada divide opinião de pais
O administrador de empresas Carlos Damasceno, 40 anos, é pai de três meninas e confessa: “Uma das minhas filhas é bem danada e já levou muita palmada”. Perguntado se concorda com o projeto de lei que pune famílias que usem violência física na educação dos filhos, aprovado pelo Senado, ele garantiu ser contra agressões pesadas, mas avaliou que conversar com as filhas nem sempre é suficiente.
“A gente quer educar e sabe dos nossos limites. Tem que haver limite. Afinal, não vai ser nem a polícia nem o Estado que vão educar nossos filhos”, disse, apoiado pela amiga Flávia Passos, 37 anos, enfermeira e mãe de um rapaz de 21 anos. Para ela, agressão física que deixa hematomas e fraturas devem ser punidas, mas palmadas ocasionais não fazem mal à criança.
“Minha avó apanhou, minha mãe apanhou, eu e minhas irmãs apanhamos e somos, hoje, todas muito bem resolvidas. Pai e mãe querem sempre o melhor para o filho, mas há momentos em que o castigo não resolve e a palmada, sim”, explicou.
Já a carteira Valquíria Alves, 37 anos, acredita que todo tipo de agressão física contra crianças e adolescentes deve ser combatido e punido rigorosamente. Mãe de um menino de 8 anos e de uma menina de 13, ela garante que nunca encostou a mão nos filhos e que pretende manter a conduta.
“Eu apanhava quando criança e não acho que esse seja o modo de ensinar ou educar. Hoje, adulta, não bato nos meus filhos. Minha estratégia é conversar. Só isso e mais nada”, disse.
Manuel Silva, 41 anos, pai de duas meninas, concorda com Valquíria, mas defende que cada pai tenha a opção de decidir a melhor forma de punir os filhos. “Eu apanhava quando pequeno. Hoje, acho que não é correto. Palmada é uma coisa de outra época e não deve mais ser aplicada como punição”, defendeu.
Acompanhada da pequena Ana Clara, de 3 anos, a dona de casa Adriana Teles, 39, admite que já deu “algumas palmadas” na filha. Perguntada se a punição resolveu o problema, ela avaliou: “É melhor a gente corrigir do que os outros. Resolver não resolve, mas ela fica com medo e não faz mais por um tempo. Dói, né, filha”?