ONU critica Igreja por encobrir pedofilia

O Comitê da ONU para os Direitos da Criança divulgou ontem um relatório com críticas duras à maneira como o Vaticano tem lidado com os casos de pedofilia envolvendo padres, que colocaram em xeque a reputação da Igreja Católica nas últimas décadas.
"O comitê manifesta preocupação com o fato de que a Santa Sé não reconheceu a extensão dos crimes cometidos, não tomou as medidas necessárias para enfrentar o abuso sexual de crianças e adotou políticas e práticas que levaram à continuidade dos abusos e à impunidade dos responsáveis por eles", diz o documento.
Apesar de reconhecer avanços na maneira como a igreja tem tratado o problema, o órgão da ONU argumenta que o afastamento dos suspeitos de pedofilia tem de ser "imediato".
No passado, a hierarquia católica acabou facilitando a proximidade entre sacerdotes pedófilos e crianças ao transferir padres suspeitos para outras paróquias, em vez de afastá-los e puni-los, afirma o comitê.
"A prática de transferir os responsáveis pelo abuso, que permitiu que muitos sacerdotes continuassem a ter contato com crianças e molestá-las, ainda coloca menores em situações de alto risco em muitos países."
ERRO DE CÁLCULO – No mês passado, o Vaticano acabou negando publicamente um de seus principais avanços recentes no combate à pedofilia e, mais tarde, voltou atrás.
No último dia 16, dois altos funcionários da Santa Sé, o arcebispo Silvano Tomasi, representante do Vaticano em Genebra, e o bispo Charles Scicluna, foram ouvidos pelo mesmo comitê da ONU sobre o tema.
Um dia depois, a agência de notícias Associated Press publicou reportagem afirmando que, em 2011 e 2012, cerca de 400 padres tinham sido laicizados (ou seja, perderam seu status de sacerdote e a proteção oficial da igreja) por terem sido acusados de pedofilia.
O porta-voz papal, Federico Lombardi, de início declarou que os dados estavam errados, mas acabou por confirmá-los pouco depois. A lista constava de planilhas recebidas pela própria delegação do Vaticano na ONU e incluía tanto padres laicizados quanto outros que, sob acusação, decidiram deixar o sacerdócio.
Os dados sugerem um esforço considerável contra o problema durante os últimos anos do pontificado de Bento 16. De fato, ele dobrou o tempo para a "prescrição" dos processos envolvendo abuso sexual e acelerou a expulsão dos acusados, além de ter sido o primeiro papa a pedir perdão às vítimas.
O papa Francisco, por sua vez, criou uma comissão para lidar com esses crimes. O problema, no entanto, é que as atuais regras, embora recomendem que os bispos denunciem os casos de pedofilia às autoridades seculares, não dizem que essa denúncia é obrigatória. Para associações de vítimas de abuso, tais esforços não são suficientes.
"O relatório dá esperança às centenas de milhares de vítimas. Agora, cabe aos governos proteger quem é vulnerável, porque os funcionários da igreja não conseguem ou não querem fazê-lo", afirmou a ONG americana Snap.
A reação da igreja ao relatório, porém, também é afetada pela decisão do comitê de pedir no texto que as paróquias ofereçam planejamento familiar e que a Santa Sé repense sua visão sobre o aborto e o casamento gay.
O arcebispo Tomasi lamentou que o relatório não parecia ter levado em conta sua visita ao comitê, no qual disse ter mostrado exemplos claros da ação da Santa Sé contra o problema. Declarou que "um único caso de abuso já seria demais", mas disse também que a dureza do relatório poderia ser explicada, em parte, pela pressão de ONGs pró-casamento gay, cujas observações "reforçaram uma linha ideológica" do documento.