Físicos sugerem que matéria escura não exerce apenas força gravitacional

Um grupo internacional de astrônomos encontrou numa colisão de galáxias a mais de um bilhão de anos-luz de distância os primeiros sinais de que a matéria escura talvez não seja totalmente escura.
O achado anima a possibilidade de que uma detecção direta da misteriosa substância, que responde por cerca de 85% de toda matéria existente no Universo.
Até então, as únicas evidências que tínhamos de sua existência eram gravitacionais – como se houvesse uma quantidade enorme de matéria invisível, mas capaz de gerar gravidade, envolvendo as galáxias e acelerando o movimento de suas estrelas mais periféricas.
Agora, os pesquisadores encontraram dados que sugerem que a matéria escura não só interage gravitacionalmente, como também parece ser capaz de interagir consigo mesma por meio de alguma outra força da natureza.
Para isso, o pesquisador Richard Massey, da Universidade de Durham, no Reino Unido, e seus colegas utilizaram observações foram feitas com o VLT, maior complexo de telescópios ópticos do ESO (Observatório Europeu do Sul), e com o Hubble, que acabou de completar 25 anos de operação no espaço.
Os instrumentos foram apontados para o aglomerado galáctico Abell 3827, no centro do qual quatro grandes galáxias estão em processo de colisão.
A concentração de matéria na região distorce a luz que vem de mais longe, produzindo o fenômeno conhecido como lente gravitacional.
Ao analisar esse padrão de distorção, os cientistas podem criar um mapa da distribuição total de matéria a produzir a lente – seja ela escura ou convencional.
E então, ao comparar a distribuição de matéria visível nas imagens e o mapa produzido a partir do padrão de lentes gravitacionais, os físicos identificaram uma grande concentração de matéria escura de uma das galáxias que parece ter ficado para trás.
Em meio à colisão, ela está deslocada cerca de 5.000 anos-luz com relação à galáxia a que pertencia. "Talvez se arrastando durante a queda por causa de uma força de arrasto criada por autointerações de matéria escura", escrevem os pesquisadores, em artigo publicado no periódico "Monthly Notices of the Royal Astronomical Society".

FECHANDO O CERCO
"Essa descoberta é muito importante", diz Rogério Rosenfeld, físico da Unesp que trabalha em modelos que tentam explicar o que é, afinal, a matéria escura. Mas faz uma ressalva: "É necessário saber o grau de confiança nessa medida".
Caso as conclusões sejam confirmadas, isso por si só já exclui explicações que tratam a matéria escura como algo de fato completamente escuro, ou seja, incapaz de interagir de outro modo que não fosse o gravitacional.
Além disso, o achado abre a possibilidade de que encontremos produtos dessa "autointeração" entre partículas de matéria escura, fechando ainda mais o cerco sobre o que ela pode ser.
No último dia 15, no Cern (centro europeu de física de partículas), em Genebra, o físico Samuel Ting apresentou os últimos resultados colhidos pelo experimento AMS, embarcado na Estação Espacial Internacional.
É basicamente um detector de raios cósmicos, e os resultados até agora apontam algumas anomalias inesperadas no fluxo de partículas. Ainda não é possível dizer qual é a causa, mas uma das possibilidades é que elas sejam produto de colisão de partículas de matéria escura no espaço profundo.
Da mesma forma que o bóson de Higgs foi descoberto pela detecção dos produtos mais estáveis de seu decaimento, os físicos esperam desvendar a natureza da matéria escura por meio de sinais secundários de sua existência.
O LHC (Grande Colisor de Hádrons), maior acelerador de partículas do mundo, está voltando a operar (primeiras colisões marcadas para junho) e pode ajudar a montar o quebra-cabeça.
Entre observações astronômicas, detectores de raios cósmicos e aceleradores de partículas, cientistas nunca estiveram tão perto de desvendar o mistério. Quando eles vão chegar lá? Aí já são outros 500.