Luta por justiça vale mais que índice de católicos, diz CNBB

SÃO PAULO – Mais importante que a porcentagem de católicos no Brasil é "quantas pessoas realmente buscam justiça e vivem o amor até as últimas consequências", diz o secretário-geral da CNBB (conferência dos bispos brasileiros), dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo auxiliar de Brasília.
A declaração foi dada a respeito da queda na porcentagem de católicos no país, segundo pesquisa Datafolha publicada no domingo (25).
Em outubro de 2014, eram 60% dos brasileiros de 16 anos ou mais que diziam pertencer à Igreja Católica. Em dezembro deste ano, 50%.
Como a margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos, a queda ficou entre 6 e 14 pontos percentuais -entre 9 milhões e 20 milhões de fiéis (algo como a população da Grande SP).
A reportagem pediu entrevista à CNBB na semana passada. A conferência respondeu nesta terça (27), por escrito.
NÃO PRATICANTES – Para o secretário-geral da CNBB, os números não necessariamente indicam encolhimento do rebanho. Os que se disseram sem religião (14%) podem eclipsar os não praticantes, "que hesitam em se declarar católicos por causa da distância em que vivem hoje da igreja", diz ele.
O professor de antropologia da Unicamp e pesquisador do Cebrap Ronaldo de Almeida também afirma que católicos não praticantes podem passar a se dizer sem religião e que os dados indicam um pluralismo cristão crescente no país.
"Há maior liberdade em relação à religião", afirma o professor de sociologia da USP Reginaldo Prandi. Com isso, o número de autodeclarados católicos tem caído em toda a América Latina.
O sociólogo diz que há também no Brasil um fenômeno de multiplicidade religiosa, em que as pessoas frequentam várias religiões simultaneamente, facilitado pelo passado histórico sincrético, em que o segmento afrobrasileiro assimilou o catolicismo "de forma orgânica".
Para o professor de filosofia da religião da PUC-SP e colunista da Folha Luiz Felipe Pondé, o catolicismo continuará a minguar à medida em que o mercado religioso brasileiro fica mais competitivo.
"É uma igreja centralizada, antiquada, cheia de pequenos poderes, movimentos de inveja, que corroem a instituição. E sua gestão é incompetente e pouco meritocrática."
MIGRAÇÃO EVANGÉLICA – Desde outubro de 2014, a porcentagem de evangélicos se manteve constante, perto de 30%, segundo o Datafolha. Mas mais da metade dos que estão hoje nos templos foram criados como católicos, mostra pesquisa do Instituto Pew feita no Brasil.
O instituto perguntou aos convertidos por que haviam mudado de religião. Mais da metade justificou a troca por maior conexão com Deus (77%), estilo de culto (68%), convite feito por membro da nova igreja (65%), mais ênfase em moralidade (58%) e mais ajuda da igreja (55%).
Para d. Leonardo, o índice não indica uma falha na ação evangelizadora católica.
Ele afirma que a igreja não pode ceder aos que se distanciam "do compromisso mais engajado de transformação social", nem aos que concentram sua atividade religiosa "na busca individual da prosperidade e fazem da oração um instrumento único para esse objetivo".

CARISMÁTICOS

Para Reginaldo Prandi, os brasileiros que deixaram o catolicismo foram atrás da solução de problemas concretos, objetivos ou subjetivos.
"O catolicismo oferece menos esses bens simbólicos. A renovação carismática tem mais, mas nunca conseguiu chegar aos pobres. Trafega em trilho próprio, voltada para a classe média e nunca concorreu com evangélicos."
Pondé diz que a migração não reflete falha na atuação social dos católicos, mas "uma sociedade muito mercantilizada, em que as religiões são bens commodities [indiferenciados]".
"A igreja se aproximou do marxismo e se afastou da dona de casa. Se ela tem filho envolvido com drogas, não quer saber se a culpa é do capitalismo; quer é que ele troque as drogas por Jesus."
Ronaldo de Almeida, do Cebrap, diz que a mensagem do papa Francisco, "de acolhimento", pode balançar parte dos que deixaram a igreja. "Mas o importante é que isso desça até os fiéis."