Por que o trem não chegou a Paranavaí (3)

Como se viu até esta parte, a colonização da região de Paranavaí nada teve a ver com os ingleses da “Brazil Plantation Syndicate Limited” e das subsidiárias “Paraná Plantation Syndicate Limited”, Companhia de Terras Norte do Paraná e por último Companhia Melhoramentos do Paraná e Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, a não ser que as terras dessas empresas que se sucederam chegavam até às portas de Paranavaí. Isto porque a demarcação incluía a área até o atual município de Alto Paraná, que incluía o Distrito de Maristela e o Distrito de Sumaré, que passou a pertencer a Paranavaí em 1963, depois de um plebiscito (realizado em 6 de janeiro) em que a população decidiu se queria continuar pertencendo a Alto Paraná ou a Paranavaí. A rigor, a área era delimitada pela atual Avenida Militão Rodrigues de Carvalho, atual principal avenida do Distrito. Mais recentemente a Melhoramentos adquiriu terras no Norte Novíssimo (Extremo Noroeste) e promoveu a colonização, fundando outras cidades e loteamentos nas décadas de 1950 e 1960.
Paralelamente à colonização realizada pelas companhias inglesas, a quem o Governo ofereceu muitas vantagens, inclusive a propriedade e usufruto de terras localizadas às margens das ferrovias por 50 e até 99 anos, o Governo do Paraná passou também a executar projetos próprios, entre os quais na região Noroeste do Estado, onde se localiza Paranavaí.
Na verdade o começo ocorreu em 1893, quando João Teixeira de Souza organizou a “Chemins de Fer Sud-Ouest Brasilien”, que transferiu seus direitos à Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande. Em 1917 o Estado do Paraná comprometeu-se a ceder à companhia 2.100.000 hectares, em compensação às terras concedidas pelo Governo Imperial, pelos trechos de estradas de ferro já construídos em outras regiões, rumo ao Rio Grande do Sul, inclusive entre Ponta Grossa e Guarapuava. Em 1920 a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande transferiu seu patrimônio para a recém fundada Companhia Brasileira de Viação & Comércio (BRAVIACO), cujo preposto no Paraná era Geraldo Rocha (constaria como acionista também Lindolfo Collor), que iniciou a execução de projetos de colonização em terras do Estado na bacia do rio Ivaí, Paraná e Paranapanema.
Em reportagens publicadas no Diário do Noroeste em 14 de dezembro de 1977 e 14 de dezembro de 2002, resultado de suas pesquisas de mestrado, o professor José Carlos Alcântara sob o título: “Uma contribuição para a história de Paranavaí – A Gleba Pirapó”, narra que na “demarcação das terras a que tinha direito no Noroeste do Paraná, com base no contrato de 23 de agosto de 1920, a Braviaco defronta-se com interesses da Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e Comércio. As discussões se estendem até 20 de março de 1925, quando as duas companhias chegaram a um acordo amigável sobre as dúvidas em torno das Glebas Cantu e Pirapó”.
“Pelo acordo – continua Alcântara – a Braviaco permitiu que fossem deduzidos 250 mil hectares de terras da Gleba Pirapó, cujo processo de medição se achava na Secretaria Geral do Estado, compreendidos entre o rio Pirapó e uma linha tirada pela origem da corredeira do Estreito, no rio Paranapanema, em direção ao rio Ivaí, de modo a dividir em duas áreas equivalentes a referida gleba (500 mil hectares), conforme se achava indicado nas duas vias da respectiva planta organizada pelo engenheiro civil Francisco Gutierrez Beltrão. No item “b” referente às obrigações da Companhia Marcondes coube à mesma abrir mão de qualquer direito em relação  às terras situadas a Oeste da Gleba Pirapó, entre os rios Paranapanema, Paraná e Ivaí. Os termos foram lavrados em 2 de maio de 1925 e no ato o diretor-presidente da Marcondes, José Coelho Almeida, recebeu dois títulos de terras referentes à Gleba Cantu, de 42.400 hectares, e outro  em nome da “Brazilian Plantation Syndicate Limited (of London) de 193.600 hectares, para a qual a Marcondes havia vendido anteriormente.
Faziam parte da Gleba Pirapó (250 mil hectares) – segundo constatado pelo prof. José Carlos Alcântara no Cartório de Registro de Imóveis de Tibagi, município que abrangia toda esta região – as terras denominadas, entre outras, Gleba G-1 (integral, atual território de Paranavaí e região); G-Ivaí (integral) e outras que estão relacionadas no documento.
Com a Revolução de 1930 o Estado do Paraná rescindiu o acordo e ajuizou ação sumária de cancelamento dos títulos de domínio pleno, perante a justiça local. Foi uma vingança contra o apoio do grupo da Braviaco a Júlio Prestes contra Getúlio Vargas, que perdeu a eleição, mas deu um golpe de Estado e tomou o poder. A sentença de procedência do pedido transitou em julgado em junho de 1940. Aproveitando a situação, em 1931 o general interventor federal no Paraná, Mário Tourinho, regulamentou a venda de terras devolutas, objetivando solucionar o problema da colonização, seguindo o exemplo de colonização dos ingleses em outras áreas do Estado; o Governo federal incorporou a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e todo o ativo da empresa “Brazil Railway Company”, bem como de suas afiliadas, como a Braviaco, o jornal “A Noite” do Rio, “Rio Editora”, “Rádio Nacional do Rio”, além das terras pertencentes à mesma empresa, no Paraná e Santa Catarina. Os títulos da Braviaco foram cancelados em 6 de abril de 1942.
Ainda em 1940, por meio dos Decretos-leis 2.073/40 e 2.436/40, a União incorporou o acervo patrimonial da extinta Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande/Braviaco. Em 1953, aproveitando-se da demora do julgamento dos embargos, a BRAVIACO vendeu parte da Colônia Piquiri (61.250 ha) a Ruy de Castro. A área foi loteada e vendida pela Companhia Pinho e Terras Ltda, e nela assentados cerca de 800 colonos. Em 1958, o Estado do Paraná, na gestão do governador Moysés Lupion, “rebatizou” os imóveis Piquiri e Catanduvas, expediu novos títulos e alienou a terceiros, como diz o historiador Ruy Christovam Wachowicz (Anais do V Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História; Campinas, 1969), originando muitas disputas com os “posseiros” ou colonos.

FAZENDA BRASILEIRA
Com a extinção da Braviaco, a região Noroeste do Paraná ficou completamente abandonada por 10 longos anos, inclusive com a extinção do único povoado que havia no Norte do Paraná em fins dos anos 1920, a Vila Montoya – onde foi criado o Distrito Judiciário – Comarca de Tibagi, em 13 de abril de 1929 – que é um marco do primeiro povoamento de Paranavaí. Estimulado pelo sucesso dos ingleses na formação de núcleos habitacionais em suas terras, o Governo decidiu investir nas terras recuperadas da Braviaco e Companhia Marcondes, o mesmo ocorrendo com empresas particulares.
Em dissertação apresentada à Universidade de São Paulo (publicada originalmente em 1951 no Boletim Paulista de Geografia nº 22, p. 55-97, sob o título “Contribuição ao Estudo do Norte do Paraná”) a profª Nice Lecocq Müller narra que “contando ainda com terras na orla da gleba da “Companhia Melhoramentos Norte do Paraná”, o Governo iniciou a partir de 1939 a abertura de quatro novas colônias: Içara, Jaguapitã e Centenário, ao Norte, de áreas relativamente pequenas, e, a Oeste, a enorme colônia de Paranavaí. De todas as colônias oficiais, Paranavaí é a maior, indo desde os limites ocidentais das terras da “Companhia Melhoramentos Norte do Paraná” até as barrancas do rio Paraná; no sentido L-W, cobre uma extensão superior a 100 km. A sede, Paranavaí, está localizada no espigão mestre, a 78 km de Maringá, numa altitude de 508m em relação ao nível do mar”.
O interventor Manoel Ribas (30/01/1932-03/11/1945) iniciou a venda de pequenos lotes para a criação de povoamentos. Foi assim que, em 1941, foi fincado o primeiro marco demarcatório do projeto da Fazenda Brasileira, que daria início à futura cidade batizada com o nome de Paranavaí (em 1947). Novamente a cidade sofreu uma solução de continuidade. Com a guerra mundial o Governo brasileiro e do Paraná ficaram numa situação de penúria, sem condições de dar assistência às comunidades em suas necessidades essenciais, através da infraestrutura, entre as quais estradas rodoviárias e ferroviárias. Num curto espaço de dois anos (1945-1947) o Paraná passou por nada menos que quatro interventores: Clotário Macedo Portugal, Brasil Pinheiro Machado, Mário Gomes da Silva e Antonio Augusto de Carvalho Chaves, até à eleição de Moisés Lupion (12/03/1947-31/01/1951), quando Paranavaí passou a receber novamente atenção, apesar da distribuição de terras, um tanto quanto contestada, a “amigos” e negócios governamentais escusos.

A ESTRADA DE FERRO
A estrada de ferro estendeu-se em área da Companhia de Terras enquanto houve interesse e às custas das mesmas empresas. Consta que os lucros com a venda de terras para o próprio Estado, com impostos e taxas, era maior que o auferido com a produção de café, algodão e outros gêneros, no Norte do estado. Esvaídos os recursos da venda de terras, as próprias colonizadoras não continuaram os investimentos. Quanto ao Governo do Estado, as crises administrativas e financeiras, ocasionadas pela má gestão, pelas guerras e pelas crises econômicas – o Norte do Paraná foi duramente atingido pelas grandes geadas de 1920, 1942, 1953, 1955 e 1975, segundo Lecocq – não sobrando recursos para investimentos no setor, já colocado em plano secundário diante do interesse da indústria de veículos que começava a fluir no Brasil. Sem dinheiro para investir, o Governo simplesmente “esqueceu” o projeto de trazer a estrada de ferro para Paranavaí que, na verdade, nem chegou a ser colocado no papel.
Em fins das décadas de 1950 e início dos anos 60, a estrada de ferro chegou a ser assunto nos debates políticos em Paranavaí. Os adversários atribuíam a não vinda do trem às famílias Palo e Perón (proprietárias da Concessionária Chevrolet) e Dal Prá (proprietária da Concessionária Mercedes Benz), que projetavam elevar a venda de caminhões para o transporte da produção de algodão – em 1955 Paranavaí chegou a ser denominada “a Presidente Prudente do Paraná” – e café, mas as críticas, por ridículas, não procediam, uma vez que as verdadeiras razões estavam na capital federal, que queria incentivar a indústria de produção de caminhões, e em Curitiba, onde o Governo do Estado vivia um período de total pobreza, sem dinheiro para executar seus projetos, entre os quais, o das ferrovias.