Nome de Museu e Centro Cultural no interior paulista, herói morreu como um anônimo em Paranavaí

Uma revista com o inventor Thomas Edison na capa foi o que fez o jovem Giuseppe Mário Fava querer ir para os Estados Unidos há quase um século. E a decidir, aos 21 anos, juntar-se à expedição automobilística Carretera Panamericana em junho de 1928.
Quando Leônidas Borges de Oliveira e Francisco Lopes da Cruz lhe contaram que o plano era chegar até Nova York, o paulista de Bariri apaixonado por mecânica e eletricidade não teve dúvidas: juntou suas roupas e as poucas ferramentas que tinha e se apresentou como o mecânico da aventura.
“Acredito que nem ele sabia, no início da viagem, a dimensão que teria seu feito. Esta é uma história que deve ser conhecida, reconhecida e lembrada por todo o Brasil, a América e, principalmente, pelos baririenses”, disse Dinorá de Azevedo Lima Musegante, diretora de Educação, Cultura e Esporte da Prefeitura Municipal de Bariri, município na região de Jaú, a 330 quilômetros da capital de São Paulo.
A cidade natal do mecânico filho de imigrantes italianos abriu em 13 de dezembro de 2008 o Centro Educacional, Cultural e de Exposições Mário Fava, reinaugurado em 15 de junho de 2016, após uma reforma.
Segundo Dinorá, o espaço promove exposições, palestras, cursos, espetáculos de teatro, dança e música, além de exibição de filmes, formaturas e outros eventos. O acervo é restrito. “Temos algumas fotos e cópias de cartas da expedição que foram impressas e organizadas numa exposição aberta à população.
Mário Fava é um herói baririense e brasileiro, cujo feito é de grande importância para todo o continente americano”, explicava a diretora. Para a ex-prefeita Deolinda Marino, é preciso que cada baririense conheça a história de Fava e reconheça, com orgulho, sua contribuição para os povos das três Américas. “Foi uma história de coragem, ousadia e perseverança, em busca de um ideal.”
Até dar nome ao centro cultural, porém, o mecânico era um ilustre desconhecido na cidade natal e, inclusive, em Paranavaí, onde residiu quando já tinha idade mais avançada, na década de 70 até morrer, no ano 2000. Além de ter saído jovem dali e passado dez anos na viagem do Rio de Janeiro a Nova York, depois de voltar ao Brasil ele retornou pouco à terra natal.
“Ele voltou a Bariri em junho de 1939 para visitar a família e depois sumiu pelo interior do Brasil”, conta o escritor e engenheiro civil Osni Ferrari, autor do livro “Eu Não Sabia Que Era Tão Longe” (City Gráfica, 2011, 270 páginas), que resgata a epopeia americana.
Nascido em Bariri, Ferrari conta que seu interesse pela história surgiu no começo de 2006, quando, assistindo a uma reportagem do Jornal Nacional, na TV Globo, ouviu o nome de sua cidade natal num trecho da Sinfonia do Rio de Janeiro de São Sebastião, de Francis Hime, Geraldo Carneiro e Paulo César Pinheiro.
Descobriu que se referia à rua do campo do time do Olaria e que o nome havia sido dado pelo presidente Getúlio Vargas em homenagem a um baririense que havia feito uma viagem histórica pelas Américas muitas décadas atrás.
O escritor-engenheiro lembra que um amigo professor de história já havia lhe falado sobre a aventura, mas teve dificuldade em encontrar mais informações. Até que, pela internet, chegou até o também escritor Beto Braga, que lhe deu mais detalhes sobre Fava e os outros expedicionários.
Em seu livro, inspirado no filme Titanic, Ferrari mistura registros históricos a diálogos de ficção. Morador em Hortolândia, também no interior paulista, ele conta que ainda mantinha forte ligação com Bariri e já deu várias palestras sobre Fava em escolas da cidade.
“Para que a história de Mário Fava não morra de novo, é preciso contá-la às crianças”, ensina. Ferrari também planeja fazer uma segunda edição do livro com detalhes sobre a construção da estrada. Ele ressalta, no entanto, que a história daquele que ficou conhecido como o “intrépido mecânico” por seus conhecimentos, habilidades e criatividade para se safar de dificuldades foi além da Expedição Pan-Americana.
“Ele foi um aventureiro que participou da construção de Brasília. Braço direito do engenheiro Bernardo Sayão, ligou o trator que simbolicamente deu início à terraplenagem da construção da nova capital do Brasil. Também ajudou a fazer a Estrada Belém-Brasília e a fundar cidades no interior de Goiás, como Ceres. Anos mais tarde, montou uma empresa de recauchutagem de pneus em Paranavaí, no norte do Paraná”.
O jornal O Estado de S. Paulo procurou o Arquivo Público do Distrito Federal, mas lá não existem registros sobre a passagem de Mario Fava pela região.
Quando Beto Braga o encontrou, em março de 1998, Fava havia arrendado a empresa de recauchutagem de pneus em Paranavaí e vivia de uma pequena renda. Morava com o irmão em uma casa boa, mas pobre de mobília. Morreu dois anos depois, em 10 de janeiro de 2000, depois de uma visita a parentes no Rio de Janeiro.
“Muita gente achava que Mário Fava era um velho louco pelas histórias que contava”, lembra Braga. “Disse numa ocasião a seu médico que tinha conhecido o presidente americano Franklin Roosevelt e ele não acreditou. Ninguém acreditava.”
Pessoas que conviveram com ele contam que um certo dia em Paranavaí chegou um cidadão de nome Rubens, apresentando-se como seu sobrinho. Mário o acolheu durante alguns meses e depois ele foi embora, levando grande parte dos documentos do tio. Algum tempo depois a revista Veja publicou a história e fotos de Fava, supostamente fornecidas por Rubens.
Giuseppe Mário Fava morreu em Paranavaí depois de um acidente doméstico. Ele havia servido a Força Expedicionária Brasileira  na 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e consta que alguém soltou uma bomba ao lado de sua casa. Assustado, Mário correu para se esconder dentro de casa e caiu, fraturando o fêmur.
Submetido a cirurgia na Santa Casa de Paranavaí ficou internado por mais de uma semana, mas acabou falecendo por outras complicações, aos 93 anos de idade. Praticamente desconhecido, um anônimo, foi sepultado no Cemitério Municipal de Paranavaí, contou a uma amiga uma funcionária da época que o socorreu e providenciou o internamento. (Texto: SB)
(Próxima edição: Onde foram parar os carros da histórica viagem?)