Missão: elaborar traçado da Rodovia Pan-Americana
Na Parte 1, publicada domingo (1º), apresentamos quem foi Mário Fava, com resumo de sua vida e da memorável aventura para estabelece rum roteiro para a Rodovia Transamericana. Nesta edição recorremos dados de reportagens publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, de autoria da jornalista Luciana Garbin.
Conta Garbin que explorar os rincões do continente americano é sonho de muito aventureiro. A bordo de volumosas caminhonetes, automóveis ou de moto, muitos viajantes adentram pelos caminhos do chamado “novo mundo” e queimam combustível e pneus entre geleiras, cordilheira, selva ou deserto, em empreitadas que, mesmo em tempo de GPS e ar-condicionado, estão longe de ser missões fáceis de cumprir.
No entanto, um destemido trio de brasileiros – entre eles o ex-paranavaiense mecânico Giuseppe Mário Fava – é dono de um feito, com todo o respeito a qualquer expedicionário moderno, para deixar até mesmo Che Guevara (antes de se tornar líder revolucionário, percorreu a América Latina a bordo de uma motocicleta Norton 500, nos anos 1950, junto ao companheiro Alberto Granado) com o charuto e queixo caídos.
Em plena década de 1920, quando estradas e carros ainda eram literalmente artigos de outro mundo, ainda mais na pobreza latino-americana, um militar nascido em Descalvado, interior paulista, juntou-se a um engenheiro catarinense e a um jovem mecânico de Bariri, na região de Bauru (Mário Gava), para traçar a maior rodovia do mundo (desprezadas as diferentes nomenclaturas que recebe nos 17 países por onde passa) – a “Carretera Panamericana”, em sua grafia original.
Idealizada em 1925, durante uma convenção de cúpula entre os países da então União Pan-Americana na capital argentina, a estrada tinha a missão de ligar por terra o celeiro do sul e do centro do continente ao poderio do dinheiro e indústria norte-americanos.
Três anos após o acordo, entretanto, como nada saía do papel, os brasileiros Leônidas Borges de Oliveira, militar; Francisco Lopes da Cruz, engenheiro; e o mecânico baririense Giuseppe Mário Fava resolveram, com a cara e a coragem, não apenas sair das rotas riscadas nos mapas da época, mas extrapolar qualquer limite possível para aquele tempo.
Quem registra o feito, praticamente esquecido pela mídia ou livros de história, é o memorialista e agora escritor bauruense José Roberto Faraco Braga, o Beto Braga.
Com base em cerca de 10 anos de pesquisas e rico acervo documental, ele conta no livro “O Brasil Através das Três Américas” (Canal 6 Editora, 336 páginas) como aqueles aventureiros atravessaram o continente para traçar a rota da estrada que, ironia do destino, acabou desprezada pelo governo brasileiro.
Segundo o autor, indignado com o obscurantismo do feito desbravador, a ausência de homenagens à jornada de dez anos – o mesmo tempo que o livro levou para ser escrito – a falta de reconhecimento perante os criadores da rota pan-americana é um retrato da própria posição do Brasil em relação aos territórios vizinhos.
Com a “cara” voltada para o Atlântico, defende Beto Braga, o Brasil, ao ignorar o pan-americanismo por décadas a fio perdeu a oportunidade de exercer a condição de líder, de fato, no Cone Sul.
Atualmente, destaca o autor, o País “corre atrás do prejuízo” ao firmar acordos para a integração maior com os “hermanos”, entre eles o projeto da estrada “Interoceânica” (elo entre Atlântico e Pacífico), com holofotes durante o governo Lula. “Hoje a gente escuta falar em corredor bioceânico como novidade, mas era algo no mapa deles há oitenta anos”, relata.
PÉ NA ESTRADA – Se fossem norte-americanos, defende Beto Braga, Leônidas, Francisco e Mário Fava receberiam bustos e emprestariam o nome para ruas ou praças (por que não estradas?) em diversas cidades.
Os brasileiros foram os primeiros a cruzar a ainda imaginária rota da carretera. A bordo de dois automóveis Ford Modelo T, com motor de quatro cilindros e 20 cavalos de força, eles rodaram quase 28 mil quilômetros em 15 países e superaram desde as inóspitas matas que cobriam o interior brasileiro, chaco paraguaio, deserto boliviano e pampa argentino, até ganharem as alturas dos Andes, navegar a bordo de balsas pelos rios mais caudalosos, abrindo caminhos seja na tração do carro da época ou na base de dinamite.
Com a missão de elaborar um traçado formado tanto por caminhos abertos em terrenos totalmente ermos e junção de estradas já existentes, envolvendo até mesmo caminhos seculares como os percorridos por povos antigos, entre eles os Incas no Peru, a denominada “Expedição Brasileira da Estrada Pan-Americana” partiu do Rio de Janeiro em 16 de abril de 1928.
Sob a chancela oficial do então presidente Washington Luiz – que adotava o lema “governar é construir estradas” – o tenente Leônidas, comandante da missão, partiu do Rio de Janeiro ao lado do engenheiro Francisco, que tinha a função de observador (era especialista no manuseio do sextante, equipamento que aponta a localização global com referência nos astros e horizonte). Em seguida, o baririense Giuseppe Mário Fava se juntou a eles.
O trecho nacional da Panamericana, explica Beto Braga, nada mais é do que, basicamente, o trajeto formado pelas atuais rodovias Presidente Dutra (BR-116) e Marechal Rondon (SP-300). Após passarem por São Paulo, os aventureiros se despediriam da civilização ao chegarem em Bauru (onde tiveram documentos e dinheiro roubados no hotel), o final da linha para as estradas rumo ao oeste. (Texto: SB)
(Próxima edição – Brasileiros foram visitas ilustres em 15 países)
HERÓI DA CARRETERA MORREU EM PARANAVAÍ
Na primeira reportagem desta série, publicada domingo (1°/10) publicamos informações baseadas em livro de autoria do memorialista e agora escritor bauruense José Roberto Faraco Braga, o Beto Braga, e reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Na verdade, Mário Fava não morreu no Rio de Janeiro, mas sim em Paranavaí, onde morava nos anos 70. A dúvida foi esclarecida por pessoa que trabalhava com ele na recauchutadora, na época, e o socorreu aos 93 anos. Este assunto será focalizado numa das 10 próximas edições do Diário do Noroeste (SB)