O Cine Ouro Branco foi o maior bem cultural de Paranavaí

Rogério Rissato*
Há muitas coisas que deixamos para trás e, infelizmente, deixamos mais coisas boas do que as ruins e deveríamos pelo menos preservar a memória daquilo que um dia representou algo importante ou alegre em nossas vidas.
E uma dessas coisas que deveríamos ter preservado foi o Cine Ouro Branco, em Paranavaí. Nem todas as pessoas se importam ou defendem que nós não vivemos apenas de bens materiais, mas também de memória e percepções. O cinema foi na minha infância nos anos 80, uma das coisas mais alegres que vivi.
Naqueles anos, não havia telefonia celular e internet, com todas as possibilidades de exploração. Havia apenas as bibliotecas públicas, que eram pouco usadas, a televisão e um pequeno mercado editorial de acesso restrito em Paranavaí. Qualquer tentativa de acesso à cultura limitava-se a esses meios.
O cinema então desempenhava um papel importante, pois se vivia o auge do interesse pelo cinema, que foi até então o mais relevante meio de entretenimento de massa. Paranavaí possuía um cinema enorme, mesmo para os padrões das capitais ou de outras cidades do país.
Na minha família apenas eu e meu tio materno nos interessávamos por esse tipo de diversão e logo cedo, em meados dos anos oitenta, quando eu tinha por volta dos oito anos, comecei a ir com ele no cinema e depois, sozinho, nas sessões de matinês aos domingos.
Lembro-me bem da grandiosidade do edifício, a escadaria da entrada onde ficavam os pôsteres dos filmes, em cavaletes, a bilheteria à esquerda, que achava exageradamente pequena, com uma pequena janela, que sempre dava a impressão que se estava comprando algo mais importante que um ingresso de um filme.
O interior sempre tinha uma luz indireta, de baixa intensidade, que criava um ambiente diferente e especial, como se estivéssemos entrando em algo solene, que precisava ser respeitado.
À direita da entrada, havia uma bomboniére elegante, onde as crianças compravam saquinhos de meia dúzia de balas. A bomboniére era tão charmosa que eu não entendia o porquê que davam acesso as crianças como eu ao cinema.
Para entrar na sala de projeção, havia uma pesada cortina, enorme e alta e, uma escadaria de acesso que mostravam a dignidade e relevância do lugar. A sala era tão grande que naquela época, mesmo nos filmes mais importantes, não conseguia ter uma ocupação média. A parte de cima não era ocupada nunca.
Havia três coisas que me chamavam a atenção na sala: o cheiro, a música do início e os imponentes candelabros nas laterais.
O cheiro, nunca soube o que era de fato, se, algum perfume que era disperso na sala ou apenas o cheiro de algum desinfetante ordinário. A música era um tema tocado sempre antes do início de qualquer sessão e me parecia ter sido escolhido para representar o cinema. E os candelabros laterais, em forma de trapézios duplos invertidos, eram lindos e elegantes, o que tornava a imensa sala um local nobre.
Assisti muitos filmes lá. Lembro-me especialmente de ter assistido O Retorno de Jedi, O Predador e acredito que a maioria dos filmes dos Trapalhões. A garotada de hoje não faz ideia de como faziam sucesso os Trapalhões na época. Não entenderiam.
Entretanto, em meados dos anos oitenta, as mudanças passaram a cobrar a extinção dos cinemas e o Cine Ouro Branco não foi exceção. O advento do videocassete foi um duro golpe. As famílias se rendiam a conveniência de assistir filmes no seu próprio domicílio. Na época, os videocassetes eram aparelhos eletroeletrônicos caros e reservados a classe média alta, pelo menos. Havia até consórcio de aparelhos, o que hoje parece ser uma completa piada.
Lembro-me ainda de episódios engraçados. Por volta do final dos anos oitenta, veio uma companhia de teatro apresentar uma peça no cinema. Era uma peça erótica ou de pornochanchada. Os adultos em Paranavaí ficaram em frenesi para assistir a peça, constrangidos em comprar o ingresso e mesmo em entrar no cinema para assistir. Como éramos inocentes.
A família proprietária resolveu que o cinema deveria ser fechado, como provavelmente centenas de outros foram pelo país afora. Para isso ele foi demolido para se construir um centro de compras que nunca foi aberto. Afirmo que destruíram o maior bem cultural da cidade de Paranavaí. O cinema deveria ter sido desapropriado e preservado para as próximas gerações. Hoje, algumas poltronas que foram dele estão no auditório da associação comercial.
Pensando bem, talvez a demolição do cinema tenha sido a melhor solução, já que a desapropriação não foi feita. Imaginem o Cine Ouro Branco, um lugar dedicado à cultura e alegria, profanado e transformado em templo religioso. Teria sido uma catástrofe.
Hoje, os cinemas estão de volta, e todos os shoppings possuem, mas os arquitetos, acredito, não são capazes de resgatar a sensação dos cinemas clássicos dos anos 60, 70 e os da década de 80, da qual nós nos lembramos bem. Eles fazem mera imitação. Independente do luxo oferecido é difícil trazer de volta o universo e a sensação que tínhamos quando íamos ao cinema, com aquelas paredes espessas, cortinas pesadas, candelabros imensos, escadarias e a bomboniére. E claro, a sensação de fazermos parte de uma experiência coletiva que nos enobrecia.