Santa Dulce dos Pobres torna-se a primeira Santa brasileira
Natural da Bahia com o nome civil Dulce Lopes Pontes, a Irmã Dulce tornou-se domingo a primeira santa nascida no Brasil. Domingo (13), às 5h34 (de Brasília), ela foi canonizada pela Igreja Católica, em uma cerimônia comandada pelo papa Francisco no Vaticano. Agora, Irmã Dulce será chamada Santa Dulce dos Pobres.
“Sua dedicação aos pobres tinha uma raiz sobrenatural e do Alto recebia forças e recursos”, declarou o Vaticano sobre Irmã Dulce. A cerimônia foi acompanhada por 50 mil fiéis na Praça São Pedro, no Vaticano. Autoridades brasileiras estiveram presentes, como o vice-presidente Hamilton Mourão; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (PSDB-AP); o governador da Bahia, Rui Costa (PT-BA); e o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), além de mais 12 deputados e sete senadores.
Outras quatro pessoas também foram canonizadas na mesma solenidade: o teólogo e cardeal John Henry Newman (Inglaterra), as religiosas Giuseppina Vannini (Itália) e Mariam Theresia Chiramel Mankidiyan (Índia), e a catequista leiga Marguerite Bays (Suíça).
Leia a íntegra do sermão do Papa Francisco, fornecida pelo Vaticano:
“A tua fé te salvou (Lc 17, 19). É o ponto de chegada do Evangelho de hoje, que nos mostra o caminho da fé. Neste percurso de fé, vemos três etapas, vincadas pelos leprosos curados, que invocam, caminham e agradecem.
Primeiro, invocar. Os leprosos encontravam-se numa condição terrível não só pela doença em si, ainda hoje difusa e devendo ser combatida com todos os esforços possíveis, mas pela exclusão social. No tempo de Jesus, eram considerados impuros e, como tais, deviam estar isolados, separados (cf. Lv 13, 46). De facto, quando vão ter com Jesus, vemos que «se mantêm à distância» (Lc 17, 12). Embora a sua condição os coloque de lado, todavia diz o Evangelho que invocam Jesus «gritando» (17, 13) em voz alta. Não se deixam paralisar pelas exclusões dos homens e gritam a Deus, que não exclui ninguém. Assim se reduzem as distâncias, e a pessoa sai da solidão: não se fechando em auto lamentações, nem olhando aos juízos dos outros, mas invocando o Senhor, porque o Senhor ouve o grito de quem está abandonado.
Também nós – todos nós – necessitamos de cura, como aqueles leprosos. Precisamos de ser curados da pouca confiança em nós mesmos, na vida, no futuro; curados de muitos medos; dos vícios de que somos escravos; de tantos fechamentos, dependências e apegos: ao jogo, ao dinheiro, à televisão, ao telemóvel, à opinião dos outros.
O Senhor liberta e cura o coração, se O invocarmos, se lhe dissermos: «Senhor, eu creio que me podeis curar; curai-me dos meus fechamentos, livrai-me do mal e do medo, Jesus». No Evangelho de Lucas, os primeiros a invocar o nome de Jesus são os leprosos. Depois fá-lo-ão também um cego e um dos ladrões na cruz: pessoas carentes invocam o nome de Jesus, que significa Deus salva. De modo direto e espontâneo chamam Deus pelo seu nome. Chamar pelo nome é sinal de confidência, e o Senhor gosta disso. A fé cresce assim, com a invocação confiante, levando a Jesus aquilo que somos, com franqueza, sem esconder as nossas misérias. Invoquemos diariamente, com confiança, o nome de Jesus: Deus salva. Repitamo-lo: é oração. A oração é a porta da fé, a oração é o remédio do coração.
Caminhar é a segunda etapa. Neste breve Evangelho de hoje, aparece uma dezena de verbos de movimento. Mas o mais impressionante é sobretudo o facto de os leprosos serem curados, não quando estão diante de Jesus, mas depois enquanto caminham, como diz o texto: «Enquanto iam a caminho, ficaram purificados» (17, 14). São curados enquanto vão para Jerusalém, isto é, palmilhando uma estrada a subir. É no caminho da vida que a pessoa é purificada, um caminho frequentemente a subir, porque leva para o alto.
A fé requer um caminho, uma saída; faz milagres, se sairmos das nossas cómodas certezas, se deixarmos os nossos portos serenos, os nossos ninhos confortáveis. A fé aumenta com o dom, e cresce com o risco. A fé atua, quando avançamos equipados com a confiança em Deus. A fé abre caminho através de passos humildes e concretos, como humildes e concretos foram o caminho dos leprosos e o banho de Naaman no Jordão, que ouvimos na primeira Leitura (cf. 2 Re 5, 14-17). O mesmo se passa conosco: avançamos na fé com o amor humilde e concreto, com a paciência diária, invocando Jesus e prosseguindo para diante.
Outro aspeto interessante no caminho dos leprosos é que se movem juntos. Refere o Evangelho, sempre no plural, que «iam a caminho» e «ficaram purificados» (Lc 17, 14): a fé é caminhar juntos, jamais sozinhos. Mas, uma vez curados, nove continuam pela sua estrada e apenas um regressa para agradecer. E Jesus desabafa a sua mágoa assim: «Onde estão os outros nove?» (17, 17). Quase parece perguntar pelos outros nove, ao único que voltou. É verdade! Constitui tarefa nossa – de nós que estamos aqui a «fazer Eucaristia», isto é, a agradecer –, constitui nossa tarefa ocuparmo-nos de quem deixou de caminhar, de quem se extraviou: somos guardiões dos irmãos distantes. Somos intercessores por eles, somos responsáveis por eles, isto é, chamados a responder por eles, a tê-los a peito. Queres crescer na fé? Ocupa-te dum irmão distante, duma irmã distante.
Invocar, caminhar e… agradecer: esta é a última etapa. Só àquele que agradece é que Jesus diz: «A tua fé te salvou» (17, 19). Não se encontra apenas curado; também está salvo. Isto diz-nos que o ponto de chegada não é a saúde, não é o estar bem, mas o encontro com Jesus. A salvação não é beber um copo de água para estar em forma; mas é ir à fonte, que é Jesus. Só Ele livra do mal e cura o coração; só o encontro com Ele é que salva, torna plena e bela a vida. Quando se encontra Jesus, brota espontaneamente o «obrigado», porque se descobre a coisa mais importante da vida: não o receber uma graça nem o resolver um problema, mas abraçar o Senhor da vida.
É encantador ver como aquele homem curado, que era um samaritano, manifesta a alegria com todo o seu ser: louva a Deus em voz alta, prostra-se, agradece (cf. 17, 15-16). O ponto culminante do caminho de fé é viver dando graças.
Podemos perguntar-nos: Nós, que temos fé, vivemos os dias como um peso a suportar ou como um louvor a oferecer? Ficamos centrados em nós mesmos à espera de pedir a próxima graça, ou encontramos a nossa alegria em dar graças? Quando agradecemos, o Pai deixa-Se comover e derrama sobre nós o Espírito Santo. Agradecer não é questão de cortesia, de etiqueta, mas questão de fé. Um coração que agradece, permanece jovem.
Dizer «obrigado, Senhor», ao acordar, durante o dia, antes de deitar, é antídoto ao envelhecimento do coração. E o mesmo se diga em família, entre os esposos: lembrem-se de dizer obrigado. Obrigado é a palavra mais simples e benfazeja.
Invocar, caminhar, agradecer. Hoje, agradecemos ao Senhor pelos novos Santos, que caminharam na fé e agora invocamos como intercessores. Três deles são freiras e mostram-nos que a vida religiosa é um caminho de amor nas periferias existenciais do mundo. Ao passo que Santa Margarida Bays era uma costureira e revela-nos quão poderosa é a oração simples, a suportação com paciência, a doação silenciosa: através destas coisas, o Senhor fez reviver nela o esplendor da Páscoa.
Da santidade do dia a dia, fala o Santo Cardeal Newman quando diz: «O cristão possui uma paz profunda, silenciosa, oculta, que o mundo não vê. (…) O cristão é alegre, calmo, bom, amável, educado, simples, modesto; não tem pretensões, (…) o seu comportamento está tão longe da ostentação e do requinte que facilmente se pode, à primeira vista, tomá-lo por uma pessoa comum» (Parochial and Plain Sermons, V, 5). Peçamos para ser, assim, «luzes gentis» no meio das trevas do mundo. Jesus, «ficai conosco e começaremos a brilhar como brilhais Vós, a brilhar de tal modo que sejamos uma luz para os outros» (Meditations on Christian Doctrine, VII, 3). Amém”.
O CAMINHO ATÉ A CANONIZAÇÃO
Junho de 1999
• A Arquidiocese de Salvador publica edital solicitando aos fiéis que comuniquem todas as notícias das quais se possam colher elementos favoráveis ou contrários à fama de santidade de Irmã Dulce.
Janeiro de 2000
• Abertura do processo canônico sobre a vida, as virtudes e a fama de santidade de Irmã Dulce, na Catedral Basílica de Salvador.
Junho de 2003
• O Vaticano reconhece juridicamente a validade de um possível milagre ocorrido por intercessão dela.
Abril de 2009
• O Papa Bento XVI concede o título de venerável à freira baiana.
Dezembro de 2010
• Bento XVI autoriza, no dia 10, a promulgação do decreto do milagre que transforma a Venerável Dulce em Beata ou Bem-Aventurada. No dia seguinte, inicia-se a fase de canonização — qualquer graça ocorrida a partir desta data poderia vir a ser analisada pelo Vaticano como o potencial milagre que levaria à santificação.
Maio de 2019
• O Papa Francisco promulga o decreto que reconhece o segundo milagre.
Julho de 2019
• Francisco anuncia que Irmã Dulce será canonizada em 13 de outubro. Oficialmente, ela passará a ser chamada de Santa Dulce dos Pobres e terá como data litúrgica o dia 13 de agosto.
(Fonte: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB)
TERCEIRA CANONIZAÇÃO MAIS RÁPIDA DA HISTÓRIA
O processo de canonização da freira baiana foi o terceiro mais rápido da história, 27 anos após sua morte, ficando atrás só do papa João Paulo 2º, nove anos, e de Madre Teresa de Calcutá, 19 anos depois de sua morte. E era como “Madre Teresa do Brasil” que alguns a conheciam. As semelhanças iam além do físico franzino: o trabalho com pobres foi a maior marca de ambas. O início da obra mais regular do “Anjo Bom da Bahia” foi em 1949, quando ela ocupou o galinheiro ao lado do convento para atender 70 pacientes.
LINHA DO TEMPO
26.mai.1914 – Nasce Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes em Salvador;
1933 – Ingressa na Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus, em Sergipe, recebe o hábito e adota, em homenagem à mãe, o nome de Irmã Dulce;
1949 – Em Salvador, após autorização da superiora, ocupa um galinheiro ao lado do convento para atender doentes;
1959 – Instalada no local a Associação Obras Sociais Irmã Dulce;
13.mar.1992 – Irmã Dulce morre em Salvador.
OS MILAGRES
Da beatificação
Após dar à luz seu segundo filho, Gabriel, em 11 de janeiro de 2001, Claudia Cristina dos Santos sofreu uma forte hemorragia, durante 18 horas. O médico diz à família que apenas “uma ajuda divina” poderia salvá-la. Chamado ao local, o padre José Almí faz corrente de oração pedindo a intercessão de Irmã Dulce e deu a Cláudia uma pequena relíquia da freira. A hemorragia cessou subitamente
Da canonização
Aos 22 anos, o músico José Maurício Moreira teve um diagnóstico de glaucoma descoberto tardiamente. Mesmo com tratamento por dez anos, na virada do ano de 1999 para 2000, ele ficou totalmente cego de ambos os olhos. Em 2014, Maurício teve conjuntivite que causou fortes dores. Ele pegou uma imagem de Irmã Dulce a colocou sobre os olhos e fez uma oração pedindo para cessarem as dores. Ao acordar, Maurício percebeu então que tinha voltado a enxergar.
País terá 37 santos
Com a canonização de irmã Dulce, o Brasil terá 37 santos, entre nascidos no país ou com atuação aqui. A italiana madre Paulina, o brasileiro frei Galvão e o padre espanhol José de Anchieta fazem parte dessa lista.
Além dos santos, o Brasil soma cerca de 5 dezenas de beatos – um “degrau” abaixo da santificação. O padre Donizetti, que ficou famoso no interior de São Paulo em meados do século passado, com fama de “milagreiro”, deverá ser beatificado em novembro, em Tambaú (255 km de SP).