Por que o trem não chegou a Paranavaí

Os recentes estudos do Governo Federal sobre a recuperação e extensão da estrada de ferro ligando o porto de Paranaguá ao Mato Grosso do Sul, via Guarapuava-Foz do Iguaçu-Guaíra, reacende uma discussão iniciada em 1880, ano em que começou a construção da primeira ferrovia no Estado.
Sua inauguração ocorreu em 2 de fevereiro de 1885, no trecho Curitiba-Paranaguá, correspondendo à extensão de 110,915 km. O projeto da linha férrea para o interior do Paraná até o Paraguai e Mato Grosso do Sul atual, foi elaborado por André Pinto Rebouças (13/01/1838-09/05/1898), filho de advogado, engenheiro, negro, abolicionista, deputado no parlamento imperial e amigo pessoal do imperador dom Pedro II, e contemplava a região sul, sudoeste e oeste do Paraná, visando o transporte de erva mate e madeira. O Norte do Paraná era visto apenas como um “vazio demográfico” e seus administradores só começaram a pensar nessa região no início do século 20, com a “invasão” dos paulistas a partir de Ourinhos-SP, para plantar café, então uma verdadeira máquina de fazer fortunas.
Como naquela época, o projeto em nada beneficiava hodiernamente a região Norte do Paraná, o que levou lideranças nortistas a um verdadeiro levante contra a idéia do Governo Federal, e surgiu, das discussões, uma proposta de viabilidade técnica, econômica e ambiental, considerando que a extensão dos trilhos férreos por Londrina e Maringá seria uma solução mais viável. No rastro dessa discussão, surgiu no mês passado a proposta de retomada do trem de passageiros, desde Ibiporã a Paiçandu, beneficiando as cidades da linha: Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, Cambira, Pirapó, Jandaia do Sul, Mandaguari, Marialva, Sarandi e Maringá, já batizado como “Trem Pé Vermelho”.    
Sistema de transporte importante desde a construção da primeira estrada de ferro na Inglaterra, a Stockton & Darlington, com 32 km, idealizada pelo inglês George Stephenson em 1810 e que antecedeu o desenvolvimento industrial na Europa, constatou-se que a gradual importância das ferrovias vinha declinando em progressão significativa no Brasil, chegando a escalas da posição de 50% do cômputo total, nos anos de 1950, para menos de 14% nos dias atuais.
A política eminentemente rodoviária das seis últimas décadas fez coro que a ferrovia deixasse de competir com os demais meios de transporte, não obstante os custos operacionais mais baixos. O Governo Juscelino Kubitschek de Oliveira (31-01/1956-31/01/1961) apostou no transporte rodoviário, até como estímulo à incipiente indústria de caminhões e tratores, e paralisou quase completamente os trens no País. Ao contrário, muitas das ferrovias existentes foram desativadas e abandonadas, como a que liga Maringá a Cianorte – inaugurada em 1972 e desativada há 22 anos, em 1980 – que jamais prosseguiu até seu destino final projetado: Guaíra. O recente movimento ressuscitou a idéia de reativação também do trecho de 92 km e um cronograma de obras apresentado pela América Latina Logística – empresa argentina concessionária das ferrovias brasileiras desde 1998, sucedânea da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – está em análise na Agência Nacional de Transportes Terrestres, órgão do Ministério dos Transportes.
Mesmo nos dias atuais as discussões em torno da extensão da ferrovia na rota atual ou através de novos ramais não incluem Paranavaí em momento algum. A cidade de Paranavaí sempre esteve fora dos planos ferroviários, desde seus  projetos iniciais, embora os primeiros defendessem a idéia de que as ferrovias devessem seguir os rios, como o Paraná e o Paranapanema, o que poderia incluir este município, mas acabou valendo apenas para o Piqueri, na rota Curitiba, Guarapuava, Foz do Iguaçu, próximo da fronteira entre Paraná e Santa Catarina, até 1908 marcada pelo rio Iguaçu.
A CTNP (1977; p. 254) relata que, “construída aproximadamente no rumo Este-Nordeste a Oeste-Sudoeste, depois de atravessar o rio Paranapanema em Ourinhos, o traçado se afastou cada vez mais do rio em demanda a Guaíra e ao Paraguai. Iniciada a ligação desde Ourinhos-SP em 1922, a ferrovia atingiu Cambará em 1925, onde se reteve durante quatro anos por absoluta falta de recursos. Em 1928, a transferência do controle acionário para o mesmo grupo inglês da CTNP, permitiu que, no ano seguinte, prosseguisse a construção que, em 1932, alcançou a margem direita do Tibagi junto a Jataí (hoje Jataizinho). Transposto o Tibagi em 1934 a ferrovia se estendeu a Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas e Apucarana, esta inaugurada em 1943”.

O CAFÉ E AS FERROVIAS
Observa-se que as preocupações das autoridades brasileiras e paranaenses sempre estiveram voltadas para o Sul, ficando o Norte e, especialmente, o Noroeste do Estado, completamente perdido em meio a um mar de mata virgem – como se referiam na época -. Tanto é que somente após a implantação da cafeicultura, por “invasores” paulistas e mineiros, imaginando auferir lucros, o Governo voltou seus olhos para a possibilidade de ligar o Norte ao Sul, seguindo o roteiro dos rios, a iniciar pelo rio Paranapanema, já no início do século 20.     
A produção de café está intimamente ligada à construção de ferrovias no Norte do Paraná. Pesquisadores e escritores como CANCIAN (Nadir Apparecida Cancian em  “Cafeicultura paranaense: 1900/1970. Curitiba: Grafipar, 1981), defendem a tese de que a cafeicultura paranaense foi uma continuação da “marcha para o oeste” da cafeicultura paulista. Hipótese esta extremamente coerente quando se considera que, a partir do Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, o café buscou, como um “rastilho de pólvora”, as férteis terras do oeste do Estado de São Paulo. Os fatores desta “invasão” no norte paranaense tornam-se praticamente consenso entre os diversos autores. Primeiramente destaca-se a expansão da Revolução Industrial, consolidando o imperialismo e a formação de uma nova fase do capitalismo, o capitalismo monopolista, caracterizado pela busca de mercados fornecedores e consumidores.
No Paraná, além de outros fatores que não cabe aqui analisar em função da delimitação que propusemos para esta reportagem, contribuíram para a implantação do café a crise pela qual passava a cafeicultura brasileira, sobretudo a paulista, desde 1893, que gerou medidas restritivas em São Paulo.
O debate nacional sobre as formas de superar a crise cafeeira gravitava em torno de diversas propostas que incluíam a proibição de plantio em São Paulo e Minas Gerais – daí os cafeicultores terem migrado para o Norte do Paraná, tido como “vazio” a ser preenchido – investimentos em propaganda no exterior para o aumento do consumo, e até a queima do excedente – como viria a se repetir nos anos 1960 – a fim de equilibrar a equação oferta-demanda e monopólio estatal no comércio de café, até a utilização de instrumentos para valorizar artificialmente os preços do produto, o que foi consubstanciado no Convênio de Taubaté em 1906. A partir de 1908 os preços começaram a se  estabilizar e, até mesmo, a subir. Como resultado desta nova e favorável realidade, plantadores interessaram-se em consolidar uma cultura cafeeira no Estado.
A princípio, o café invade o Norte Pioneiro (Velho), mais precisamente a região de Wenceslau Braz e Jacarezinho. A partir da segunda metade da década de 1920, expande-se para a região algodoeira de Assai, que foi ocupada a partir de meados do século 19, quando da implementação da Colônia Militar do Jathay (que deu origem a Jataizinho).
Em São Paulo a grande produção de café exigia meios de transporte mais rápidos e eficientes que os lombos de muares para o Porto de Santos, e daí surgiu a “San Paulo Railway Company” em 1886, ligando o porto a Jundiaí; em 1872 a Companhia Paulista de Estradas de Ferro; a Estrada de Ferro Ituana em 1872; a Mogiana em 1875 e a Estrada de Ferro Sorocabana chega a Ourinhos em 1908.  
Foi assim também no Paraná, com a crescente produção de café no início do século 20.
“O major Antonio Barbosa Ferraz em 1910 adquire extensa gleba na fronteira de S. Paulo com o Paraná, entre Ourinhos e Cambará, para plantar nada menos que um milhão de cafeeiros. Barbosa Ferraz e seu filho, Leovegildo Barbosa Ferraz, unem-se a outros fazendeiros da região – como Willie da Fonseca Brabazon Davids, Gabriel Ribeiro dos Santos, Antonio Ribeiro dos Santos e Manoel da Silveira Correa – para constituírem uma empresa destinada a prolongar os trilhos da Sorocabana além de Ourinhos. E fundam a Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, nome depois alterado para Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná. É construído o trecho de 29 km pelo engenheiro Gastão de Mesquita Filho, conforme publicação alusiva aos 50 anos da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná” (CMNP, 1977; p. 37).
Em pouco mais de 10 anos a cafeicultura paranaense expandiu-se de tal forma e em tal monta que a disponibilidade financeira dos fazendeiros não era mais suficiente para expandir com a desejável rapidez os trilhos para o trem dar vasão à produção. Nesse momento, já em 1924, entram os colonizadores ingleses.

MISSÃO MONTAGU
Em 1923 chegou ao Brasil uma equipe de investidores ingleses que formavam a Missão Montagu, idealizada por Right Honorable Edwin Montagu (1879-1924), ex-secretário de Estado para as Índias e ex-secretário financeiro do Tesouro da Inglaterra, tendo em vista um pedido de empréstimo de 25 milhões de libras solicitado pelo presidente brasileiro Arthur Bernardes à casa Rothschild. Seu objetivo era analisar a situação institucional e operacional de implementação das políticas monetária e fiscal que dessem garantias ao empréstimo, segundo pesquisadores e historiadores como José JOFFILY (em  “Londres-Londrina”. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985). Em resumo: eles queriam ver, analisar e reorganizar a administração econômica do Brasil antes de conceder o empréstimo, com a garantia de que iriam receber devolta o dinheiro.
Um dos integrantes da missão, o técnico em agricultura e florestamento Simon Joseph Frazer (1871-1933), conhecido por Lord Lovat, veio ao Paraná a convite de um grupo de fazendeiros do Norte Velho, que buscava investidores para concluir a ligação ferroviária entre São Paulo e o Paraná. Por contrato celebrado entre o Governo do Estado do Paraná e a “Companhia dos Fazendeiros de São Paulo”, subsidiária da Companhia Marcondes, a linha férrea São Paulo-Paraná foi desenvolvida e a Companhia Marcondes foi responsável pela construção da linha férrea entre Ourinhos-SP e Cambará-PR, completada em 1.928.
Os fazendeiros haviam adquirido concessões dos dois Estados, no início dos anos 20, construindo a estrada de Ferro Noroeste do Paraná, que se estendia de Ourinhos até Cambará, mas não dispunham de capital para expandir o trecho de 27 km. Mais tarde, a ferrovia passou a se chamar Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná e foi comprada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, no relato do historiador Nelson Dacio TOMAZI (em “Norte do Paraná: História e Fantasmagorias”. Curitiba, Tese de Doutorado, UFPR, 1997).
Impressionado pelas terras roxas, Lord Lovat adquiriu propriedades em São Paulo e no norte do Paraná, fundando uma empresa para atuar no Brasil, a “Brasil Plantations Syndicate Limited” e uma companhia subsidiária, a Companhia de Terras Norte do Paraná. “Embora a historiografia oficial sustente que o objetivo pessoal de Lovat era plantar algodão para suprir as indústrias de tecelagem na Inglaterra, ele estava a serviço dos Rothschild e não os abandonaria para tratar de assuntos pessoais. Logo, as terras adquiridas no Paraná deveriam lastrear supletivamente os débitos nacionais com os capitalistas britânicos”, referem-se Joffily (1985) e Rui Christovam WACHOWICZ (em “História do Paraná”. Ponta Grossa: UEPG, 2010).
Na viagem ao Norte do Paraná, Lovat foi ciceroneado pelo jovem engenheiro Gastão de Mesquita Filho, em cujo relato (CMNP, 1977; p. 52) diz que estendeu um mapa e mostrou a Lovat “o traçado dos primeiros quilômetros de ferrovia que deveria ser construída como espinha dorsal de um ambicioso plano de colonização. Nada mais era do que o traçado Cincinato Braga de ligação com o Paraguai que, anos antes, havia sido proposto no Congresso Nacional e que não chegara a ser aprovado, embora fosse muito mais conveniente procurar atingir esse País via Cambará e Guaíra […] Lovat passou um telegrama ao gerente no Sudão da “Sudan Cotton Plantations Syndicate”, o escocês Arthur Hugh Miller Thomas (1889-1960) para ir a Londres ao seu encontro para discutir as aplicações no Brasil”.
(SB) (Continua na Edição de sábado, 15)