Régua de Medir Língua
Renato Benvindo Frata*
Meu pai sempre foi circunspecto, mal-humorado e de forte personalidade. Quando chegava, os filhos se recolhiam. Não era um monstro, mas lhe devotávamos respeito por medo. Acrescento ao seu perfil a qualidadede revoltado com as finanças sempre em baixa, a falta de expectativa (era caixeiro-viajante), a perda de dois filhos e a religião que só prometia.Trazia amargor nas palavras, nos gestos e nas fugas para os botecos que amparavam seus cotovelos.
Para o mal dos pecados, uma vizinha, dona Filó, fofoqueira de dar dó, importunava minha mãe com seu bate-língua enquanto tomava emprestadas xícaras de farinha, açúcar, arroz. Meu pai odiava aquele falatório inútil, sabendo que das respostas ouvidas, usava contra o interlocutor no próximo comentário. O que ela ouvia era seu municiamento para outras fofocas maiores e perigosos. Por isso, ele alertou: – Não dê trela, ela é inconsequente e vem se abastecer de fatos que viram difamação, não precisamos disso! Essa mulher é um perigo!
Certo dia, estando ele ocupado com os relatórios da empresa, dona Filó apareceu pedindo feijão e, enquanto minha mãe a servia, danou falar mal da mulher do prefeito, esperando as respostas para alongamento da conversa em outro lugar.
Meu pai se levantou, foi até a cozinha onde elas conversavam e, de posse de um objeto que embrulhara rapidamente, estendeu-o à visita.
– Para mim? – Perguntou sorrindo. Ao desfazer o invólucro, a surpresa:
– Uma régua?
– Sim, dona Filó, – respondeu ele – para medir sua língua. Vá fazer suas fofocas em outro lugar, não na nossa casa! – Foi a resposta clara, mal-educada e objetiva, e nem preciso dizer do constrangimento, mas o fato é que ela não mais voltou.
Guardadas as proporções, consequências e alguns ajustes de conceito, considerando as trapalhadas dos primeiros dias do novo governo brasileiro, nas falas de certos ministros e do próprio chefe de estado, as besteiras de Dona Filó ficariam nos calcanhares. Talvez a régua de meu pai deva ser distribuída às grosas, em Brasília… Com todo o respeito.