Revelada a face do “golpe”

Dirceu Cardoso Gonçalves*
 
Ao livrar os direitos políticos da ex-presidente Dilma Rousseff, o Senado Federal inova na interpretação constitucional e, pior que isso, oferece à presidente cassada tratamento diferente ao aplicado a centenas de outros governantes estaduais, municipais e até a um nacional – o ex-presidente Fernando Collor – punidos que, além de perder o cargo eletivo, tiveram de ficar oito anos afastados.
Os cassados a partir de 2008 ainda estão na “geladeira” e correm o risco de ver a ex-presidente, ainda dentro do trauma que o seu governo causou ao país, assumir cargos públicos ou, até, arriscar nova candidatura.
Os bastidores jurídicos lembram que, se os efeitos do “acordão” não forem corrigidos em tempo, é hipotética e legalmente possível a candidatura, já em outubro, de Dilma à prefeitura de Porto Alegre, onde tem seu domicílio eleitoral, o que seria um tapa na cara da nação e especialmente da Constituição.
Esta é, sem dúvida, a verdadeira face do “golpe” de que tanto se tem falado.
Ao inovar na votação do impeachment, os senadores e o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão, causaram um grande mau. Prolongaram a sensação de transitoriedade que, desde o afastamento da ex-presidente, em maio, trava o governo e retarda a solução da crise.
Agora o Supremo Tribunal Federal é provocado a desfazer o “imbróglio” para, finalmente, devolver a normalidade ao país e permitir ao presidente Michel Temer cumprir sua espinhosa missão. Dilma Rousseff recorrer da cassação já era esperado, é um direito seu. Mas a novação na interpretação constitucional da votação criada pelos seus aliados como prêmio de consolação, é uma afronta.
A crise que nos conduziu até este momento é a mais cabal demonstração de que o Brasil carece de muitas reformas. Os mais de 200 milhões de brasileiros não podem continuar reféns de uma legislação arcaica e de políticos e instituições que demoram tanto tempo para afastar um governo que não deu certo e compromete a vida nacional.
Além da reforma nas regras de governança, é preciso urgentemente promover a mais ampla remodelação do processo eleitoral de forma a evitar que os interesses de pessoas ou grupos continuem sobrepujando aos do povo.
Além de medidas para sair da crise econômica e voltar a dar oportunidade de trabalho e renda para todos os brasileiros, precisamos buscar um novo pacto com a população e romper com as malfadadas alianças das elites políticas que, para se eternizarem no poder, cometem todo tipo de malfeitos e pouco se incomodam com verdadeiro interesse público.
A mudança que precisamos é muito maior do que a simples troca de um presidente errante…

*Dirceu Cardoso Gonçalves – Dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)