Há 88 anos era criado o Distrito Judiciário que foi o embrião de Paranavaí
A primeira referência oficial ao núcleo populacional que viria futuramente a se transformar na cidade de Paranavaí completa na quinta-feira (13 de abril de 2017) seus 88 anos.
Trata-se da criação do Distrito Judiciário de Montoya, através da Lei 2665 de 13 de abril de 1929, publicada no Diário Oficial do Estado do Paraná em 25 de abril de 1929. A proposição da lei foi do deputado estadual Edmundo Alberto Mercer (1º/08/1878-1º/08/1938) e sancionada pelo então presidente (como era denominado o governador) eleito em comícios populares, Affonso Alves de Camargo (25/09/1873-17/04/1958), durante sua segunda gestão (a primeira foi de 25/02/1916 a 25/02/1920 e a segunda de 25/02/1928 a 05/10/1930, quando foi deposto pela Revolução de 30) e pelo então secretário do Interior e Justiça, José Pinto Rebello Júnior, nome ligado à política do Litoral paranaense.
Porém, o Distrito foi instalado somente no ano seguinte, em 19 de fevereiro de 1930, com a posse do primeiro escrivão, Alpiniano Nascimento Ramos.
Foram lavrados os termos de abertura dos Livros de Registros do Distrito de Montoya com “trezentas folhas typographicamente enumeradas” que vão assinadas por Raymundo Salles, “e servirá para registro de óbitos do Cartório Districtal de Montoya, Município e Comarca de Tibagy. Montoya, 19 de fevereiro de 1930”, bem como os de nascimentos e casamentos.
Foi registrado o primeiro óbito ocorrido, porém, alguns dias antes, em 6 de fevereiro de 1930, de Joaquim Severiano Granja; o nascimento de Nelsina Maria de Jesus em 20 de dezembro de 1929, filha de Júlia Maria de Jesus e pai incógnito e o primeiro casamento, em 15 de março de 1930, de Maria Lúcia de Jesus e Cipriano Alves da Silva.
Com a instalação, o Distrito Judiciário de Montoya passou a contar com escrivão de paz para – segundo declarou em entrevista em 5 de julho de 1975 o pioneiro, engenheiro-agrônomo Joaquim da Rocha – “moralizar a vida social da população, fazendo o casamento dos amancebados, que constituíam a maioria, mais um cabo de nome Simão e dois soldados da Polícia Militar do Estado”.
GLEBA PIRAPÓ – Nessa época o povoado conhecido como Gleba Pirapó era constituído por cerca de seis mil habitantes vindos principalmente de São Paulo e do Nordeste, estes trazidos por empresas colonizadoras para o trabalho de formação de pastagens e plantação de café.
A referência era Gleba (denominação de extensões de terras não urbanizadas) Pirapó, nome tomado da língua da nação Guarani que habitava a região Norte do Estado e que batizou já no século XVI com esse nome (que significa “salto do peixe”, certamente devido à abundância de peixes) um dos principais afluentes do rio Paranapanema, cuja foz se situa entre os municípios de Jardim Olinda e Itaguajé.
O padre Antonio Ruiz de Montoya (13/06/1585-11/04/1652 em Ciudad de Los Reyes – Lima-Peru) refere-se ao afluente como “arroyon del Pirapò”, ao escrever sobre a criação das Reduções Jesuíticas de Nossa Senhora de Loreto e Santo Inácio, em 1639.
Esta referência foi usada para identificação das terras objeto de concessões sobre as quais o Estado passou a legislar a partir do Decreto 13.400 de 10 de abril de 1913 do Governo do Estado.
A partir daí, o Governo Federal, o Estado e companhias colonizadoras travaram uma luta pela posse das terras, incluindo o Noroeste do Paraná, onde se situa Paranavaí, até finalmente ficar definida a lavratura de escritura pública das Glebas Pirapó e Cantu, pertencentes à Braviaco – Companhia Brasileira de Viação e Comércio S/A, subsidiária da inglesa “Brazil Railway Company”, em favor da Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e Comércio, o que ocorreu em 20 de março de 1925.
Em artigo publicado no Diário do Noroeste em 14/12/1985 e republicado em 14/12/2002, o professor doutor José Carlos Alcântara narra que verificou no Livro 3-C do Cartório de Registro de Imóvel da Comarca de Tibagi-PR a seguinte transcrição:
“Número de ordem: 2435; data de 31 de julho de 1925; Freguesia do imóvel: Tibagy; Denominação do imóvel: Pirapó; confrontação e características: o terreno referido com a extensão superficial de dois bilhões e quinhentos milhões de metros quadrados (2.500.000.000m²) ou duzentos e cinquenta mil hectares (250.000 ha) está situado no município de Tibagy, é limitado ao Norte pelo rio Paranapanema, ao Sul pelo rio Ivahí, a Leste por uma linha reta que partindo da origem da Corredeira do Estreito no rio Paranapanema ao rio Ivahí, confrontando com terras do Estado, reservadas à Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e Comércio, e a Oeste por linha entre os rios Paranapanema e Ivahí, em dois rumos sucessivos, cujos extremos são indicados por marcos confrontando com terras do Estado reservadas para a Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco) e por esta já requerida ao Governo; encerrado. Tibagy, 31 de julho de 1925. Oficial: Otávio Camargo Amaral; adquirente: Companhia Brasileira de Viação e Comércio; transmitente: Governo do Estado do Paraná; Título de concessão feita de acordo com a letra “d” da clausula XIX do contrato assegurado em 23 de agosto de 1920; forma do título: Tabelião que o fez – Título de domínio pleno expedido pelo Governo do Estado do Paraná aos 2 de julho de 1925 e registrado às folhas 2 do Livro-1, assegurado respectivamente pelo Sr. Caetano Munhoz da Rocha, presidente (governador); Alcides Munhoz, secretário; Manoel Antonio Cordeiro, diretor e João Loyola, encarregado do registro; valor do contrato: cento e dezessete mil réis (117.000), conforme consta o título e talão nº 43.021; condições do contrato: pura e simples”.
Fazia parte também da Gleba Pirapó a Gleba Ivaí (integral).
Desde 1923 a “Brazil Railway Company” tinha um projeto para plantar um milhão de pés de café (chegaram a ser plantados 1.220.000) e formar 300 hectares de pastagem na Gleba Pirapó. A iniciativa era do jornalista Antonio Geraldo Rocha (14/07/1881-19/06/1959), diretor dos jornais “A Noite” e “O Mundo” do Rio de janeiro, e que era superintendente da colonizadora inglesa “Brazil Railway Company”.
A plantação de café foi encarregada ao engenheiro-agrônomo Landulpho Alves de Almeida (04/09/1893-15/10/1954, que se tornou amigo de Getúlio Vargas, foi funcionário do Ministério da Agricultura e nomeado interventor na Bahia de 28/03/1938 a 24/11/1942 e depois eleito senador.
O irmão de Landulpho, Humberto Alves de Almeida, era o encarregado do transporte do pessoal. Para executar o trabalho, os administradores tiveram que buscar gente no Nordeste, afeita à sobrevivência em casos extremos: Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Ceará, Piauí e principalmente Bahia, terra natal dos comandantes das empresas desbravadoras.
“Na primeira leva foram cerca de trezentos (300)”, como disse Frutuoso Joaquim de Salles, há alguns anos falecido, e que era um dos que vieram no grupo, em entrevista ao Diário do Noroeste publicada em 14/12/1977. Depois foram mais trezentos, que se somaram aos avulsos que vieram de São Paulo e Minas Gerais, formando uma população de cerca de seis mil habitantes no auge da Gleba Pirapó, cuja sede já era chamada “Fazenda Pirapó” e depois “vila Pirapó”.
Com o crescimento da população surgiram os problemas: desorganização social e familiar, grilagem de terras, invasões e todas as consequências da colonização, que levaram o Governo do Estado a tomar providências para a reordenação do local.
O Governo na época era comandado pelo presidente (governador) da Província, Affonso Camargo, levado a criar o Distrito Judiciário, uma subdivisão da Comarca de Tibagi, de difícil acesso. O único caminho para chegar a Tibagi era ir a Ourinhos, no Estado de S. Paulo, e depois pegar a Estrada dos Tropeiros de volta ao Paraná.
Em 1927 já havia produção de café na região. As perspectivas de riqueza originaram problemas, principalmente de convivência e grilagens, que levaram várias vezes os administradores locais a Curitiba, capital do Estado, para requisitar forças para desalojar os grileiros de terras.
Com o auge da produção de café, a sede da Fazenda Pirapó passou a ter necessidade de outras estradas para escoamento da produção, quer para o Porto de Santos-SP, via Presidente Prudente-SP, quer para o Paraguai e Argentina.
Nesse caso, “foi aberta a estrada para o Porto São José, para dar acesso ao Mato Grosso do Sul atual (de onde eram trazidos grãos e carnes para a alimentação da população) e pelo rio Paraná a Guaíra e Porto Mendes” relataram pioneiros em publicações do Diário do Noroeste da década de 70.
“Tudo corria às mil maravilhas”, mas eis que sobreveio a crise econômica que quebrou a Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929 nos Estados Unidos e a Revolução no Brasil em 1930, chefiada por Getúlio Vargas, que depôs o presidente Washington Luiz.
Na contramão política a vila foi riscada do mapa. Em pouco tempo ficou reduzida a seis famílias, uma delas a de Frutuoso Joaquim de Salles.
(*SAUL BOGONI, jornalista, professor, mestre em Letras pela UEM)