Gilmar Mendes considera nomeação de Lula intervenção na Justiça

BRASÍLIA – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), considerou ontem que a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil representa “grave interferência” política no processo judicial. Para o ministro, a Corte máxima do país deve avaliar se, com a indicação, Lula passa a ter ou não foro privilegiado.
“Acho que é um assunto de preocupação para o tribunal. Imagina se a presidente da República decide nomear um desses empreiteiros que está preso lá em Curitiba [na Lava Jato] como ministro dos Transportes ou de Infraestrutura. [Com a nomeação de Lula] passamos a ter uma interferência muito grave no processo judicial. Precisamos limitar as coisas”, afirmou Mendes ao chegar ao STF.
Segundo o ministro, assim como no caso do ex-deputado Natan Donadon, em que a Corte entendeu que a renúncia não serviu para ele deixar de ser julgado pelo STF, o Supremo precisa analisar se houve “desvio de finalidade” na nomeação de Lula pela presidente Dilma.
Pelas regras em vigor, como ministro, Lula deixaria de ser investigado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, primeira instância, para ter seu processo analisado pelo STF.
“Já temos jurisprudência de que as renúncias de parlamentares para fugir ao foro [privilegiado] seriam consideradas inválidas. Precisamos fazer essa avaliação”, disse Gilmar Mendes. Para Mendes, o caso precisa de “meditação” do tribunal.
“Se o tribunal, em uma questão de ordem, chegar à conclusão que, para esses fins, a nomeação não é válida mantém-se o processo [de Lula] no âmbito do primeiro grau”, concluiu o ministro.
REPERCUSSÃO – A nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a chefia da Casa Civil da Presidência da República representa uma guinada para que o país saia da crise política e econômica, afirmaram ontem líderes do governo na Câmara dos Deputados.
Para os oposicionistas, a indicação de Lula para o cargo é uma manobra para que o ex-presidente consiga foro privilegiado e mostra perda de poder de Dilma, que teria desistido de governar.
A indicação de Lula foi anunciada pelo líder do PT na Câmara dos Deputados, Afonso Florence (BA), antes mesmo da confirmação do Palácio Planalto. Segundo o líder do PT, a nomeação de Lula, reconhecido por sua habilidade de articulação, vai dar força ao governo. Florence disse que Lula aceitou o cargo unicamente para ajudar na saída da crise.
“O presidente Lula vai para a Casa Civil para ajudar na saída da crise. Ele veio na hora certa que o Brasil precisa”, afirmou Florence. “É o presidente mais bem-sucedido da história do país, com a melhor aprovação, de 87%, e que decide ser ministro-chefe da Casa Civil com o objetivo político e de gestão de contribuir com o Brasil para a saída da crise política e econômica”.
A presidente Dilma Rousseff tomou a decisão de nomear Lula para a Casa Civil depois de muita conversa com o ex-presidente. Anteontem, a reunião entre os dois durou mais de quatro horas, mas a decisão só foi tomada após novo encontro na manhã desta quarta-feira (16).
Florence também rebateu as acusações de que, uma vez no governo, Lula teria o poder de interferir nas investigações da Operação Lava Jato. “O foro privilegiado nunca foi, nem será motivo de obstaculização de investigações. Nós não temos nenhuma incidência no curso das investigações, nem pretendemos ter, ao ter o presidente Lula como ministro”, disse o líder petista. Ele ressaltou que tanto Lula quanto Dilma são reconhecidos por terem valorizado e dado autonomia aos órgãos de controle, como a Procuradoria-Geral da República.
DESVIO DE FINALIDADE – Para a oposição, a nomeação de Lula para a Casa Civil, no entanto, visa unicamente conceder foro privilegiado a Lula, em razão das investigações da Operação Lava Jato. Logo que foi confirmada a indicação do ex-presidente para o cargo, líderes oposicionistas conversaram com os jornalistas no Salão Verde da Câmara. Eles consideram o fato apenas uma tentativa de postergar a investigação de denúncias contra Lula na 13ª Vara Federal, em Curitiba, uma vez que, com a posse do ex-presidente como ministro, o caso passaria a ser de competência do Supremo Tribunal Federal.
Anteontem, partidos de oposição ingressaram com ação popular na Justiça Federal do Distrito Federal, pedindo que, caso Lula tomasse posse como ministro, fosse anulado o decreto de nomeação. Eles também prometeram protocolar o pedido em varas da Justiça Federal dos 26 estados da federação.
Para o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), a nomeação foi uma manobra e representa um claro desvio de finalidade, sendo passível de anulação.
“A nomeação do ex-presidente Lula é um desvio de finalidade. Evidentemente, é para tentar bloquear, obstruir a Justiça, que estava investigando e tentando trabalhar para que Lula respondesse o que nunca respondeu com relação aos apartamentos, à questão do sítio e dos milhões que recebeu para o Instituto Lula”, afirmou.
Rubens Bueno disse também que a nomeação de Lula enfraquece a presidente e vai abreviar o processo de impeachment que ela enfrenta.
“Ela está dizendo que não quer mais governar, porque não tem mais apoio, não tem mais respaldo. Então, está entregando o governo no último suspiro, para dizer ao país que ela não governa mais, e que o Lula vai tentar agora, na última hora, sair da situação delicada em que o governo se encontra”, acrescentou.