Livro resgata página perdida da história das Américas

Na sequência da série de reportagens sobre os três brasileiros – entre eles o ex-paranavaiense Giuseppe Mário Fava – que praticamente estabeleceram o roteiro para o traçado da Rodovia Pan-Americana, resumimos a ferrenha intenção de escrever um livro sobre a heroica aventura, por parte de um empresário e escritor.
Erland de Oliveira Gonzales, filho de Oliveira, que comandou a expedição,  também se encontrou com o expedicionário que acompanhou seu pai na aventura.
“Foi muito emocionante. Lembro de ter perguntado: ‘Seu Mario, como era meu pai?’ Ele respondeu: ‘Olha, seu pai foi um grande homem, um grande companheiro, porém um doido de pedra, um maluco, porque só um doido de pedra faria o que ele fez’.”
Com os documentos de Fava nas mãos, o empresário e escritor Beto Braga intensificou as pesquisas em jornais da época e na internet. Após oito anos de trabalho, lançou em 2010 o livro “O Brasil Através das Três Américas” (Canal 6 Projetos Editorais) em versões bilíngues – português/ espanhol e espanhol/ inglês. Uma das pessoas que participaram da noite de autógrafos foi Leonor Camargo da Cruz Ruiz, a filha de Francisco Lopes da Cruz.
“O livro foi a maneira que encontrei para resgatar essa página perdida na história das Américas e permitir a historiadores, amantes do automobilismo, aventureiros e público em geral que conheçam a história desses três homens que lutaram pela união dos países americanos por meio de uma rodovia”, diz Braga.
“Propor ir de carro do Rio a Nova York naquela época era como falar que ia para a Lua de bicicleta. O automóvel estava só começando, tanto que gerou a necessidade de se fazer uma estrada.”
A expedição dos três brasileiros foi consequência de um sonho: unir os países da América, por meio de cooperação econômica, cultural e militar. Por trás estavam também interesses comerciais, sobretudo dos Estados Unidos.
Em 1889, foi realizada em Washington a primeira de uma série de conferências panamericanas que se estenderiam até meados do século 20 e terminaria com a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Em 1923 teve lugar no Chile a 5.ª Conferência Internacional dos Estados Americanos e nela surgiu o plano de construir uma grande rodovia interligando os países. Em 1925, em Buenos Aires, foi realizada a 1.ª Conferência da Rodovia Panamericana, na qual a construção finalmente foi aprovada.
“Os conceitos estavam ligados. O Panamericanismo tinha como meta unir os países e o jeito que se via na época para essa união era por rodovia”, explica o escritor Beto Braga.
“Anos depois, em 1926, Washington Luís se elegeria presidente da República do Brasil justamente com o lema ‘Governar é abrir estradas’.” Era o tempo também dos raids automobilísticos – em 1908, por exemplo, num Brasier 16hp, o Conde de Lesdain havia sido o primeiro a viajar do Rio de Janeiro a São Paulo num automóvel.
Em 33 dias, percorreu 700 quilômetros – ainda não existia estrada entre as duas cidades e o caminho foi bem mais comprido do que o atual, pela Rodovia Presidente Dutra. Antes dela, em 1928, seria inaugurada a primeira estrada Rio–São Paulo. Foi exatamente no ano em que começou a Expedição pela Estrada Pan-Americana.
Mesmo após a aprovação oficial de seu projeto, em meados dos anos 1920, no entanto, ele ainda era considerado impossível. Até que o tenente Leônidas Borges de Oliveira entrou na história com a missão de provar que ela era sim viável e convidou para a empreitada o oficial da Aeronáutica Francisco Lopes da Cruz, amigo que sabia tudo de engenharia. Quando a dupla passou por Pederneiras-SP, o mecânico Mário Fava, que sonhava em conhecer os Estados Unidos, se ofereceu para acompanhá-los na viagem.
Prevista inicialmente como uma única rota, a Pan-Americana é hoje uma junção de vias construídas em diferentes épocas que liga Norte e Sul do continente. Sai do Alasca, nos Estados Unidos, e vai até Ushuaia, no extremo argentino, cruzando montanhas e planícies, florestas e descampados, desertos e áreas cobertas de neve.
Em vários países, a saga dos três expedicionários brasileiros foi o pontapé para a abertura da rota continental, mas há partes que repetem ainda hoje o cenário encontrado por Leônidas Borges de Oliveira, Giuseppe Mario Fava e Francisco Lopes da Cruz.
“Conforme previa o comandante Oliveira, o trecho na fronteira entre Colômbia e Panamá até hoje não foi construído. O pântano intransponível do rio Atrato e da Selva Del Darién impediu a construção desse trecho da Pan-Americana e hoje a preservação ambiental e sanitária tem sido objeto de disputa entre políticos e ecologistas”, conta o escritor Beto Braga. Ali, não há prazo para que a estrada seja concluída. Em outros pontos, instabilidade política e criminalidade desafiam motoristas. Na Cordilheira dos Andes, o relevo acidentado aumenta o perigo a cada curva.
O primeiro país a concluir sua parte da obra foi o México, em 1950. Já o Brasil levou quase 80 anos para se conectar à mais importante rodovia das Américas. Segundo Braga, o projeto inicial da Pan-Americana por terras brasileiras teve como base o plano do Corredor Bioceânico, que atravessaria o continente sul-americano de leste a oeste, ligando os Oceanos Atlântico e Pacífico.
Numa das rotas, o corredor começa no Rio de Janeiro, segue pela Rodovia Presidente Dutra, inaugurada incompleta em 1951, e vai até São Paulo. Avança pelo interior do Estado pela Rodovia Marechal Cândido Rondon, cuja construção até Itu começou em 1922 e só foi concluída e asfaltada até a divisa com Mato Grosso no início dos anos 1960.
O asfalto da rodovia ligando Três Lagoas a Campo Grande foi inaugurado em janeiro de 1987 e nos anos 1990 chegou até Corumbá, cruzando por balsa o Rio Paraguai. A ponte sobre o Rio Paraguai demorou cinco anos para ser concluída e foi inaugurada em 2001. O trecho de 660 km entre Corumbá e Santa Cruz de la Sierra foi aberto em 2012. (Texto: SB)
(Na próxima edição – Diário de Viagem dos Expedicionários da Carretera Panamericana)