O dia em que Maria Norinha desafiou o patrão

Maria Norinha tinha 13 anos quando morava em uma colônia a pouco mais de 20 quilômetros da área urbana de Paranavaí. Na época, trabalhava nos cafezais de um dos fazendeiros mais ricos da região.
“Comecei na roça com sete anos. Com o tempo, percebi que ganhavam muito dinheiro explorando a gente”, relata a mulher que hoje tem 58 anos e se tornou empresária.
Em um dia de 1969, a jovem foi ao Centro de Paranavaí e se apaixonou por um sofá que viu em uma loja. A viagem de retorno para casa foi percorrida a pé, mas com satisfação.
“Coloquei na minha cabeça que iria comprar aquele sofá”, conta sorrindo. Quando chegou em casa, um ambiente simples com chão de terra batida, e que nunca acomodou um sofá, explicou ao pai que iria comprar o móvel, mas o homem não concordou e afirmou que o patrão também não concordaria.
Maria Norinha conversou com o fazendeiro e pediu que ele fosse o avalista da compra, justificando que se dedicava à sua roça de café há seis anos. Ainda assim, o sujeito recusou. Obstinada, Norinha foi até o Centro de Paranavaí a pé e comprou o sofá. Na hora da negociação, o gerente da loja disse: “Mas você precisa que o seu patrão seja o avalista. Será que ele vai fazer isso”?
A jovem respondeu: “Ele vai ter que concordar. A gente trabalha pra ele há muito tempo e até hoje não temos sofá em casa”. No dia, os moradores da colônia assistiram a chegada do caminhãozinho que trazia sobre a carroceria um sofá marrom de quatro lugares, cuidadosamente embalado.
Em meio aos olhares curiosos, Norinha pediu que o motorista fosse direto para a casa principal da fazenda, onde vivia o patrão. Chegando lá, mostrou ao fazendeiro que a compra já tinha sido feita e pediu que ele assinasse um documento, assumindo o compromisso como avalista. “Ele hesitou, fez cara feia, mas acabou cedendo”, lembra.
Maria Norinha ficou feliz com a compra. O problema depois foi lidar com a incompreensão do pai e a retaliação do patrão. Por causa do sofá, o fazendeiro a tratou mal por pouco mais de dois meses. “Como nossa casa não tinha piso, eu forrava a base do sofá com plástico e todos os dias o limpava com um pano molhado”, comenta, acrescentando que pagou sozinha pelo móvel. O pagamento foi parcelado em 24 meses.
Naquele tempo, sofá era considerado um artigo de luxo na colônia, tanto que muita gente fez questão de ir até a casa de Maria Norinha para checar de perto o conforto do móvel. “Isso era normal numa época em que se ganhava mal e os colonos se endividavam com facilidade, principalmente nos armazéns mantidos pelos próprios patrões. O pagamento era tão ruim que meu irmão teve de trabalhar um ano pra comprar o sapato que ele tanto queria”, revela.
As famílias de colonos costumavam trabalhar de segunda à sexta para custear despesas básicas. Já o final de semana era dedicado aos “bicos” em outras lavouras. “A gente trabalhava sábado e domingo pra juntar um dinheirinho e comprar alguma roupa”, destaca.